"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



31/03/2014

Aplicação no tempo do nCPC: títulos executivos forever? (4)


1. É o seguinte o sumário de RL 26/3/2014:

"I - O auto de conciliação exarado nos Serviços do Ministério Público, sob a égide do respectivo magistrado, e subscrito por este, pelo trabalhador e pela entidade empregadora, do qual decorre a assunção de uma dívida, não constitui documento autêntico ou autenticado e, portanto, por essa via, não constitui título executivo.
II - A interpretação das normas do art. 703.º do novo CPC e 6.º, n.º 3, da Lei 41/2013, de 26 de Junho, no sentido de o primeiro se aplicar a documentos particulares emitidos em data anterior à da entrada em vigor do novo CPC, e então exequíveis por força do art. 46.º, n.º 1, al. c), do CPC de 1961, é inconstitucional por violação do principio da segurança e protecção da confiança.
III – Em consequência, deve prosseguir seus termos a execução instaurada após a entrada em vigor do novo CPC, com base em documento particular emitido em data anterior e então exequível."
 
2. No mesmo sentido (e sobre o mesmo título executivo), cf. RE 27/2/2014.

Bibliografia (13)


--Jaremba, U., At the Crossroads of National and European Union Law. Experiences of National Judges in a Multi-Level Legal Order, Erasmus L. Rev. 6 (2013), 191
 

28/03/2014

Acções de apreciação negativa e ónus da prova (2)


1. O STJ 20/3/2014, na sequência de outros arestos do STJ, qualifica uma acção de impugnação da resolução de um contrato-promessa em benefício da massa realizada pelo administrador de insolvência como uma acção de apreciação negativa. Desta qualificação retira o acórdão, segundo uma interpretação do disposto no art. 343.º, n.º 1, CC, uma inversão do ónus da prova naquela acção, que se traduz em dispensar o autor de fazer prova de qualquer facto constitutivo da impugnação da resolução e em impor ao réu a prova dos factos que justificam a resolução do contrato-promessa. Consequentemente, como também já foi decidido noutros arestos do STJ, o acórdão acaba por concluir que o demandado na acção de impugnação da resolução não pode deduzir nenhum pedido reconvencional com a seguinte justificação:
 
“Se, na reconvenção, a ré pretende ver declarada a eficácia da resolução extrajudicial por si efectivada, através da carta enviada ao promitente-comprador, tal pedido mostra-se sem qualquer justificação, pois a improcedência da acção de impugnação tem essa necessária consequência, em termos jurídicos, tornando-se desnecessária qualquer outra providência por banda da ré, designadamente a instauração de uma acção de apreciação positiva”.
 
Já houve a oportunidade de criticar esta orientação (aqui). Continuando a reflectir sobre o problema, há que acrescentar uma outra observação.
 
2. Como me foi referido por um Colega do IPPC, a atribuição ao réu de uma acção de apreciação negativa do ónus de provar o facto constitutivo é incompatível com o regime da revelia. Admita-se que o réu de uma acção de apreciação negativa não contesta numa hipótese em que a revelia é operante; a consequência é a confissão dos factos alegados pelo autor (art. 567.º, n.º 1, nCPC); perante isto, há que afirmar o seguinte:
– Se o autor de uma acção de apreciação negativa nada tem de provar e se a impugnação dos factos eventualmente alegados por esse demandante não aproveita ao réu, pode concluir-se, com alguma segurança, que não é necessária a invocação de uma causa de pedir, isto é, a alegação de factos que fundamentem a inexistência do direito (do demandado); se assim se entender, cabe perguntar o que sucede se o réu entrar em revelia, dado que, não tendo sido invocada nenhuma causa de pedir, não podem ficar confessados nenhuns factos; nesta hipótese, o tribunal não dispõe de nenhuns factos para proferir a sua decisão;
– Se, pelo contrário, se admitir que o autor de uma acção de apreciação negativa, apesar de nada ter de provar, ainda assim tem de alegar uma causa petendi, não parece coerente que esse autor obtenha a confissão dos factos alegados se o réu não contestar, mas esta parte não possa limitar-se a impugnar esses mesmos factos, tornando-os controvertidos e impondo ao autor, nos termos gerais do art. 342.º, n.º 1, CC, a sua prova; é estranho que o autor possa beneficiar de uma ficta confessio desses factos em caso de revelia do demandado e que esses mesmos factos não possam ser utilizados por este réu para, através da sua impugnação, procurar obter a improcedência da causa; talvez esteja mesmo em questão a igualdade das partes, dado que os factos invocados pelo autor relevam em benefício desta parte se o réu não contestar, sem que o réu possa retirar qualquer vantagem da sua impugnação; no fundo, constrói-se um sistema em que há uma categoria de factos que só servem para obter a procedência da causa, sem que possam ser utilizados pelo réu para procurar conseguir a improcedência da acção.
 
MTS

Jurisprudência constitucional (5)

 
No acórdão 218/2014, de 6/3/2014, o TC decidiu:
 
"Julgar inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1 conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente do artigo 18.º, n.º 2, ambos da Constituição da República Portuguesa, a norma constante do artigo 66.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais (aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 224‑A/96, de 26 de Novembro) quando interpretada «com o sentido de permitir que as custas devidas pelo expropriado excedam, de forma intolerável, o montante da indemnização depositada»".

27/03/2014

Paper (12)


--Wade, J. H., Persuasion in Negotiation and Mediation (03.2014)

Informações (6)


A Câmara dos Deputados brasileira aprovou, no dia 26/3/2014, o novo Código de Processo Civil. O texto aprovado pode ser consultado clicando aqui ou aqui. As principais alterações, pelo menos pela perspectiva do cidadão comum, encontram-se aqui e aqui.

Legislação (1)


-- DL 49/2014, de 27/3 (Regulamenta a Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), e estabelece o regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais)

26/03/2014

Aplicação no tempo do nCPC: títulos executivos forever? (3)


A nota do Prof. Lebre de Freitas ao acórdão da RE de 27/2/2014 chama a atenção para um ponto que, no contexto da discussão sobre a constitucionalidade da aplicação do novo elenco dos títulos executivos aos documentos constituídos antes de 1/9/2013, é muito relevante. Refere o Prof. Lebre de Freitas que nunca se levantou nenhum problema de constitucionalidade quando à aplicação imediata dos sucessivos regimes processuais que foram alargando o elenco dos títulos executivos, isto é, que atribuíram a qualidade de título executivo a documentos que, no momento da sua formação, não tinham essa qualidade.
A chamada de atenção é muito oportuna, dado que as duas situações -- a aplicação imediata a documentos já constituídos de uma lei nova que restringe os títulos executivos e a aplicação imediata a documentos já formados de uma lei nova que aumenta o elenco dos títulos executivos -- têm de ter a mesma solução.
A justificação é fácil: se a lei que restringe os documentos com força executiva afecta o credor e potencial exequente, uma lei que aumenta os documentos a que atribui essa mesma força afecta o devedor e possível executado. É claro que estes interessados não podem ser tratados de forma distinta (o favor creditoris só opera após a instauração da execução, não quanto à admissibilidade da execução): não pode afirmar-se que, com uma lei nova restritiva do elenco dos títulos executivo, o credor perde a expectativa de instaurar uma execução sem ter de reconhecer que, através de uma lei nova que aumenta esse elenco, o devedor perde a expectativa contrária, isto é, a expectativa de não ser executado com base num documento que, no momento da sua formação, não era título executivo. Se é difícil aceitar uma expectativa a não ser executado, tem necessariamente de ser difícil admitir uma expectativa a executar com base num documento a que uma lei nova retirou força executiva.
Esta observação reforça uma das críticas que se pode dirigir ao acórdão da RE. Constitui uma visão unilateral analisar o problema da constitucionalidade da aplicação imediata de uma lei nova sobre títulos executivos a documentos anteriores considerando apenas o que o credor perde quando essa lei restringe os títulos executivos e não ponderando o que acontece ao devedor quando aquela lei aumenta os títulos executivos. Em termos de constitucionalidade da aplicação da lei nova a documentos anteriores, as duas situações têm de ter a mesma solução: ou são ambas constitucionais ou são ambas inconstitucionais.
 
MTS

Aplicação no tempo do nCPC: títulos executivos forever? (2)


Estou inteiramente de acordo com a nota do Prof. Teixeira de Sousa e em desacordo com a doutrina do acórdão da RE de 27/2/2014. Sempre se considerou que a exequibilidade é definida pela lei em vigor à data da execução - e bem: não se trata da produção de efeitos dum ato jurídico, mas da opção do legislador sobre a suficiência de documento que permita prescindir da ação declarativa (ou, como bem nota o Prof. Teixeira de Sousa, da injunção). Também quando se alarga o elenco dos títulos a nova lei é - e sempre se considerou ser - de aplicação imediata (a não confundir com retroatividade).
 
A proteção da confiança só em concreto (que previsão? que investimento?) poderia ser, muito eventualmente, invocável.
 
J. LEBRE DE FREITAS

25/03/2014

Aplicação no tempo do nCPC: títulos executivos forever?


1. O importante RE 27/2/2014 tem o seguinte sumário:

“I - A eficácia retroativa da lei processual é admitida, por via, por exemplo, da consagração de disposições transitórias, desde que não viole a Constituição da República Portuguesa.

II - A norma que elimina os documentos particulares, constitutivos de obrigações, assinados pelo devedor do elenco de títulos executivos (artigo 703.º do novo CPC), quando conjugada com o artigo 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, e interpretada no sentido de se aplicar a documentos particulares dotados anteriormente da característica da exequibilidade, conferida pela alínea c) do n.º 1 do artigo 46.º do anterior Código de Processo Civil, é manifestamente inconstitucional por violação do princípio da segurança e proteção da confiança integrador do princípio do Estado de Direito Democrático.

III - A eliminação dos documentos particulares, constitutivos de obrigações, assinados pelos devedores do elenco dos títulos executivos, constitui uma alteração no ordenamento jurídico que não era previsível. Se, à data em que tais documentos foram constituídos os mesmos eram dotados de exequibilidade, é de esperar alguma constância no ordenamento no âmbito da segurança jurídica constitucionalmente consagrada. Assim, a alteração da ordem jurídica não era de todo algo com que se pudesse contar. Daí que os titulares de documentos particulares constituídos antes da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, que tinham a característica da exequibilidade conferida pela alínea c) do n.º1 do artigo 46.º do velho código, tivessem uma legítima expectativa da manutenção da anterior tutela conferida pelo direito.

IV - Por conseguinte, a aplicação retroativa do artigo 703.º do novo Código de Processo Civil, a títulos anteriormente tutelados com a característica da exequibilidade, constitui uma consequência jurídica demasiado violenta e inadmissível no Estado de Direito Democrático, geradora de uma insegurança jurídica inaceitável, desrespeitando em absoluto as expectativas legítimas e juridicamente criadas. 

V - De acordo com a Exposição de Motivos apresentada na Proposta de Lei n.º 113/XII, a retirada dos documentos particulares do elenco dos títulos executivos teve dois objetivos em vista: (i) diminuir o número de ações executivas; (ii) criar medidas para agilizar o processo executivo, libertando o mesmo de identificadas causas de protelamento e complexidade (v.g., oposições à execução).

VI - As razões de interesse público subjacentes à opção da retirada dos documentos particulares do elenco dos títulos executivos, não prevalecem, sobre as legítimas expectativas individuais geradas pelo próprio ordenamento jurídico.

VII - Uma alteração da ordem jurídica que sacrifique legítimas expectativas de particulares juridicamente criadas só faz sentido e só pode ser admitida quando valores mais elevados se impõem, ou seja, o sacrifício imposto apenas tem razão de ser perante a inevitabilidade de razões da maior importância para a sociedade, justificando-se, então, o sacrifício de alguns em prol do coletivo.

VIII - Os fins que se visam alcançar com a eliminação dos documentos particulares do elenco dos títulos executivos não constituem razões de tal forma ponderosas para o bem comum coletivo que justifiquem o sacrifício das legítimas expectativas de, muito provavelmente, um número significativo de cidadãos que se limitou a agir de acordo com a lei vigente, na altura, confiando que a sua atuação estaria protegida pelo Estado de Direito Democrático.”
 
2. O interessante acórdão da RE considera inconstitucional, por violação dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, a aplicação do elenco dos títulos executivos enunciados no art. 703.º nCPC aos títulos constituídos antes de 1/9/2013. O acórdão merece algumas observações.

O acórdão não qualifica correctamente a situação decorrente do disposto no art. 6.º, n.º 3, L 41/2013, de 26/6, que determina a aplicação do art. 703.º nCPC aos títulos executivos formados antes da entrada em vigor do nCPC. Em várias passagens do acórdão a situação é referida como sendo de retroactividade do nCPC; importa precisar que não se trata de retroactividade, mas tão-só da aplicação imediata do nCPC aos títulos executivos que se formaram na vigência do aCPC.

Para que se pudesse falar de retroactividade seria necessário que o art. 6.º, n.º 3, L 41/2013 tivesse retirado carácter executivo a títulos que já tinham produzido a sua eficácia executiva no passado, isto é, teria sido necessário que o preceito tivesse atingido execuções baseadas em títulos que deixaram de o ser de acordo com o nCPC. Não é evidentemente isto que resulta do art. 6.º, n.º 3, L 41/2013: o que decorre deste preceito é uma aplicação imediata e para o futuro do novo elenco dos títulos executivos, deixando intocados todos os efeitos que os agora ex-títulos produziram no passado. A seguir-se a concepção de retroactividade utilizada no acórdão, haveria que qualificar como retroactiva toda a lei que afectasse qualquer situação duradoura que transitasse do domínio da lei antiga para o da lei nova (como, por exemplo, uma nova lei sobre o regime do arrendamento urbano que fosse aplicável aos contratos subsistentes no momento da sua entrada em vigor).

Sendo assim, o que importa averiguar é se é inconstitucional a aplicação imediata e para o futuro do elenco dos títulos executivos que constam do art. 703.º nCPC e a consequente exclusão daqueles que o eram em função do art. 46.º aCPC e que deixaram de o ser depois de 1/9/2013.

3. Parece ser algo exagerado o entendimento de que os titulares de documentos que eram qualificados como títulos executivos pelo art. 46.º aCPC possuíam “uma legítima expectativa de manutenção da anterior tutela conferida pelo direito”, ou seja, tinham uma legítima expectativa ao uso da acção executiva com base no título extrajudicial. A CRP garante, no seu art. 20.º, n.º 1, o direito de acesso aos tribunais, mas não garante o direito de acesso a um tipo de processo. Em particular, é muito duvidoso que a atribuição de carácter executivo a um documento particular por uma lei revogada tenha de ser respeitada até se extinguir a última execução instaurada com fundamento no último desses títulos ainda por executar.

O que talvez mais impressione no acórdão da RE é a unilateralidade da análise. Nunca se pondera a posição do executado. Será que, na opção do legislador (que, por sinal, não coincidiu com a da Comissão de Revisão do Processo Civil), não relevou que alguns títulos executivos não constituíam garantia suficiente da constituição da dívida e não protegiam suficientemente o executado? Se o credor tem um direito constitucionalmente protegido a instaurar uma execução, o devedor também tem um direito, necessariamente merecedor da mesma protecção, a não ser executado com base num título que não oferece garantias suficientes de constituição da dívida (e que até, por vezes, nem assegura ao devedor a consciência de que está a participar da formação de um título executivo que pode vir a ser utilizado contra ele). O cruzamento desta problemática com a da protecção do consumidor impõe, de imediato, uma perspectiva de análise bastante diferente daquela que foi a assumida no acórdão da RE.

Acresce que o acórdão resume a situação a uma dicotomia baseada no tudo ou nada: ou é reconhecido que o credor continua a ter um título executivo (e lhe é permitido instaurar uma acção executiva) ou isso não lhe é reconhecido (e o credor fica desprotegido). Não é bem assim. O tudo (execução) e o nada (desprotecção) não esgotam as alternativas atribuídas ao credor. Designadamente, teria sido importante ponderar se o procedimento de injunção não pode ser considerado um meio adequado de protecção dos interesses dos credores que deixaram de poder instaurar uma execução por força do elenco mais restritivo dos títulos executivos que consta do art. 703.º nCPC.
 
4. Pode vir a acontecer que a tese da inconstitucionalidade da aplicação imediata do art. 703.º nCPC aos títulos anteriores venha a tornar-se prevalecente (na jurisprudência, na doutrina ou até em ambas). Mas, para que isso suceda, parece ser preciso algo mais do que é aduzido no acórdão da RE.
 
MTS

 

Paper (11)


-- Zekoll, J., Online Dispute Resolution: Justice Without the State? (12/2013)

Reparação de danos não patrimoniais


1. Sumário de STJ 24/4/2013:


"I - A indemnização por danos não patrimoniais sem embargo da função punitiva que outrossim reveste, tem por fim facultar ao lesado meios económicos que, de alguma sorte, o compensem da lesão sofrida, por tal via reparando, indirectamente, os preditos danos, por serem hábeis a proporcionar-lhe alegrias e satisfações, porventura de ordem puramente espiritual, que consubstanciam um lenitivo com a virtualidade de o fazer esquecer ou, pelo menos, mitigar o havido sofrimento moral.

II - Tal indemnização deve, ainda, englobar, nomeadamente, os prejuízos estéticos, os sociais, os derivados da não possibilidade de desenvolvimento de actividades agradáveis e outros.

III - A sua fixação não deve ser simbólica, miserabilista, ou arbitrária, mas nortear-se por critérios de equidade, tendo em atenção as circunstâncias referidas no art. 494.º do CC.

IV - Entre estas é, porém, de afastar, por violação do princípio constitucional da igualdade (art. 13.º da CRP), a relativa à situação económica do lesado.

V - Se a lesada, com 51 anos à data do sinistro (29-08-2005), gozava de boa saúde, era bem humorada, equilibrada, saudável, alegre e trabalhadora, e em consequência do mesmo sofreu graves lesões (fractura do fémur reduzida com placa e parafusos de osteossíntese, que ainda hoje mantém, e lesão traumática do menisco externo do joelho esquerdo), que lhe impuseram a efectivação de duas intervenções cirúrgicas, com internamento por 8 dias, sendo seguida em consultas até 3-06-2006, andando com duas canadianas até Fevereiro de 2006, e uma até Maio do mesmo ano e viu a sua qualidade de vida afectada de forma irreversível (sofreu 90 dias de ITA e 189 de ITP, tem dificuldade em subir e descer escadas, falta de força no membro inferior esquerdo, dor no compartimento interno do joelho esquerdo, com atrofia muscular da coxa esquerda em 3 cms, não podendo andar muito, nem fazer as caminhadas que fazia, ou andar de bicicleta, sente dores na perna e coxeando, tornou-se impaciente, evitando sair de casa, onde faz as tarefas domésticas com acrescido esforço e ajuda de terceiros, e sentindo-se deprimida e triste com a situação), tem-se como equitativa a compensação de € 40 000, ao invés dos € 20 000, fixados na Relação."

2. Cf. anot. de F. Albuquerque Matos, RLJ 143 (2014), 189 ss.

Informações (5)


-- O Painel de Avaliação da Justiça na UE de 2014: Para uma maior eficácia dos sistemas de Justiça na União (Bruxelas, 17/3/2014)

Jurisprudência constitucional (4)


No Acórdão n.º 105/2014, de 12/2/2014 (também disponível aqui), o TC decidiu o seguinte:


"Julga inconstitucional a interpretação normativa, extraída do n.º 1 do artigo 321.º do Código Civil, segundo a qual se inicia e corre um prazo prescricional, referente a uma pretensão indemnizatória, no momento em que são cognoscíveis pelo lesado os pressupostos do seu direito à indemnização, embora nesse momento ele esteja legalmente impedido de efetivá-lo, por inexistência de meio processual idóneo, apenas se suspendendo a prescrição nos últimos três meses do prazo". 

24/03/2014

Papers (10)


-- Barona-Vidal, S./Esplugues Mota, C., ADR Mechanisms and Their Incorporation into Global Justice in the Twenty-First Century: Some Concepts and Trends (01.2014)

-- Holland, P. A., Junk Justice: A Statistical Analysis of 4,400 Lawsuits Filed by Debt Buyers, Loyola Consumer L. Rev.  26 (2014), 179 

22/03/2014

Bibliografia (12)


-- Gustin, M./Jayme,F.G./Nunes, D./Didier Júnior, F. et al., Avaliação do impacto das modificações no regime do recurso de agravo e proposta de simplificação do sistema processual (Brasília 2013) (também aqui)

21/03/2014

Bibliografia (11)


-- Brekoulakis, S., The Negative Effect of Compétence-Compétence: The Verdict has to be Negative, Austrian Yb. Arb. 2009, 237 (também aqui)

20/03/2014

Acção de impugnação de resolução em benefício da massa



1.

Em acórdão de 25 de Fevereiro do corrente ano, o STJ confirmou as decisões das instâncias que julgaram improcedente a acção de impugnação da resolução de um contrato-promessa de compra e venda de um prédio, firmado entre aqueles e a sociedade entretanto declarada insolvente, levada a cabo por parte do administrador da massa.

Na primeira parte do acórdão, o STJ ocupou-se da possibilidade de o administrador da massa falida resolver um contrato a favor da massa, acabando por concluir, face ao estatuído no artigo 120.º do CIRE, pela sua inteira possibilidade, mas com o sério aviso de que, para que tal aconteça, é necessário que a comunicação resolutiva contenha “os elementos fácticos suficientes que permitam ao destinatário saber o porquê da resolução e essa suficiência deverá ser objecto de uma análise casuística.”

Na segunda parte do aresto, o STJ, considerando que a acção intentada contra o administrador da massa pelos AA., na qualidade de promitentes-compradores de um prédio pertencente à firma que acabou na insolvência, é uma simples acção de apreciação negativa, cujo âmbito “está confinado à mera declaração da existência ou inexistência do direito”, confirmou o julgado pelas instâncias, não admitindo o pedido reconvencional deduzido pelo administrador da massa insolvente, na justa medida em que tal pedido “não constitui mais-valia perante a eventual procedência da defessa que vier a ser deduzida.”

2.

Respeitando a decisão proferida, não podemos deixar de manifestar a nossa total discordância.

Desde logo, não podemos concordar com a qualificação dada à acção intentada pelos AA. contra o administrador da massa insolvente, pretendendo obter a revogação da resolução do contrato-promessa celebrado entre eles e a firma declarada insolvente, levada a cabo por este.

Mas, mesmo que a mesma acção pudesse ser caracterizada como uma acção de simples apreciação negativa, o certo é que não vemos razão alguma para, neste tipo de acções, restringir a defesa do R., não permitindo que o mesmo se possa defender por reconvenção.

Sinopticamente, tentaremos dizer as nossas razões.

Antes, porém, a latere, não podemos deixar de sublinhar que o acórdão sub annotationem não respeitou, como devia, a ordem estabelecida nos artigos 608.º, n.º 1, 663.º, n.º 2, e 679.º, todos do nCPC (correspondentes aos artigos 660, n.º 1, 713.º, n.º2, e 726.º, do CPC revogado), na apreciação das questões contidas nas conclusões, apreciando e decidindo em primeiro lugar a questão do mérito e, só depois, a questão da forma, em nítida infracção aos dispositivos legais citados.

2.1. A questão da resolução.

É sabido que a resolução de um contrato é o meio de extinção do vínculo contratual por declaração unilateral. A mesma encontra-se condicionada por um motivo previsto na lei ou depende de vontade das partes (artigo 432.º do CC).

No artigo 120.º do CIRE estão previstas as condições que permitem ao administrador da massa falida resolver em benefício da massa qualquer contrato celebrado antes da declaração de insolvência.

Naturalmente, podem os contratantes do entretanto declarado insolvente não estarem de acordo com tal posição e daí poderem, em juízo, impugnar tal declaração unilateral do administrador. Para tanto, terão de alegar e provar que não havia razões para a resolução decretada.

2.2. Da qualificação da acção em causa.

O que ficou dito de forma mui sumária a respeito da possibilidade da impugnação da resolução de um qualquer contrato feita pelo administrador da massa falida é o suficiente para podermos, desde já, concluir que a acção proposta pelos AA., interessados na referida impugnação, não é uma simples acção de apreciação negativa, mas sim uma acção de constituição pura e simples.

Na definição dada pelo artigo 10.º, n.º 2, alínea c), do nCPC, dizem-se constitutivas as acções que têm em vista a alteração da ordem jurídica existente.

Ao pretenderam pôr em crise a bondade da resolução do contrato levada a efeito pelo administrador da massa, os AA. contraentes terão de alegar que os motivos invocados por aquele não se verificaram no caso concreto, o que equivale a dizer que, com a referida acção, pretendem eles o estado das coisas antes proclamado por aquela via.

Daí que, como em qualquer outra acção desta natureza, caiba ao A. a prova dos factos constitutivos do direito alegado e ao R. a prova dos factos extintivos, modificativos e extintivos por ele invocados, tudo em perfeita consonância com o preceituado no artigo 342.º, n.ºs 1 e 2, do CC. E, do ponto de vista processual, nada se enxerga que impeça o R., nestes casos de se defender também por via reconvencional.

Competia, pois, ao STJ apreciar e decidir da possibilidade de admissão do pedido reconvencional do ponto de vista formal e, em face de um eventual juízo positivo, ordenar a baixa do processo às instâncias com vista à apreciação do mérito do alegado pelo R./Reconvinte, uma vez que, como dito, as instâncias rejeitaram a sua admissibilidade.

Mas também lhe competia, desde logo, apreciar a factualidade apurada pelas instâncias era de molde a poder decidir de meritis, atenta a prova e a contraprova das partes, tendo em conta as exigências contidas no já citado artigo 120.º do CIRE.

3.

Mas mesmo que assim não seja e a referida acção intentada pelos AA. contra o administrador da massa insolvente se deva classificar como de mera apreciação negativa –facto que só se admite por raciocínio académico –, sempre teremos de dizer que nada impede que, nas acções de simples apreciação negativa, o R. se possa defender por via da reconvenção.

Se bem vemos, o n.º 1 do artigo 343.º do CC é absolutamente desnecessário. Com efeito, do n.º 2 do artigo anterior já resultava isso mesmo – compete ao R., neste tipo de acções, a prova dos factos constitutivos do direito por ele invocado.

É sabido que quem alega tem de provar – regra esta a aplicar tanto à actuação do A., como à do R..

Por norma, cabe ao A. a prova dos factos alegados em apoio do pedido formulado, e ao R. compete provar as excepções deduzidas, ou seja, os factos (melhor: os contra-factos) que integram aquelas, sejam eles impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pela parte contrária.

Ora bem. Colocados perante uma qualquer acção de apreciação negativa, o A., em regra, limita-se a pedir que, face à incerteza provocada pelo R., o tribunal proclame que o direito não pertence a este, mas sim àquele.

Perante a alegação do A. de que o prédio X não pertence ao R., este pode tomar várias atitudes: ou não contesta ou contesta.

Caso não conteste e o A. se tenha limitado a uma pura declaração de intenção do R. de provocar a incerteza do direito, a A. está, em princípio, condenada ao malogro. É que, litigante devidamente avisado, bem podia ele ter, desde logo, alegado os factos constitutivos do direito que diz ser incerto.

Contestando, pode o R. negar pura e simplesmente a vaguidade de factos geralmente apresentada pelo A. neste tipo de acções e também pode (atitude mais frequente) contrariar a versão do A. pela positiva, alegando os factos constitutivos do direito que afirma ser seu.

Ora, se o R. adopta esta segunda atitude, alegando factos constitutivos, cabe-lhe naturalmente a prova dos mesmos: “quem alega tem que provar.”

O que o legislador quis dizer naquele n.º 2 do mencionado artigo 342.º foi simplesmente isto: se, neste tipo de acções, o R. alegar factos (hipótese mais normal) terá de os provar. Naturaliter!

Vistas bem as coisas, não há aqui qualquer inversão do ónus probatório. Este verifica-se, com efeito, nos acanhados casos previstos no artigo 344.º do CC (inversão do ónus da prova). Normativo este que não é para aqui convocado na procura da solução a dar ao caso decidindo.

3.1.

A referência feita no n.º 1 do artigo 342.º do CC relativamente ao ónus de prova dos factos alegados pelo R. (regra que, repete-se, traduz uma mera repetição do já proclamado n.º 1 do artigo anterior) não retira (não pode retirar) ao A. a possibilidade de alegar factos impeditivos, modificativos ou extintivos.

Se, eventualmente o fizer, terá em obediência à regra consagrada naquele n.º 1 do artigo 342.º, de os provar.

E pode fazê-lo ab initio, logo na petição inicial, prevendo a hipótese de o R. não contestar ou de contestar pela afirmativa, alegando factos constitutivos do direito que diz ser seu.

Ora, assim sendo, retira-se sem grande dificuldade a ratio essendi do preceituado no n.º 2 do artigo 584.º do nCPC: perante a alegação, por parte do R., de factos constitutivos do direito que diz ser o seu, pode/deve o A. defender-se por via de impugnação; nada impede, porém, que possa contra-atacar a posição daquele, invocando factos impeditivos ou extintivos daquele mesmo direito.

E, em sede de prova, na 1ª hipótese, ao R. (alegante de factos constitutivos) cabe fazer a sua prova, como o diz expressamente o n.º 1 do artigo 343.º do CC (desnecessariamente, como já reafirmado) e ao A. cabe fazer a contraprova, ut artigo 346.º do CC, no caso de se defender por via de impugnação, ou de fazer a prova dos contra-factos alegados, ut n.º 2 do artigo 342.º do CC.

3.2

Desde que os requisitos sejam respeitados (cfr. artigo 266.º do nCPC, correspondente ao artigo 274.º do CPC revogado), não vemos razão alguma para retirar ao R. a possibilidade de se defender por reconvenção.

O próprio acórdão em causa, contradizendo-se, acaba por reconhecer que “nesta sede de simples apreciação, o âmbito da acção está confinado à mera declaração da existência ou inexistência do direito”.

Perante a pretensão do A. no sentido de o tribunal reconhecer a inexistência no direito na esfera jurídica do R., não visualizamos razão válida para negar a este o direito de defesa, por via reconvencional, ver reconhecido o direito em crise como sendo efectivamente seu, à imagem e semelhança do que acontece, ao cabo e ao resto, com qualquer outro tipo de acção em que, sendo admissível a reconvenção, o R. se situa no âmbito de defesa de contra-ataque.

Perante a pretensão do A., no sentido de o tribunal reconhecer a inexistência no direito na esfera jurídica do R., não há, portanto, razão válida que impeça este de se defender, afirmando, em via reconvencional, a existência desse mesmo direito: à incerteza inicial do A., responde, neste caso, o R. procurando a certeza do que entende ser seu direito.

 

4.

Aqui chegados, importa concluir, dizendo que:

- A acção em que é pedida a revogação da resolução do negócio, levada a cabo por parte do administrador judicial, é uma acção constitutiva, à luz da definição do artigo 10.º, n.º 3, alínea c), do nCPC;

- Mesmo que não fosse – e é – e a acção respectiva fosse de mera declaração negativa, mesmo assim, nada impedia o R. de se defender por via reconvencional, caso se verificasse os respectivos pressupostos;

- Na acção de apreciação negativa, perante a invocação de factos constitutivos alegados pelo R., nada impede que o A. contraponha aos mesmos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado por aquele.

 
URBANO DIAS

Bibliografia (11)


-- Hodges, C., Current discussions on consumer redress: collective redress and ADR, ERA Forum 13 (2012), 11

18/03/2014

Acções de apreciação negativa e ónus da prova






1. O art. 343.º, n.º 1, CC estabelece que, nas acções de apreciação ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga. Supõe-se que se pode dizer que, na jurisprudência, é maioritária a orientação segundo a qual este preceito implica uma inversão do ónus da prova: nas acções de simples apreciação negativa, não cabe ao autor alegar e provar, pela negativa, que o direito ou facto não existe, mas compete ao réu, que vinha arrogando extrajudicialmente a existência desse direito ou facto, alegar e provar pela positiva, tal existência (RC 12/6/2007; RC 19/1/2010; RC 22/3/2011; RL 14/4/2001; RC 24/5/2011; RC 8/11/2011; RC 11/9/2012; RC 16/10/2012 ; RG 4/12/2012; RL 4/7/2013). Supõe-se também que é a atribuição do ónus da prova ao réu que justifica a "fuga para a acção de apreciação negativa" que se detecta em alguma jurisprudência.
 
2. Neste contexto, é especialmente significativo STJ 25/2/2014 (já referido num anterior post numa outra perspectiva). Este acórdão qualificou uma acção de impugnação da resolução de um contrato-promessa em benefício da massa insolvente como sendo uma acção de apreciação negativa. Especialmente interessantes são as consequências que o acórdão retira desta qualificação. Transcreve-se do acórdão (a passagem cita igualmente outra jurisprudência no mesmo sentido):
 
“[…] Se na reconvenção o Réu pretende ver declarada a eficácia da resolução por si efectivada através da carta enviada ao promitente comprador, tal pedido mostra-se inócuo, já que a improcedência da acção de simples apreciação negativa tem essa necessária consequência em termos prático-jurídicos, estando a coberto do caso julgado no que tange a essa constatação, tornando desnecessária qualquer outra providência por parte do Réu, maxime, a instauração pelo seu lado de uma acção de simples apreciação positiva […]” 
 
A orientação do STJ é ainda mais explícita nesta passagem do mesmo acórdão:
 
“Nesta sede da simples apreciação, o âmbito da acção está confinado à mera declaração da existência ou inexistência do direito, pelo que se entende ser redundante a dedução de pedido reconvencional por parte do Réu, pois a mesma não constitui nenhuma mais-valia perante a eventual procedência da defesa que vier a ser deduzida, constituindo esta o contraponto da posição do Autor ao pedir a declaração de inexistência do direito que o Réu se arroga.”   
 
3. Do exposto pode concluir-se que o STJ considera que a atribuição ao réu, nos temos do art. 343.º, n.º 1, CC, do ónus da prova dos factos constitutivos torna inútil a dedução de um pedido reconvencional por esse demandado, dado que o que essa parte vai obter através da prova daqueles factos é o mesmo que poderia conseguir através da procedência desse pedido reconvencional. Quer isto dizer que o STJ entende que a aplicação do art. 343.º, n.º 1, CC conduz a uma consequência que é equivalente à da procedência de um pedido reconvencional. Repare-se que este argumento reversível: se a aplicação do art. 343.º, n.º 1, CC provoca um efeito equivalente ao da procedência de um pedido reconvencional, então cabe perguntar por que razão aquele preceito não é aplicável apenas quando tenha sido deduzido um pedido reconvencional pelo demandado numa acção de apreciação negativa.
Os parâmetros processuais habituais orientam-se pela necessidade de utilizar um meio processual (contestação, alegação, apresentação de prova, interposição de recurso, etc.) para obter a produção um efeito em juízo: sem meio admissível e adequado não há a produção do efeito pretendido. Sendo assim, o STJ só pode impedir o réu de uma acção de apreciação negativa de formular um pedido reconvencional se pressupuser que a atribuição do ónus da prova do facto constitutivo ao réu vale, ela mesma, como uma reconvenção “oculta”. É porque a atribuição desse ónus coloca o réu na posição de reconvinte que esta parte não pode deduzir explicitamente um pedido reconvencional: sem esta coincidência, não se perceberia por que razão aquela atribuição impederia este pedido. Dito de outra forma: o STJ entende que, mesmo sem a dedução explícita deste pedido, o réu torna-se necessariamente reconvinte quando lhe é imposta, não a contraprova ou a prova do contrário dos factos alegados pelo autor, mas a prova de factos constitutivos que também lhe incumbe alegar.
Acresce ainda que esta construção leva a concluir que a improcedência da acção de apreciação negativa só pode ser conseguida através da procedência de uma “contra-acção” baseada num facto constitutivo. Quer dizer: ao impor-se ao réu a prova do facto constitutivo como forma de obstar à procedência da acção de apreciação negativa, não se permite que esta parte se limite a impugnar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos alegados pelo autor e procure obter apenas a improcedência da acção com base na não veracidade desses factos.
Esta verificação tem consequências – talvez inesperadas – que devem ser salientadas. Se a única forma de o réu de uma acção de apreciação negativa obter a improcedência da acção é através da prova do facto constitutivo do direito de que se arroga, então a causa de pedir alegada pelo autor não tem nenhuma relevância, porque, mesmo que o réu impugne os factos alegados pelo autor, ainda assim aquela parte só consegue obter a improcedência da causa se alegar e provar o facto constitutivo do direito de que alega ser titular. Numa palavra, a ser assim, o regime decalca na actualidade as acções de jactância medievais, apoiadas nas fontes romanas (provocatio ex lege diffamari; provocatio ex lege si contendat) (cf. o trecho de Chiovenda no n.º 4).
Pelo exposto, não parece que possa ser este o regime legal e, por isso, não parece que o art. 343.º, n.º 1, CC deva ser o único preceito a regular a distribuição do ónus da prova numa acção de apreciação negativa. A solução reside antes em entender que:
i) O autor tem o ónus de alegar – e, em caso de impugnação pelo réu, provar – os factos impeditivos, modificativos ou extintivos que constituem a causa de pedir do seu pedido de declaração da inexistência de um direito ou facto;
ii) O réu pode limitar-se a impugnar os factos alegados pelo autor e a procurar obter (apenas) a improcedência da causa com base na contraprova ou na prova do contrário daqueles factos;
iii) O réu pode ainda, além de procurar obter a improcedência da causa, pretender obter o reconhecimento do seu direito; nesta hipótese, deve deduzir o respectivo pedido reconvencional, aplicando-se então (mas apenas então) o disposto no art. 343.º, n.º 1, CC.
 
4. Porque o conhecimento dos “clássicos” é sempre importante (até porque, não raramente, se encontra neles o que as gerações seguintes esqueceram), tem interesse conhecer o que, a propósito do ónus da prova nas acções de simples apreciação, escreveu Chiovenda: “Também no que respeita ao ónus da prova, a acção de simples apreciação não difere [...] de qualquer outra acção; o autor é aquele que pede a actuação da lei; e o ónus da prova pertence-lhe, de acordo com as regras gerais. Isto é mais claro na acção de apreciação positiva. Mas é igualmente verdade na negativa: nesta última, ele deverá provar a inexistência de uma vontade da lei, sem que se possa distinguir, como alguém faz, entre o caso em que se negue que um direito jamais tenha nascido, no qual a prova dos factos constitutivos incumbirá ao réu, e o caso no qual se negue que exista actualmente, no qual o autor da declaração deverá provar os factos extintivos. Neste ponto deve acentuar-se a diferença fundamental entre a acção de apreciação e os juízos de jactância. E reincide-se em todos os inconvenientes da coacção a agir (nemo invitus agere cogatur), quando se dá ao autor da acção de apreciação negativa o tratamento de que gozaria se fosse réu. É suficiente benefício, para o autor, poder obter do processo, por sua própria iniciativa, a certeza jurídica, sem que seja preciso agravar a posição do réu, constrangendo-o a uma prova para a qual forçosamente não está preparado” (N. Dig. It. II (1937), 131 s.).
 
MTS

17/03/2014

Acções de apreciação negativa: o que são e o que não podem ser




1. A acção de apreciação tem uma definição legal: de acordo com o disposto no art. 10.º, n.º 3, al. a), nCPC, a acção de apreciação é aquela que tem por fim obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto: no primeiro caso, a acção é de apreciação positiva, no segundo, de apreciação negativa. O Code de procédure civile de 1806 consagrava um processo destinado à "Vérification des Écritures" (documentos particulares), mas foi a Zivilprozessordnung de 1877 que veio consagrar, num plano mais geral, uma acção destinada à declaração da existência ou inexistência de uma relação jurídica. Na sistemática do art. 10.º, n.º 1 e 3, nCPC, as acções de apreciação incluem-se nas acções declarativas, a par das acções condenatórias e das acções constitutivas.
Dois recentes acórdãos do STJ parece afastarem-se da referida definição legal de acção de apreciação negativa:
-- STJ 14/11/2013, onde se entendeu que a acção inibitória do uso ou recomendação de uma cláusula contratual geral "assume a feição de declaração negativa" (nomeadamente, para efeitos de distribuição do ónus da prova e de aplicação do disposto no art. 343.º, n.º 1, CC);
-- STJ 25/2/2014, no qual se qualifica uma acção de impugnação da resolução de um contrato-promessa em benefício da massa falida como uma acção de apreciação negativa. 
Salvo melhor opinião, nem a acção inibitória do uso ou recomendação de uma cláusula contratual geral, nem a acção de impugnação da resolução de um negócio jurídico podem ser qualificadas como acções de simples apreciação negativa.

2. A tutela inibitória e as correspondentes Unterlassungsklagen e azioni inibitorie são estudadas, há muito, pela doutrina (e continua a ser muito discutida a natureza -- processual ou substantiva -- das acções inibitórias que não têm como causa de pedir um direito contratual à omissão). De acordo com uma autora italiana que se ocupou com bastante profundidade da matéria, "a tutela inibitória permite obter uma decisão do juiz que impõe a cessação de uma conduta ilícita. A decisão judicial poderá conter a imposição de uma obrigação de fazer ou de não fazer, dependendo de que a conduta ilícita seja, por sua vez, de carácter omissivo ou comissivo" (Rapisarda Sassoon, Dig. Disc. Privat./Sez. civ. 9 (1993), 475). Sobre a natureza da tutela inibitória, conclui a mesma autora -- no âmbito de um entendimento perfeitamente pacífico -- que "a inibitória encontra a sua colocação natural entre as acções de conhecimento como condenação preventiva" (Rapisarda Sassoon, Dig. Disc. Privat./Sez. civ. 9 (1993), 486).
Sendo assim, não parece que uma acção inibitória -- seja ela respeitante à tutela de direitos da personalidade, de direitos reais ou de interesses difusos -- possa merecer outra qualificação que não a de acção condenatória. Fora de causa parece estar, portanto, a aplicação numa acção inibitória do regime específico (qualquer que ele seja) da distribuição do ónus da prova nas acções de apreciação negativa (cf. art. 343.º, n.º 1, CC), não podendo incumbir ao demandado naquela acção provar mais do que é exigível numa qualquer acção condenatória (e, correspondentemente, não podendo caber ao demandante provar menos do que em qualquer outra acção condenatória). Aliás, a qualificação também não é nada irrelevante sob um outro ponto de vista: só qualificando a acção inibitória como uma acção condenatória é possível que dela resulte um título executivo destinado a permitir a execução da obrigação de fazer ou de não fazer imposta ao demandado condenado.


3. A tutela impugnatória (se se pretender manter o paralelismo linguístico com a tutela inibitória) tem uma expressão relevante na ordem jurídica. Basta pensar na acção de impugnação da paternidade ou maternidade, na acção de impugnação da perfilhação, na acção de impugnação de um despedimento, na acção de impugnação de uma deliberação social ou, pelo menos em parte, na acção de impugnação pauliana.
A tutela impugnatória é realizada através de uma acção constitutiva, ou seja, através de uma acção que tem por finalidade introduzir uma mudança na ordem jurídica existente (cf. art. 10.º, n.º 3, al. c), nCPC) e na qual o demandante exerce um poder (normalmente, um direito potestativo). Há, aliás, entre os direitos potestativos e as acções constitutivas uma relação dogmática interessante: primeiro, Sekel descobriu (em 1911) os direitos potestativos (Gestaltungsrechte); só depois se descobriu que a esses direitos não correspondiam as vulgares acções condenatórias, mas antes uma diferente espécie de acções de que até então só havia um conhecimento algo difuso: as acções (agora baptizadas como) constitutivas (Gestaltungsklagen).
Neste enquadramento, parece difícil deixar de qualificar a acção destinada a impugnar a resolução de um contrato-promessa em benefício da massa falida como uma acção constitutiva, ou seja, como uma acção que modifica um "estado de coisas". Antes da impugnação da resolução, o contrato-promessa não tem de ser cumprido, pois que se encontra resolvido em benefício da massa insolvente; depois dessa impugnação, o contrato-promessa passa a ter de ser cumprido como se nunca tivesse sido resolvido. Aliás, não há naquela conclusão nada de novo. Já Chiovenda incluía nas azioni d'impugnativa as acções de rescisão ou de resolução, concluindo que estas "conduzem certamente a sentenças constitutivas" (Principii di diritto processuale civile (1928), 193). Permanecendo nas fontes doutrinárias, pode referir-se que também Rosenberg inclui as acções de impugnação (Anfechtungsklagen) entre as acções constitutivas (Lehrbuch des Deutschen Zivilprozessrechts (1927), 235).
Pode efectivamente dizer-se que a acção de impugnação da resolução visa pôr termo a uma incerteza objectiva, mas não parece que este critério possa ser utilizado para qualificar essa acção como uma acção de apreciação negativa, dado que o mesmo justificaria a atribuição desta qualificação a qualquer outra acção. Acresce que a referida acção de impugnação só dissipa a aludida incerteza como consequência da resolução do acto, ou seja, através do efeito constitutivo que se produz através da decisão proferida na acção. É também por isso que se pode concluir que a referida acção de impugnação é uma acção constitutiva. 


MTS

16/03/2014

Paper (9)


-- Salvador da Costa, Os Círculos Judiciais, o Tribunal Coletivo, o Juiz de Círculo e a Competência para o Julgamento Atual da Matéria de Facto nos Embargos de Executado com Valor Superior ao da Alçada da Relação (03.2014)

 

14/03/2014

Tutela colectiva na Suíça



-- Exercice collectif des droits en Suisse: état des lieux et perspectives / Rapport du Conseil fédéral (Berne, le 3 juillet 2013)

13/03/2014

Aplicação no tempo do nCPC; conflito negativo de competência


O Presidente da RP pronunciou-se, em decisão de 9/12/2013, sobre a aplicação no tempo do art. 605.º, n.º 3 e 4, nCPC nos seguintes termos: 
 
"Ponderando que as promoções e transferências resultantes do movimento judicial de Setembro de 2013 são factos anteriores à entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, referentes à constituição do tribunal, parece razoável aceitar que as decisões de direito nos processos em que a matéria de facto já foi decidida, pendentes até 31 de Agosto de 2013, sejam proferidas pelo novo juiz que foi colocado no tribunal."

MTS

 

Responsabilidade civil do mandatário judicial e perda de chance (2)


À anterior mensagem sobre o tema da responsabilidade civil do mandatário judicial importa acrescentar o muito recente acórdão do STJ de 6/3/2014, cujo sumário é o seguinte:
 
"I - No cumprimento do mandato forense, o advogado não se obriga a conseguir um determinado resultado, mas tão só a utilizar diligentemente os seus conhecimentos e experiência, segundo as regras de arte, para que tal resultado se obtenha; a obrigação que assume é de meios, não de resultado.
II - Para se demonstrar o incumprimento dessa obrigação, não basta alegar a perda da acção que o advogado patrocinou: é necessário provar que este não realizou os actos em que normalmente se traduziria um patrocínio diligente, de acordo com as normas deontológicas aplicáveis.
III - É admitida a ressarcibilidade do dano da perda de chance ou de oportunidade, que pressupõe: a possibilidade real de se alcançar um determinado resultado positivo, mas de verificação incerta; e um comportamento de terceiro, susceptível de gerar a sua responsabilidade, que elimine de forma definitiva a possibilidade de esse resultado se vir a produzir."
 
MTS