"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



30/04/2014

Pactos de jurisdição e swaps: demasiado "nacionalismo" e pouco "europeísmo"? (2)



1. Em complemento da mensagem anterior sobre o tema e atendendo ao interesse que a mesma despertou, importa verificar em que condições é que o carácter exclusivo do regime constante do art. 23.º Reg. 44/2001 na apreciação da validade da convenção de competência se mantém quando esta consta de uma cláusula contratual geral.

O que se tem entendido é o seguinte:

– Se a cláusula contratual geral estiver contida num contrato celebrado com um consumidor, o art. 67.º Reg. 44/2001 impõe a consideração do disposto na Direct. 93/3/CEE, de 5/4/1993; nos termos do art. 3.º, n.º 3, Direct. 93/13/CE e do n.º 1, al. q), Anexo Direct. 93/13/CEE, pode ser abusiva a cláusula que suprima ou entrave a possibilidade de intentar acções judiciais ou seguir outras vias de recurso por parte do consumidor; salienta-se na doutrina, no entanto, que esta possibilidade de controlo não tem sentido prático, dado que é o próprio art. 23.º, n.º 5, Reg. 44/2001 e a respectiva remissão para o disposto no art. 17.º Reg. 44/2001 que determinam o modo como o consumidor é protegido no âmbito do Reg. 44/2001: essa protecção é conseguida através do disposto no art. 17.º Reg. 44/2001, que estabelece em que condições uma convenção de competência celebrada por um consumidor é válida e que “exclui convenções de competência em desfavor do consumidor”, constem elas de uma cláusula negociada ou de uma cláusula contratual geral (Cf. Kropholler/von Hein, Europäisches Zivilprozessrecht, 9.ª ed. (2011), Art. 23 EuGVO 20; Brüssel I Verordnung/unalex Kommentar (2012)/Hausmann, Art. 23 22; no entanto, é referido Heinig, Grenzen von Gerichtsstandsvereinbarungen im Europäischen Zivilprozessrecht (2010), 317 ss. e 334 ss., como entendendo que a aplicação do Reg. 44/2001 não afasta que o consumidor também deva ser protegido pelos padrões mínimos impostos pela Direct. 93/13/CEE); 

– Se a cláusula contratual geral constar de um contrato celebrado com um empresário ou uma entidade equiparada, não há nenhuma disposição de direito europeu especial que deva ser respeitada nos termos do art. 67.º Reg. 44/2001, pelo que, neste caso, a validade da convenção de competência contida na cláusula é aferida exclusivamente pelo disposto no art. 23.º Reg. 44/2001.


2. Resta retirar as consequências do exposto para uma convenção de competência que consta de uma cláusula contratual geral contida num contrato celebrado em Portugal:

– Se a cláusula contratual geral constar de um contrato celebrado com um consumidor, há que dar prevalência ao direito europeu, mas a aplicação do disposto nos art. 19.º, al. g), e 20.º LCCG (diploma que transpôs a Direct. 93/13/CEE) é consumida pela aplicação do art. 17.º Reg. 44/2001; o que realmente se verifica é que a aplicação de direito europeu (Direct. 93/13/CEE) é afastada por outro direito europeu (art. 17.º Reg. 44/2001);

– Se a cláusula contratual geral constar de um contrato celebrado com um empresário ou uma entidade equiparada, não se aplica a Direct. 93/13/CEE (porque não está envolvido nenhum consumidor) e também não se pode aplicar o estabelecido no art. 19.º, al. h), LCCG (porque é puro direito interno, não imposto por direito europeu, e, por isso mesmo, insusceptível de prevalecer sobre o art. 23.º Reg. 44/2001); dito pela positiva: a validade de uma convenção de competência que consta de uma cláusula contratual geral num contrato celebrado com um empresário ou entidade equiparada é analisada exclusivamente segundo o disposto no art. 23.º Reg. 44/2001 (ou, a partir de 10/1/2015, no art. 25.º Reg. 1215/2012).


MTS

Jurisprudência europeia (TJ) (6)


1. O TJ 30/4/2014 (C-280/13, Barclays Bank/Sánchez García et al.) decidiu que:

"A Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, e os princípios do direito da União de defesa do consumidor e do equilíbrio contratual devem ser interpretados no sentido de que estão excluídas do seu âmbito de aplicação disposições legislativas e regulamentares de um Estado‑Membro, como as que estão em causa no processo principal, na falta de uma cláusula contratual que altere o seu alcance ou o seu âmbito de aplicação."

O TJ responde ao seguinte:

"28. Com as suas quatro questões, que devem ser analisadas conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 93/13 e os princípios do direito da União de defesa do consumidor e do equilíbrio contratual devem ser interpretados no sentido de que se opõem às disposições legislativas e regulamentares de um Estado‑Membro, como as que estão em causa no processo principal, que, por um lado, preveem que, independentemente da adjudicação de um imóvel hipotecado cujo valor de avaliação é superior à totalidade do crédito garantido por um montante igual a 50% desse valor ao credor hipotecário, na falta de um terceiro licitante, esse credor possa prosseguir a execução coerciva do título de crédito pelo montante correspondente ao saldo remanescente e, por outro, permitem a extensão das garantias do referido credor, em caso de desvalorização de 20% do valor de avaliação do imóvel hipotecado, sem prever a possibilidade de uma revisão em alta dessa avaliação, a favor do devedor."

2. No essencial, o que se decidiu neste importante acórdão é que, sem uma cláusula contratual devidamente celebrada entre o profissional (no caso concreto, o banco) e o consumidor, não é possível aplicar um regime legal (in casu, o espanhol) segundo o qual, se, numa execução hipotecária, não aparecer nenhum outro licitante, o exequente pode (i) arrematar o bem hipotecado se oferecer um montante superior a 50% do valor fixado na avaliação e (ii) impor ao executado a continuação da execução para pagamento do remanescente não satisfeito do crédito exequendo. 

MTS 
  

Bibliografia (16)


-- Pinto, R., Notas ao Código de Processo Civil (Coimbra: Coimbra Editora 2014)

Paper (18)


-- Mullenix, L. S., Competing Values: Preserving Litigant Autonomy in an Age of Collective Redress (04.2014)

29/04/2014

Acidentes de viação e competência dos tribunais administrativos


O TConf 27/3/2014 decidiu que os tribunais administrativos são competentes, materialmente, para julgar uma acção em que a causa de pedir e o pedido se fundam na responsabilidade civil extracontratual da concessionária de uma auto-estrada por incumprimento dos deveres resultantes do contrato de concessão celebrado com o Estado (cf., a este propósito, artigo 1.º, n.° 5, da Lei 67/2007, de 31.12).
Esta orientação não deixa de levantar algumas questões. Se o Autor pretender o ressarcimento de danos provenientes de uma colisão de veículos e alegar que esta ocorreu devido a excesso de velocidade de um dos veículos e a óleo derramado na auto-estrada, terá de demandar a seguradora do Réu num tribunal judicial e a concessionária no tribunal administrativo? Discute-se a mesma factualidade em tribunais distintos? Como se a acautela a hipótese de eventual “concorrência de culpas”?

Maria José Capelo

Legislação europeia (Processo Civil Europeu) (1)


-- RELATÓRIO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO E AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU sobre a aplicação do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.º 1347/2000 (COM(2014) 225 final, de 15/4/2014)


 

28/04/2014

Jurisprudência (10)


1. É o seguinte o sumário de RL 27/3/2014:


"I – Nos termos da Nova Convenção de Lugano, ou Lugano II, relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, a declaração de executoriedade da decisão proferida pelo tribunal de um outro estado vinculado à Convenção será recusada ou revogada se o ato que iniciou a instância ou ato equivalente não tiver sido comunicado ou notificado ao requerido revel, em tempo útil e de modo a permitir-lhe a defesa, a menos que o requerido não tenha interposto recurso contra a decisão, embora tivesse possibilidade de o fazer.
 
II – Tendo sido certificado pelo tribunal que proferiu a decisão exequenda que a apelante foi citada para a ação em que tal sentença foi proferida, cabia à apelante apresentar prova demonstrativa de que tal citação não ocorrera.
 
III – A Nova Convenção de Lugano não prevê nenhuma cláusula de reciprocidade na aplicação das regras internas de processo civil entre os estados vinculados,
nomeadamente no que concerne à fixação dos prazos de defesa, pelo que é irrelevante que o Código de Processo Civil português preveja uma dilação de 30 dias na contagem do prazo da defesa quando o réu seja citado para a causa no estrangeiro e tal dilação não tenha sido concedida pelo tribunal islandês que requereu a citação da ré em Portugal.

IV - A Convenção tão só exige, para que a decisão proferida num estado vinculado seja reconhecida e executada num outro estado vinculado, que o demandado tenha sido citado ou notificado em tempo útil e de modo a ser-lhe permitida a defesa.
 
V - O prazo concedido à demandada, 30 dias, para responder à ação contra si proposta em tribunal islandês, era suficiente para a demandada transmitir ao tribunal acionado a sua posição face ao litígio, nomeadamente para dar notícia ao tribunal das suas eventuais dificuldades na preparação da sua defesa, não tendo justificação nem merecendo cobertura à luz da Convenção ou de quaisquer razões de “ordem pública processual” a posição de mera inatividade a que a demandada se remeteu.
 
VI – Será recusada a executoriedade de sentença que tenha como objeto principal a apreciação da validade de inscrições em registos públicos conservados em estado diverso do tribunal que a proferiu.
 
VII – Não se integra na situação prevista em VI a sentença que se ocupou do pedido de condenação da demandada no pagamento à demandante de quantias devidas em cumprimento de contratos de licenciamento entre a demandante e a demandada, nos termos dos quais a demandante autorizara a demandada a explorar determinados
medicamentos, para o efeito fornecendo à demandada os elementos indispensáveis à obtenção das autorizações públicas necessárias à introdução no mercado desses medicamentos, mediante etapas cujo preenchimento teria como contrapartida pagamentos que a demandada faria à demandante."


2. O acórdão tomou, quanto às duas questões em apreciação -- a inexistência de fundamento para recusar o exequatur à decisão islandesa e a não competência exclusiva dos tribunais portugueses para a apreciação da acção --, a decisão que parece correcta. Em complemento, talvez se deva apenas acentuar a necessidade de todos os chamados operadores judiciários terem em devida conta as regras do cada vez mais abrangente processo civil europeu.

MTS

26/04/2014

Pactos de jurisdição e swaps: demasiado “nacionalismo” e pouco “europeísmo”?


 
1. Foi amplamente noticiado na comunicação social que, por acórdão proferido em 10/4/2014, a RL considerou nula uma convenção de competência (ou um pacto de jurisdição) constante de um contrato de swap celebrado entre uma empresa e um banco e segundo a qual os litígios que pudessem emergir do cumprimento do contrato teriam de ser decididos nos tribunais ingleses. De acordo com o relato feito na comunicação social, a RL entendeu que “a validade de uma cláusula que elege um foro como sendo o competente para dirimir um litígio tem que ser analisada à luz dos inconvenientes que a mesma envolve para os potenciais aderentes", tendo sido nesta base que a considerou nula.

2. Dando crédito ao que foi referido na comunicação social, o acórdão da RL não seguiu a orientação do TJ na matéria em causa e defendeu uma posição que é contrariada pela doutrina que se pronunciou sobre o tema.

Tendo a convenção de competência sido celebrada por pessoas com domicílio na União Europeia e tendo sido designado como competente o tribunal de um Estado-membro (em concreto, o tribunal de Londres), há que aplicar à análise da validade da referida convenção o disposto no art. 23.º Reg. 44/2001 (que sucedeu ao semelhante art. 17.º CBrux).

Acontece que sobre o carácter exclusivo da aplicação do art. 23.º Reg. 44/2001 (ou do art. 17.º CBrux) na análise da validade dos pactos de jurisdição existe não só uma importante jurisprudência do TJ, como também uma numerosa doutrina. Foi precisamente tudo isto que, aparentemente, o acórdão da RL contrariou.

3. Começando pela jurisprudência do TJ, importa considerar o que foi referido em TJ 16/3/1999 (C-159/97, Castelletti/Trumpy), n.º 50 ss., ainda sobre o art. 17.º CBrux:

“50. Resulta do exposto que a escolha do tribunal designado só pode ser apreciada à luz de considerações ligadas às exigências estabelecidas pelo artigo 17.°
51. Foi por estas razões que o Tribunal de Justiça concluiu em várias ocasiões que o artigo 17.° da convenção abstrai de qualquer elemento objectivo de conexão entre a relação controvertida e o tribunal designado (acórdãos de 17 de Janeiro de 1980, Zelger, 56/79, Recueil, p. 89, n.° 4; MSG [C-106/95], já referido, n.° 34; e Benincasa [C-269/95], já referido, n.° 28).
52. Deve, por consequência, responder-se às terceira, sétima e sexta questões que o artigo 17.°, primeiro parágrafo, segunda frase, terceira hipótese, da convenção deve ser interpretado no sentido de que a escolha do tribunal designado numa cláusula atributiva de jurisdição só pode ser apreciada à luz de considerações ligadas às exigências estabelecidas pelo artigo 17.° da convenção. São estranhas a estas exigências quaisquer considerações relativas aos elementos de conexão entre o tribunal designado e a relação controvertida, ao mérito da causa e às normas substantivas em matéria de responsabilidade aplicáveis no tribunal escolhido."


A orientação do TJ é bastante clara: (i) os requisitos de validade da convenção de competência só podem ser aqueles que constam do art. 17.º CBrux (agora do art. 23.º Reg. 44/2001 e, a partir de 10/1/2015, do art. 25.º Reg. 1215/2012), pelo que o direito dos Estados-membros não pode acrescentar outros requisitos de validade a essa convenção; (ii) para que a escolha do tribunal seja válida não é necessário que exista uma qualquer conexão entre o objecto do litígio e o tribunal designado. Quando o acórdão da RL for conhecido, haverá que analisar que relevância é que o mesmo deu à jurisprudência do TJ e com que fundamentos afastou a sua aplicação no caso concreto.

Um outro aspecto que suscita curiosidade é o de averiguar se a RL ponderou suscitar a apreciação prejudicial do TJ. Recorde-se o regime relevante: “Sempre que uma questão desta natureza [isto é, respeitante à interpretação dos Tratados ou à validade ou interpretação dos actos adoptados pelas Instituições, órgãos ou organismos da União] seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre ela” (art. 267.º, § 2.º, TFUE). Só em função do texto do acórdão será possível verificar se a RL avaliou solicitar a apreciação prejudicial do TJ e, em caso afirmativo, quais os motivos que foram determinantes para que não o fizesse.

4. Como se referiu, a orientação seguida pela RL é contrária à generalidade da doutrina que se pronunciou sobre a questão da validade dos pactos de jurisdição abrangidos pelo art. 17.º CBrux / 23.º Reg. 44/2001.

Começando pelo comentário de referência ao Reg. 44/2001, nele afirma-se, sobre a matéria em análise, o seguinte:

No seu campo de aplicação, o art. 23.º decide exclusivamente [realce no original] sobre a admissibilidade, a forma e os efeitos de uma convenção de competência. Por isso, a escolha do tribunal designado só pode ser apreciada com base em considerações que estejam em conexão com os requisitos do art. 23.º. […] O preceito renuncia a exigir qualquer conexão objectiva entre o tribunal escolhido e o objecto do litígio. Não importam as considerações nem sobre as relações entre o tribunal acordado e o objecto litigioso, nem sobre a adequação da cláusula de escolha do foro, nem sobre o direito material em vigor no tribunal escolhido” (Kropholler/von Hein, Europäisches Zivilprozessrecht, 9.ª ed. (2011), Art. 23 EuGVO 17).

A mesma orientação encontra-se em muita outra doutrina. A título de exemplo pode ser referida a seguinte:

– “Within the boundaries of the Regulation the parties are free to choose any court they wish. Art. 23 does not require any objective connection between the chosen court and the parties of their dispute. The choice of a “neutral” forum with no connection at all to the dispute is perfectly valid – for instance London jurisdiction for parties domiciled in France or Germany – and might provide the very advantage the parties have intended by their choice” (Magnus/Mankowski, Brussels I Regulation, 2.ª ed. (2012)/Magnus, Art. 23 47);

-- Il n’est pas nécessaire que les parties choisissent un tribunal ayant un lien quelconque avec l’affaire : cette solution, reçue en droit international privé français commun, a été formellement consacré pour la Cour de Justice dans l’arrêt Zelger […] qui, au point nº 4, déclare que l’article 17 [da CBrux] «(…) fait abstraction de tout élément objectif de connexité entre le rapport litigieux et le tribunal désigné». Cette solution a l’avantage de permettre  aux parties de choisir un tribunal «neutre» par rapport à leurs intérêts respectifs(Gaudemet-Tallon, Compétence et exécutions des jugements en Europe, 4.ª ed. (2010), 140);

- “O Regulamento Bruxelas I visa, no seu campo de aplicação, uma regulamentação unitária e completa [realce no original] da competência internacional. Isto também vale especificamente para a admissibilidade das convenções de competência, pois que só desta forma é possível assegurar os interesses das partes numa regulação previsível da competência. Inaplicáveis, em especial, são, por isso, no quadro do art. 23.º, as múltiplas regras internas que – de forma directa ou indirecta – contêm pressupostos de eficácia suplementares para as convenções de competência” (Brüssel I-Verordnung/unalex Kommentar (2012)/Hausmann, Art. 23 24); 

-- “O art. 23.º regula completamente a admissibilidade da convenção de competência no Processo Civil Europeu” (Hess, Europäisches Zivilprozessrecht (2010), 313);

-- Na doutrina portuguesa, cf., no mesmo sentido, S. Henriques, Os Pactos de Jurisdição no Regulamento (CE) n.º 44 de 2001 (2006), 81 s.

5. Só o conhecimento do texto do acórdão da RL permitirá confirmar se as observações agora feitas são realmente ajustadas ao seu conteúdo. Num certo sentido, era até desejável que assim não sucedesse: seria sinal de que o “europeísmo” tinha realmente prevalecido sobre o “nacionalismo”. 


MTS

24/04/2014

Jurisprudência europeia (TJ) (5)


-- TJ 10/4/2014 (C‑511/12, Macedo Maia et al./Fundo de Garantia Salarial):

"A Diretiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de outubro de 1980, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, conforme alterada pela Diretiva 2002/74/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de setembro de 2002, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que não garante os créditos salariais vencidos mais de seis meses antes da propositura da ação de insolvência do empregador, mesmo quando os trabalhadores tenham proposto, antes do início desse período, uma ação judicial contra o seu empregador com vista à fixação do valor desses créditos e à sua cobrança coerciva."


23/04/2014

Prova por declarações de parte; relações jurídicas indisponíveis



1. O sumário de RL 10/4/2014 é o seguinte:

"I. O Código de Processo Civil de 2013, que entrou em vigor no dia 01.09.2013, introduziu com um carácter inovador, ao lado da prova por confissão, a figura da prova por declarações de parte, que, todavia, não pode ser requerida pela parte contrária, nem pode ser ordenada oficiosamente. 
II. Sendo o novo Código de Processo Civil imediatamente aplicável às acções declarativas pendentes, por força do artigo 5.º, n.º 1, da Lei nº 41/2013, de 26/6, pode este novo meio de prova ser requerido durante a audiência de julgamento, no decurso da produção de prova.
III. Mesmo estando em causa uma acção em que se discutem direitos indisponíveis, não pode ser rejeitado o requerimento para declarações de parte, com fundamento na sua inutilidade, por ser susceptível de levar a uma eventual confissão de factos, posto que, neste caso, tal meio de prova é ineficaz para produzir confissão, já que esta nunca poderia ser valorada com os inerentes efeitos de irretratabilidade e força probatória plena."

2. O art. 466.º, n.º 1, nCPC estabelece que "as partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo". O n.º 3 do mesmo preceito fixa o valor probatório deste meio de prova: "O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão".

O acórdão em análise teve de decidir se, numa acção de divórcio, é admissível a utilização da prova por declarações da parte. Como se está no domínio de uma relação jurídica indisponível e, por isso, como das declarações da parte nunca pode vir a resultar uma confissão (cf. art. 354.º, al. b), CC), poder.se-ia concluir que, como nunca é possível vir a atribuir um dos valores probatórios que a lei, em abstracto, fixa para esse meio de prova, a prova por declarações da parte não pode ser admitida numa acção sobre direitos indisponíveis

O acórdão entendeu diferentemente -- e bem. Da circunstância de o meio de prova não poder vir a ter o valor probatório da confissão não se segue que ele não possa ser avaliado livremente. Isto é, se não é possível atribuir ao meio de prova qualquer dos valores probatórios que a lei, em abstracto, lhe fixa, é possível atribuir-lhe, pelo menos, um desses valores. 

Alíás, a solução está em consonância com o disposto no art. 361.º CC: "O reconhecimento de factos desfavoráveis, que não possa valer como confissão, vale como elemento probatório que o tribunal apreciará livremente". É precisamente o que deve valer para o lugar paralelo da prova por declarações da parte.

3. Num obiter dictum e como consta do sumário, afirma-se no acórdão que a prova por declarações da parte não pode ser determinada oficiosamente pelo tribunal. É discutível que assim seja: o art. 466.º, n.º 2, nCPC remete para "o estabelecido na secção anterior", isto é, para o regime da prova por confissão das partes. No âmbito deste regime, o art. 452.º, n.º 1, nCPC permite que o juiz determine, em qualquer estado do processo, a comparência pessoal das partes para a prestação de depoimento. Parece assim que a remissão realizada pelo art. 466.º, n.º 2, nCPC para a secção anterior abrange o disposto no art. 452.º, n.º 1, nCPC e que, por isso, o tribunal pode ordenar a prestação de declarações pela parte. Aliás, a solução corresponde ao que tem sido praticado em alguns tribunais.

MTS


Legislação (2)


-- Regulamento do Fundo de Garantia dos Agentes de Execução, DR 2.ª S, de 23/4/2014

22/04/2014

Défices legislativos na área do processo civil




1. Pode parecer estranho que, pouco tempo depois da entrada em vigor do nCPC, se fale de défices legislativos na área do processo civil. A verdade é que eles existem em duas áreas com importância prática.


2. A primeira dessas áreas é a do procedimento de injunção e da acção declarativa especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias, ambos regulados pelo regime anexo ao DL 269/98, de 1/9 (RPOP). Neste domínio, seria desejável, além do mais:

– O alinhamento do regime interno da injunção com o regime da injunção para pagamento europeia regulada pelo Reg. 1896/2006; são muitos os aspectos em que o regime interno poderia lucrar com uma aproximação ao regime europeu, nomeadamente no que respeita às garantias de notificação do requerido e aos fundamentos de reapreciação em casos excepcionais;

– O esclarecimento de várias dúvidas que se levantam no âmbito da audiência final da acção declarativa especial e que decorrem de uma pouco salutar desarmonia com o regime do nCPC; é o que se verifica quanto à necessidade de requerer a gravação da audiência (art. 3.º, n.º 3, RPOP), quanto ao limite do número de testemunhas por cada facto (art. 3.º, n.º 5, RPOP) e quanto aos fundamentos de adiamento da audiência (art. 4.º, n.º 1, RPOP).


3. Se, no caso anterior, se pode falar de uma axiological gap, há uma área em que existem verdadeiras lacunas na ordem jurídica portuguesa: essa área é aquela que respeita ao Processo Civil Europeu. A primeira coisa que talvez importe frisar é que os Regulamentos europeus que são fonte do Processo Civil Europeu são automaticamente aplicáveis na ordem interna dos Estados-membros, mas isso não significa que eles sejam auto-suficientes e que não possam (ou devam) ser completados com regras internas daqueles Estados.

A experiência de outras ordens jurídicas demonstra-o claramente. Alguns Estados-membros optam por elaborar regimes de adaptação aos regulamentos europeus (na Alemanha, cada novo Regulamento passou a originar uma nova secção no Livro 11 da ZPO, cuja epígrafe é “Cooperação judiciária na União Europeia”); no Reino Unido tem sido comum incorporar os Regulamentos europeus em legislação interna, integrando, com regras próprias, as suas lacunas.

As necessidades de regulamentação são naturalmente muito distintas em cada um dos Estados-membros, porque estão dependentes dos respectivos regimes internos. Por vezes, pode ser suficiente codificar as comunicações que os Estados-membros podem fazer sobre a aplicação dos Regulamentos europeus. Por exemplo: o art. 13.º, n.º 2, Reg. 1393/2007 permite que qualquer Estado-membro declare que se opõe à citação ou notificação no seu território por agentes diplomáticos ou consulares, excepto se o acto tiver de ser citado ou notificado a um nacional do Estado-membro de origem. A codificação da comunicação tem, pelo menos, a vantagem de garantir o seu fácil conhecimento.

Mas, muito frequentemente, é necessária uma regulamentação expressa para completar o regime europeu. Apenas três exemplos: (i) o art. 17.º, n.º 1, Reg. 1896/2006, estabelece que, se houver oposição à injunção de pagamento europeia, a acção prossegue nos tribunais do Estado-membro, de acordo com as normas do processo civil comum; com referência à ordem jurídica portuguesa impõe-se definir, para além de possíveis problemas de competência, se a acção segue a forma do processo declarativo comum ou pode seguir a forma da acção declarativa especial; (ii) o art. 5.º, n.º 7, Reg. 861/2007 dispõe que, se o pedido reconvencional for superior a € 2.000, a acção de pequeno montante e a reconvenção devem ser tratados nos termos do direito processual aplicável no Estado-membro da tramitação do processo; impõe-se definir em Portugal esses termos; (iii) os art. 50.º e 51.º Reg. 1215/2012 (Bruxelas I a) regulam os recursos no procedimento de recusa de execução (exequatur); importa saber se o recurso é admissível, sem limitações, até ao STJ ou se esse recurso fica sujeito às regras do direito interno (nomeadamente, quanto ao valor da causa e à dupla conforme).

A lacuna existe (naturalmente, numa dimensão muito maior do que o aqui referido) e impõe-se que seja preenchida. O menos importante é a forma como tal pode ser conseguido: através da incorporação no nCPC ou através de uma lei extravagante.


MTS