"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



30/06/2015

Informação (68)


O decreto legge n. 83/2015 introduziu algumas alterações no processo executivo italiano. Para uma análise dessas modificações clicar em Studio Cataldi.



Legislação (25)


-- Aviso 47/2015, de 30/6 :Torna público que a República da Colômbia aderiu em conformidade com o artigo 31.º, à Convenção Relativa à Citação e Notificação no Estrangeiro de Atos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil e Comercial, adotada na Haia, a 15 de novembro de 1965

-- Aviso 48/2015, de 30/6: Torna público que o Reino da Suécia comunicou a alteração da sua autoridade em conformidade com o artigo 31.º, à Convenção Relativa à Citação e Notificação no Estrangeiro de Atos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil e Comercial, adotada na Haia, a 15 de novembro de 1965.


Jurisprudência (161)


Investigação da paternidade; prazo de caducidade


I. É o seguinte o sumário de STJ 28/5/2015 (2615/11.2TBBCL.G2.S1)

1. Transitada em julgado a decisão que negou o juízo de inconstitucionalidade relativamente à norma do n.º 1 do art. 1817.º do CC, na sua actual redacção (em conexão com a norma do art. 1873.º, respeitante ao prazo geral de caducidade da acção de investigação da paternidade) e prosseguindo a acção exclusivamente para apreciação da caducidade em função do decurso ou não do prazo adicional de 3 anos previsto no art. 1817.º, n.º 3, al. c) (conhecimento de factos supervenientes que justifiquem a propositura da acção), está precludida a possibilidade de ser retomada a questão da inconstitucionalidade daquele primeiro normativo, ainda que com invocação de outro fundamento jurídico.

2. A tutela constitucional do direito à identidade pessoal não é incompatível com o estabelecimento de prazos para a propositura da acção de investigação da paternidade, designadamente com a previsão do prazo adicional de 3 anos previsto no art. 1817.º, n.º 3, al. c), do CC, contado a partir do conhecimento, pelo investigante, de factos ou de circunstâncias justificativas da investigação da sua paternidade.

3. O facto de em certas acções de investigação da paternidade que se encontravam pendentes na data em que, com força obrigatória geral, foi declarada a inconstitucionalidade do preceituado no n.º 1 do art. 1817.º do CC (pelo Ac. do Trib. Const. publicado no D.R., I Série, de 8-2-06) e em acções instauradas entre a referida data e aquela em que entrou em vigor da Lei n.º 14/09, de 1-4, ter sido reconhecido o direito de investigação da paternidade sem interferência de qualquer prazo de caducidade previsto em legislação ordinária não determina a inconstitucionalidade do regime legal contido na actual redacção do art. 1817.º, designadamente do seu n.º 3, quando aplicado às acções de investigação da paternidade instauradas depois da entrada em vigor da Lei nº 14/09, por tal não importar violação do princípio da igualdade.
 
II. Tem interesse conhecer a seguinte parte da fundamentação do acórdão:
 
"4. Na sua anterior redacção, o art. 1817º, nº 1, do CC (aplicável por via do art. 1873º), previa que a acção de investigação de paternidade só poderia ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dois primeiros anos posteriores à sua maioridade ou emancipação. Nos normativos subsequentes preveniam-se casos de extensão do prazo de caducidade por motivos de ordem subjectiva relacionados com o conhecimento, por parte do interessado, de algum escrito recognitivo da paternidade ou com a cessação, por parte do investigado, do tratamento do investigante como seu filho, isto é, da posse de estado.

O Tribunal Constitucional, por via de acórdão com força obrigatória geral, declarou a inconstitucionalidade daquele preceito, na medida em que previa “para a caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante …” (D. R., I Série, de 8-2-06).

Sucedeu-se, ao menos aparentemente, um vazio legislativo. Uma vez que, em simultâneo com tal declaração de inconstitucionalidade, não foi alterada a redacção do art. 1817º, nº 1, do CC, gerou-se uma situação de indefinição quanto à existência de algum prazo geral para a propositura das acções de investigação de paternidade, a qual apenas foi resolvida com a Lei nº 14/09, de 1-4, que, além de fixar para a acção de investigação da paternidade o prazo geral de 10 anos e de introduzir modificações noutros preceitos, estabeleceu a extensão do prazo de caducidade em casos de conhecimento superveniente de factos ou de circunstâncias justificativas da propositura da acção de investigação.[...]

Não sendo inteiramente líquido se as acções de investigação da paternidade que se encontravam pendentes e as que entretanto foram instauradas naquele período intercalar estavam ou não sujeitas a algum prazo, prevaleceu, contudo, a posição que advogava a ausência de qualquer prazo sustentada, além do mais, na existência de um direito absoluto à verificação de factores essenciais para a identidade pessoal do sujeito como o é a paternidade.

Por este motivo, foram julgadas procedentes acções de investigação da paternidade que foram instauradas depois de ter decorrido o prazo de 2 anos que estivera fixado no art. 1817º, nº 1, do CC (cuja inconstitucionalidade foi declarada) e mesmo depois de transcorrido o prazo de 10 anos que veio a ser fixado pela Lei nº 14/09, no pressuposto de transitoriamente deixou de existir qualquer prazo de caducidade (facto extintivo), sendo os litígios resolvidos de acordo com os factos constitutivos do direito ao estabelecimento da paternidade.

Relativamente às acções que se encontravam pendentes na data da entrada em vigor da Lei nº 14/09, o legislador ainda procurou corrigir a situação, prescrevendo no seu art. 3º a aplicação imediata do novo regime de caducidade aos processos que ainda não se encontravam cobertos por decisão judicial transitada em julgado. Porém, tal norma de direito transitório ordinário confrontou-se com a violação do princípio da protecção da confiança, como foi declarado no Ac. do Trib. Const. de 24-3-11, no D.R., de 13-5-11, ou no Ac nº 323/2013, de 13-5-13, no processo nº 761/12.

Daí decorreu que mesmo certas acções de investigação da paternidade cuja instância ainda se encontrava pendente na data em que entrou em vigor a Lei nº 14/09 foram decididas sem a interferência de qualquer prazo de caducidade, por inaplicabilidade do art. 1817º do CC, na sua nova redacção.

Tal ocorreu designadamente com as que deram origem aos acórdãos deste STJ, de 21-9-10 (Rel. Cardoso Albuquerque), de 24-5-12 (Rel. Granja da Fonseca) ou de 19-6-14 (Rel. Pires da Rosa) (acessíveis através dewww.dgsi.pt).

5. No caso sub judice, porém, não se nos coloca nenhuma das referidas questões. A acção foi instaurada em 6-9-2011, isto é, depois da entrada em vigor o novo regime que em exclusivo é aplicável ao caso.

O facto de naquele período intercalar, entre a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do nº 1 do art. 1817º do CC e a alteração introduzida pela Lei nº 14/09, terem sido propostas e julgadas procedentes acções que não sofreram o efeito extinto emergente da caducidade do direito, não permite concluir, como pretende o recorrente, pela inconstitucionalidade do art. 1817º, nº 3, al. c), do CC, que, desde a data de entrada em vigor da referida Lei, rege um dos casos de extensão do prazo de caducidade de acções de investigação da paternidade.

Ou seja, os efeitos jurídicos que, por via directa ou indirecta, foram extraídos do juízo de inconstitucionalidade firmado sobre o que se dispunha na anterior redacção do nº 1 do art. 1817º do CC em determinadas acções já definitivamente julgadas não interferem nem impedem a extracção dos efeitos que decorrem de normas infraconstitucionais que, como a do art. 1817º, nº 3, al. c), foram posteriormente aprovadas.

O sistema normativo, designadamente o que regula a matéria da investigação de paternidade, é por natureza dinâmico, sofrendo modificações impulsionadas pela alteração das circunstâncias de ordem social, por via de meras opções de natureza legislativa ou, como ocorreu no caso, em função das regras de controlo da constitucionalidade.

Naturalmente que é expectável que das modificações legais possa decorrer a modificação do resultado da resolução de conflitos de interesses ou da apreciação de interesses juridicamente relevantes, estando os tribunais obrigados a aplicar em cada momento as normas constitucionais e infraconstitucionais que estejam em vigor e que, de acordo com as regras, sejam aplicáveis a cada caso.

Por isso, o facto de alguns investigantes terem obtido o reconhecimento da paternidade em circunstâncias semelhantes àquelas em que o A. se encontrava e de, por via da caducidade em face do actual regime que é de aplicar, ser negado ao A. esse mesmo efeito não implica, por si, a formulação de um juízo de desconformidade constitucional das normas que ao caso são aplicáveis.

A negação de qualquer violação do princípio da igualdade emerge do simples facto de naquelas acções e na presente acção não existir uma total identidade do regime jurídico que deve ser aplicado, tendo em conta as modificações que entretanto ocorreram e que se repercutem, sem dúvida alguma, nas acções de investigação de paternidade que foram instauradas depois da entrada em vigor do novo regime legal.

Por conseguinte, improcede a argumentação em torno da alegada violação do princípio da igualdade resultante da aplicação ao presente caso do que se dispõe do art. 1817º, nº 3, al. c).
 
MTS
 

29/06/2015

Informação (67)


A obra editada por M. Andenas, B. Hess e P. Oberhammer, Enforcement Agency Practice in Europe - JAI/02/FPC/19/UK (London 2005) pode ser descarregada clicando em BIICL. A versão comercial da obra pode ser vista em amazon.com.


Legislação (24)


-- DL 119/2015, de 29/6: Aprova o novo Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores


Jurisprudência (160)


                                              Recurso de revista; dupla conforme


É o seguinte o sumário de STJ 28/5/2015 (1340/08.6TBFIG.C1.S1):

I - Só pode considerar-se existente – no âmbito da apreciação da figura da dupla conforme no NCPC (2013) – uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1.ª instância.  
 
II -Tal situação tem-se por verificada quando a condenação da ré na sentença apelada radicou na invocação de uma violação culposa do princípio da boa fé contratual, quer na fase pré-contratual, quer na fase pós contratual, ulterior à consumação da compra e venda do imóvel, apelando a Relação, não ao plano de qualquer responsabilidade situada no perímetro dos contratos celebrados, mas antes à violação culposa pela ré de um dever de conservação das partes comuns do imóvel, decorrente da sua qualidade, legalmente imposta, de administrador provisório do edifício em regime de propriedade horizontal – deslocando, assim, a base normativa da condenação do âmbito da violação do princípio da boa fé contratual para o plano das consequências do incumprimento culposo dos deveres que recaem sobre o administrador, como órgão da propriedade horizontal. 
 
III - A parte interessada na relevância de algum facto superveniente, ocorrido ulteriormente à fase dos articulados, mas anteriormente ao encerramento da audiência final em 1.ª instância, e que se mostre substantivamente relevante, pode introduzi-lo no processo através da apresentação tempestiva de articulado superveniente, nos termos previstos nos arts. 588.º e 589.º do NCPC – não podendo tal omissão ser oficiosamente suprida pelo tribunal, incluindo nas respostas aos pontos da base instrutória, reportados à situação vigente na data em que a acção foi instaurada, a situação factual superveniente, não oportunamente alegada pelo interessado.  
 
IV - Estando em causa uma pretensão indemnizatória fundada no art. 227.º do CC, é indispensável que o lesado demonstre que a ré/vendedora de determinadas fracções em edifício em propriedade horizontal actuou culposamente na fase das negociações preliminares – criando, nomeadamente, uma falsa aparência quanto às qualidades futuras do empreendimento, levando os compradores a contratar nas precisas condições acordadas em prejuízo manifesto do seu interesse – não se verificando tais pressupostos da responsabilidade civil pré-contratual se apenas tiver ficado provado que as previsões então realizadas se não concretizaram ulteriormente. 
 
V - Não pode criar-se para a entidade vendedora de determinadas fracções de edifício sujeito ao regime da propriedade horizontal, no plano estritamente contratual e por via do princípio da boa fé, um dever lateral de, ao longo dos anos, providenciar (nessa veste de vendedora) pela adequada conservação do prédio, respondendo perante os condóminos/compradores pelos danos decorrentes de deficiências do imóvel, causadas pela negligente omissão de actos conservatórios: na verdade, consumada ou exaurida a venda, o tema da conservação futura do imóvel e das omissões culposas que nesta sede possam ocorrer já não se situa no perímetro contratual (ainda que no plano da pós eficácia das obrigações emergentes de contrato de compra e venda, há muito exaurido e findo), mas antes no âmbito institucional da propriedade horizontal e das competências e actuações dos órgãos que juridicamente a integram. 
 
VI - Não tendo o autor invocado, como base da pretensão indemnizatória que deduziu, a qualidade que assistiria, porventura, à ré, de administradora provisória do condomínio, nos termos do art. 1435.º-A do CC, fundando antes o dever de conservação do imóvel vendido exclusivamente no perímetro contratual e no âmbito de alegada violação do princípio da boa fé, não pode ser tal facto introduzido no processo na fase de recurso por implicar apelo a um facto essencial não alegado, estruturante de uma outra causa de pedir.


Penhora de rendimentos; redução dos limites de impenhorabilidade; ónus da prova



1. A regra de impenhorabilidade prevista no n.º 1 do artigo 738.º do nCPC é imperativa, pelo que são impenhoráveis dois terços da parte disponível dos rendimentos auferidos pelo executado, independentemente da natureza dos mesmos. O que caracteriza a aplicação deste normativo não é tanto o carácter periódico do rendimento, mas antes a circunstância de o rendimento penhorado se destinar a assegurar a subsistência do executado.

O regime de impenhorabilidade que resulta daquela disposição apenas cede no caso de a fracção de dois terços do rendimento disponível exceder o montante equivalente a três salários mínimos nacionais (cf. art. 738.º, n.º 3 1.ª parte, nCPC). Nesta hipótese, impõe-se a redução da parte impenhorável para este montante e a ampliação da parte penhorável para o valor que exceder umterço do rendimento disponível.

Por seu turno, na hipótese de a fracção de dois terços do rendimento disponível ser inferior a uma retribuição mínima mensal garantida, apenas pode ser penhorado o valor correspondente à diferença entre a parte líquida do rendimento penhorado e o montante equivalente a um salário mínimo nacional, libertando-se, assim, este montante do alcance da penhora de molde a assegurar ao executado o mínimo de subsistência e dignidade. 

2. Todavia, estes limites (mínimo e máximo) de impenhorabilidade só são de observar quando o executado não aufira outro rendimento (cf. n.º 3 do art. 738.º do nCPC). Esta solução pretende harmonizar os interesses do exequente e do executado, tendo por escopo ponderar se, no caso concreto, é justificável o sacrifício do credor, no sentido de ser mais demorada a satisfação do seu crédito numa situação em que o devedor apresenta uma situação socioeconómica acima dos parâmetros que o legislador considera normais.

A redução do limite máximo de impenhorabilidade (três salários mínimos nacionais) também é admitida quando o executado possua outros rendimentos, pois não se encontram razões para distinguir a situação em que o rendimento penhorado é alto, tendo o executado sempre direito a três salários mínimos, daquela em que esse rendimento é baixo, caso em que o executado pode ver penhorado todo o rendimento. 

3. Compete ao credor-exequente o ónus de alegar e provar que o executado aufere outro rendimento para além daquele que foi objecto da penhora e que esse rendimento é superior, pelo menos, ao montante equivalente a um salário mínimo nacional. A redução da impenhorabilidade não é um acto que o agente de execução possa praticar sponte sua: não se trata de um acto de gestão do processo, mas antes de um acto que tem repercussão no estatuto processual das partes, mais concretamente no quantum dos bens que podem ser apreendidos ao executado; é também um acto que não obedece a um puro cálculo aritmético, mas que necessita de ponderação; por tudo isso, essa redução pertence à competência reservada do juiz.

O agente de execução pode informar o credor da existência de outros rendimentos do executado, em resultado das diligências por si realizadas, mas tem de ser o credor a demonstrar a existência desses rendimentos e a requerer ao juiz de execução a redução da parte impenhorável para além dos limites (mínimo e máximo) de impenhorabilidade. No extremo e ponderada a situação socioeconómica do executado, pode ser autorizada a penhora da totalidade do rendimento, mantendo-se penhorado o outro rendimento, desde que este último seja superior, pelo menos, ao montante equivalente a um salário mínimo nacional.

4. Em conclusão:

– i) O regime de impenhorabilidade previsto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 738.º do nCPC não deve ser observado quando se demonstre que o executado aufere outro rendimento que igualmente assegura a sua subsistência e que seja, pelo menos, superior ao montante equivalente a um salário mínimo nacional;

– ii) Cabe ao credor-exequente a prova da existência de outros rendimentos do executado e requerer ao juiz a redução dos limites (mínimo e máximo) de impenhorabilidade, do mesmo modo que compete ao executado requerer a redução da parte penhorável dos rendimentos, nos termos do incidente previsto no n.º 6 do artigo 738.º do nCPC; só o juiz tem o poder de proceder a estas reduções e impor a quebra da regra de impenhorabilidade prevista nos n.ºs 1 e 3 da mesma disposição. 

J. H. Delgado de Carvalho



27/06/2015

Informação (66)



Traduções de Códigos alemães


-- ZPO: tradução em inglês acessível para download no site www.juris.de; Codice di procedura civile tedesco / Zivilprozessordnung / Traduzione e presentazione a cura di Salvatore Patti (Giuffrè: Milano 2010)

-- BGB: tradução em inglês disponível para download no site www.juris.de; Codice civile tedesco / Burgerliches Gesetzbuch / Traduzione e presentazione a cura di Salvatore Patti (Giuffrè: Milano 2013)



Sobre a oposição à execução com fundamento em contracrédito sobre o exequente (2)



1. Um oportuno pedido de esclarecimento possibilita a análise de uma questão diferente daquela que foi referida no anterior post sobre a alegação de um contracrédito do executado sobre o exequente como fundamento de oposição à execução. Trata-se agora de saber qual o tratamento que deve ser dado no processo executivo à extinção do crédito que era objecto de uma acção declarativa como consequência de uma compensação extrajudicial realizada antes ou na pendência desta acção. A resposta a esta questão permite completar o panorama da compensação como fundamento da oposição à execução.

2. A primeira observação que deve ser feita é a de que a compensação pode ser judicial ou extrajudicial:

-- A compensação judicial é aquela que é obtida em juízo como consequência da dedução e procedência do respectivo pedido reconvencional (cf. art. 266.º, n.º 2, al., c), CPC); a compensação é judicial quando o réu alega um contracrédito sobre o demandante e quer obter a compensação dos créditos em juízo; dito de outra forma: a compensação judicial deduzida através do pedido reconvencional destina-se a obter uma decisão judicial que declare a extinção dos créditos recíprocos do autor e do réu; 

-- A compensação extrajudicial é aquela que opera mediante declaração de uma das partes à outra (cf. art. 848.,º n.º 1, CC); a invocação da compensação extrajudicial em juízo não implica a dedução de nenhum pedido reconvencional, mas apenas a invocação da extinção do crédito alegado pelo autor como consequência daquela compensação, ou seja, a alegação de um facto extintivo deste crédito e, portanto, de uma excepção peremptória (cf. art. 576.º, n.º 1 e 3, CPC); noutros termos: a compensação extrajudicial já operou a extinção recíproca dos créditos, pelo que a única coisa que o demandado pode (e tem de) alegar em juízo é esta extinção, bastando-lhe invocar, para isso, a correspondente excepção peremptória.

Se a compensação extrajudicial tiver operado antes ou na pendência da acção declarativa, o problema passa a ser o de saber se o réu demandado tem o ónus de invocar nessa acção a correspondente excepção peremptória. A resposta não pode deixar de ser afirmativa: o réu tem o ónus de alegar essa excepção na contestação (cf. art. 573.º, n.º 1, CPC) ou de, através de um articulado superveniente, dar conhecimento ao tribunal do facto extintivo que se tenha produzido posteriormente (cf. art. 588.º, n.º 1 e 3, e 611.º, n.º 1, CPC). A invocação da compensação extrajudicial deve ter o mesmo tratamento de qualquer outro facto extintivo do crédito alegado pelo autor (como, por exemplo, o cumprimento). 

Uma consequência importante do afirmado é que a falta de invocação do facto extintivo decorrente da compensação extrajudicial implica a preclusão da sua alegação na acção executiva. Não há aqui nenhuma especialidade da compensação: a preclusão que vale para a compensação vale para qualquer outro facto extintivo do crédito exequendo. Como se trata, não de produzir a compensação em juízo, mas de alegar a extinção do crédito exequendo por compensação extrajudicial, a situação é subsumível, não ao estabelecido no art. 729.º, al. h), CPC, mas antes ao disposto no art. 729.º, al. g), CPC.

3. Em conclusão, há que distinguir, tanto no plano da acção declarativa, como no da acção executiva, entre a compensação judicial e a compensação extrajudicial:

-- A compensação judicial opera, no âmbito do processo declarativo, através da reconvenção (cf. art. 266.º, n.º 2, al. c), CPC) e constitui um possível fundamento de oposição à execução (cf. art. 729.º, al. h), CPC); dado que não há nenhum ónus de provocar a compensação judicial no processo declarativo (porque, ao contrário do ónus de excepcionar, não há, neste caso, nenhum ónus de reconvir), não se verifica nehuma preclusão quanto à produção da compensação no processo executivo através da dedução dos correspondentes embargos;

-- A compensação extrajudicial opera, no âmbito do processo declarativo, como uma excepção peremptória, porque aquela compensação provoca a extinção recíproca dos créditos; como tal, a invocação desta excepção peremptória extintiva no processo declarativo está sujeita ao ónus da concentração da defesa na contestação (cf. art. 573.º, n.º 2, CPC); se aquele facto extintivo for um facto superveniente, o demandado tem o ónus de o invocar num articulado superveniente até ao encerramento da discussão em 1.ª instância (cf. art. 588.º, n.º 1 e 3, e 611.º, n.º 1, CPC); a alegação da compensação extrajudicial como fundamento de oposição à execução segue -- como, aliás, qualquer outro facto extintivo do crédito exequendo -- o disposto no art. 729.º, al. g), CPC, pelo que se encontra precludida a alegação nesta oposição de uma compensação extrajudicial que não tenha sido oportunamente invocada no processo declarativo.

O afirmado também permite concluir que há um total paralelismo quanto ao tratamento da compensação judicial e da compensação extrajudicial no processo declarativo e no processo executivo:

-- A compensação judicial exige, no processo declarativo, a dedução de um pedido reconvencional (cf. art. 266.º, n.º 2, al. c), CPC) e, no processo executivo, a dedução de embargos de executado (cf. art. 729.º, al. h), CPC);

-- A compensação extrajudicial permite a invocação de um facto extintivo (e, portanto, de uma excepção peremptória) tanto no processo declarativo (cf. art. 571.º, n.º 2, 572.º, al. c), e 573.º, n.º 1, CPC), como no processo executivo (cf. art. 729.º, al. g), CPC); note-se, no entanto, que a alegação deste facto extintivo na execução só é admissível se sobre o executado não recair o ónus de já o ter alegado no anterior processo declarativo.

MTS


26/06/2015

Informação (65)


As universidades e a empresa encarregadas pela Comissão Europeia da realização de um estudo sobre citações e notificações nos Estados-Membros solicita a colaboração de eventuais interessados. Para mais informações clicar em Study on the Service of Documents in EU Member States


Sobre a oposição à execução com fundamento em contracrédito sobre o exequente



O art. 729.º, al. h), CPC -- que constitui uma das novidades do nCPC -- permite que, numa execução baseada numa sentença, o executado deduza oposição à execução com fundamento num contracrédito sobre o exequente. Na doutrina portuguesa, tem vindo a generalizar-se o entendimento segundo o qual esta oposição à execução só é admissível se o contracrédito for posterior ao encerramento da discussão em 1.ª instância (ou, conforme também já se tem entendido, à contestação da acção declarativa) (cf. Ramos de Faria/A. L. Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil II (2014), 249; Lebre de Freitas, A Ação Executiva, 6.ª ed. (2014), 203; Delgado de Carvalho, Ação Executiva para Pagamento de Quantia Certa (2014), 56; Costa Ribeiro/S. Rebelo, A Ação Executiva Anotada e Comentada (2015), 251). Pese embora o seu eventual sentido maioritário, este entendimento não deve ser seguido.

A primeira observação que importa fazer é a de que a referida orientação desconsidera a circunstância de que, segundo o regime instituído no nCPC, a compensação passou a ser alegada sempre por via de reconvenção (cf. art. 266.º, n.º 2, al. c), CPC). A importância desta circunstância reside em que, ao contrário do que acontece para as defesas por impugnação e por excepção -- sujeitas, como se sabe, ao princípio da concentração da defesa na contestação (cf. art. 573.º, n.º 1, CPC) --, não há, em geral, nenhum ónus de reconvir e não há certamente um ónus de reconvir para obter a compensação judicial. O que vale para os meios de defesa do réu não pode valer para algo que a lei não integra nesses meios.

Isto significa que o réu que não alegou um contracrédito para obter a extinção por compensação do crédito do autor não só não perde este seu contracrédito, como não está impedido de o invocar e exigir numa posterior acção. A exclusão da reconvenção de qualquer preclusão constitui, aliás, um bom argumento (de ordem prática, quanto mais não seja) para se defender que a compensação deve ser invocada por via de reconvenção, e não por via de excepção. Se se compreende que, por exemplo, a não invocação da invalidade do contrato alegado pelo autor ou a não alegação de um direito de retenção da coisa que é reivindicada pelo demandante devam estar submetidas a uma regra de preclusão e que esses factos não possam ser invocados em nenhuma outra acção posterior pela parte demandada, o mesmo não se pode dizer quanto à não alegação de um contracrédito, dado que este é autónomo do crédito do autor que foi apreciado e reconhecido na acção. Enquanto a validade do contrato exclui necessariamente a sua invalidade e o dever de restituição da coisa é necessariamente incompatível com um direito de retenção, o reconhecimento do direito do autor não é incompatível com um posterior reconhecimento de um contracrédito do demandado. Estes dois créditos não se excluem, antes se extinguem reciprocamente -- o que, como é claro, é bem distinto.

Por esta razão, há que concluir que, sendo actualmente a compensação feita valer por via de reconvenção, não se verifica nenhuma preclusão decorrente da não invocação do contracrédito numa anterior acção declarativa. Contra esta afirmação poderia dizer-se o seguinte: é verdade que, em regra, não há nenhuma preclusão da invocação do contracrédito, mas, nomeadamente, pelo paralelismo com a preclusão estabelecida no art. 729.º. al. g), CPC, o contracrédito que podia ter sido invocado na anterior acção declarativa não pode ser alegado no processo executivo em que se executa a decisão proferida naquela acção. O argumento seria, pois, o seguinte: em regra, não se verifica a preclusão da invocação do contracrédito, pelo que este pode ser alegado numa outra acção; no entanto, esta regra comporta uma excepção, não se aplicando no processo executivo posterior à correspondente acção declarativa que reconheceu o crédito exequando.

Este argumento é facilmente rebatível. Antes do mais, podem ser aduzidos motivos de ordem económica: não tem sentido admitir a tramitação de uma complexa e custosa acção executiva quando o crédito exequendo pode afinal ser extinto através do reconhecimento de um contracrédito do executado. A isto acresce que não é aceitável submeter o devedor a um processo executivo quando este executado possui um contracrédito sobre o exequente (eventualmente, até de montante superior ao crédito exequendo) que é susceptível de extinguir, no todo ou em parte, o crédito exequendo. Quase apetece dizer que quem defende a preclusão da invocação do contracrédito do executado no processo executivo só tem uma maneira de proteger a posição do executado: admitir a penhora do crédito do executado sobre o exequente.

Por fim, importa fazer uma referência de direito comparado. Por razões históricas (fundamentalmente ligadas à rejeição da compensação ipso iure), a compensação, no direito alemão, opera ope exceptionis (o que justifica o disposto no § 322 (2) ZPO quanto à inclusão da apreciação da excepção de compensação no âmbito objectivo do caso julgado da decisão que aprecia, em simultâneo o crédito do autor e o contracrédito do demandado); apesar disso, a doutrina alemã maioritária, procurando obviar aos inconvenientes da preclusão da invocação da compensação no processo executivo, tem defendido a não aplicação da regra de preclusão que consta do § 767 (2) ZPO (regra que é semelhante à que se encontra no art. 729.º, al. g), CPC) a essa compensação (cf. Rosenberg/Gaul/Schilken/Becker-Eberhard, Zwangsvollstreckungsrecht, 12.ª ed. (2010), 774 ss.; para um panorama geral do problema, cf. MünchKommZPO/Schmidt/Brinkmann (2012), § 767 80 ss.). Seria muito surpreendente que, enquanto a doutrina alemã maioritária procura não aplicar à compensação uma regra legal que literalmente a abrange (o § 767 (2) ZPO), a doutrina portuguesa percorresse precisamente o caminho inverso e, a partir de uma base legal que não impõe nenhuma preclusão quanto à invocação da compensação na acção executiva, acabasse afinal por vir a defender essa mesma preclusão.

MTS


Jurisprudência uniformizada (15)


Recurso de revista; valor da sucumbência


-- Ac. STJ 10/2015, de 26/6: "Conformando-se uma parte com o valor da condenação na 1ª instância e procedendo parcial ou totalmente a apelação interposta pela outra parte, a medida da sucumbência da apelada, para efeitos de ulterior interposição do recurso de revista, corresponde à diferença entre os valores arbitrados na sentença de 1ª instância e no acórdão da Relação"


Jurisprudência (159)



Cláusulas contratuais gerais; cláusula arbitral; 
Kompetenz-Kompetenz dos tribunais judiciais e arbitrais


I. É o seguinte o sumário de STJ 28/5/2015

1. Tendo tido lugar convenção de arbitragem, tempestivamente invocada, só nos casos em que é manifesta a sua nulidade, ineficácia ou inexequibilidade, devem os tribunais estaduais considerar-se competentes.  

2. Essa evidência não fica preenchida se a parte contra quem é invocada se limita invocar a verificação dos requisitos das cláusulas contratuais gerais. 

3. Julgando procedente a exceção de preterição do tribunal arbitral, o tribunal estadual não pode conhecer de pretensão de ampliação do pedido.

II. O sumariado nos itens 1 e 2 decorre do disposto no art. 5.º, n.º 1, LAV: o tribunal estadual no qual seja proposta acção relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve, a requerimento do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa, absolvê-lo da instância, a menos que verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível. 

O tribunal judicial tem competência para apreciar a sua própria competência (de acordo com a conhecida regra da Kompetenz-Kompetenz), mas só deve reconhecer-se como competente se a convenção arbitral for manifestamente nula, ineficaz ou inexequível. Cabe assim ao tribunal arbitral a primazia sobre a aferição da sua competência com base na apreciação da existência, validade, eficácia e aplicabilidade da convenção arbitral (art. 18.º, n.º 1, LAV). 

Não sendo a cláusula arbitral manifestamente nula, ineficaz ou inexequível, não resta ao tribunal judicial outra opção que não a de se considerar incompetente por preterição de tribunal arbitral voluntário (cf. art. 5.º, n.º 1, LAV; cf. art. 96.º, al. b), CPC). Incumbirá então ao tribunal arbitral no qual a acção venha a ser proposta apreciar, aplicando também ele a regra da Kompetenz-Kompetenz, se a convenção de arbitragem é efectivamente válida, eficaz e exequível e se, portanto, esse tribunal é competente para apreciar a acção (cf. art. 18.º, n.º 1, LAV). Pode assim suceder que o tribunal judicial se considere incompetente (porque a convenção de arbitragem não é manifestamente nula, ineficaz ou inexequível) e que, mais tarde, o tribunal arbitral não venha a reconhecer a sua competência (porque a convenção de arbitragem é, afinal, nula, ineficaz ou inexequível). Nesta hipótese, deve entender-se que, em consequência da primazia atribuída aos tribunais arbitrais na determinação da sua competência, a competência para a acção se fixa nos tribunais judiciais.

MTS


25/06/2015

Bibliografia (155)


-- Garbolino, P., Probabilità e logica della prova (Giuffrè: Milano 2014) 

Nota: sobre esta obra, cf. Taruffo, Note sparse su probabilità e logica della prova, RTDPC 68 (2004), 1507


Jurisprudência (158)



Fundo de Garantia Automóvel; litisconsórcio necessário


É o seguinte o sumário de RE 28/5/2015 (3401/13.0TBSTB.E1):  

1 - Nas acções instauradas por instituição integrada no Serviço Nacional de Saúde contra o Fundo de Garantia Automóvel para a cobrança coerciva de encargos resultantes da prestação de cuidados de saúde, não haverá lugar ao litisconsórcio necessário passivo, previsto no n.º 1, do art.º 62.º, do D. L. 291/2007, de 21/8, uma vez que tal preceito tem na sua base a efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação (e o pagamento da indemnização que se entender que é devida); 

2 - Assim sendo, e estando em causa o pagamento de despesas médicas resultantes de cuidados de saúde prestados por estabelecimento hospitalar integrado do S.N.S., tem aqui aplicação a norma especial prevista no art.º 4.º, n.º 1, do D. L. 218/99, de 15/6, que permite que tal acção seja directamente instaurada contra o referido FGA.

24/06/2015

Legislação europeia (Projectos e propostas) (9)


Reg. 681/2007

Encontra-se em preparação a reformulação do Reg. 861/2007 relativo ao processo europeu para acções de pequeno montante. Para mais informações clicar em European Parliament News.




Jurisprudência uniformizada (14)



Juros de mora; princípio dispositivo

-- Ac. STJ 9/2015, de 24/6: «Se o autor não formula na petição inicial, nem em ulterior ampliação, pedido de juros de mora, o tribunal não pode condenar o réu no pagamento desses juros.»


Jurisprudência (157)


Processo de insolvência; admissibilidade da revista por oposição de julgados


I. O sumário de STJ 2/6/2015 (189/13.9TBCCH-B.E1.S1) é o seguinte.


1. No processo de insolvência, o valor da acção indicado na petição inicial, em função do activo do insolvente, vai sofrendo alterações em função da tramitação que lhe é própria; todavia, são realidades distintas, o valor da acção que releva para efeito de recurso e da sucumbência e o valor tributário que, normalmente, apenas se apura a final.

2. Se o requerente da insolvência deu à acção o valor de € 7 000,00, que a 1ª Instância não alterou em fase ulterior do processo, esse é o valor da acção e o que releva para efeito de admissibilidade do recurso.

3. “O art. 14.º, n.º 1, do CIRE – ao restringir a admissibilidade do recurso de revista à hipótese de o acórdão recorrido estar em oposição com outro --, não dispensa a verificação das condições gerais de admissibilidade de recurso, entre as quais figura a relação entre o valor da causa (e da sucumbência) e a alçada” – Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 18.9.2014 – Proc. 1852/12.7TBLLE-C.E1.S1 – in www.dgsi.pt.

II. O acórdão contém a seguinte declaração de voto:

"Não acompanho a tese sufragada no Acórdão que obteve vencimento, pelos fundamentos seguintes:

Sempre s.d.r.o.c., entendo que em sede de CIRE se aplicam as regras nele ínsitas no que diz respeito ao valor da acção, não sendo de recorrer sem mais ao preceituado no artigo 17.º do mesmo que manda aplicar o CPCivil «em tudo o que não contrarie as disposições do presente Código».

No caso dos autos, foi indicado como valor da acção, no Requerimento Inicial, a quantia de 7.000 Euros, sendo certo que as regras de indicação do valor da causa em sede de processo de insolvência se regem prima facie pelo preceituado no artigo 15.º do CIRE, isto é, terá o valor do activo que tiver sido indicado pela Insolvente, o qual será corrigido logo que se verifique ser diverso do valor real.

Daqui deflui que pouco importa qual seja o valor indicado, uma vez que o mesmo não é imutável, sendo alterado logo que se constate ser diverso do valor real, o que poderá acontecer quando houver lugar à elaboração do inventário a que alude o artigo 153.º do CIRE, o que na espécie ainda não aconteceu, pelo que, nenhuma razão existe, por ora, para ficcionar, como se faz na tese explanada no Acórdão, que o valor da causa foi fixado em 7.000 Euros e que este valor transitou em julgado, não podendo ser alterado, porque a única coisa que se sabe é que tal valor foi fixado em sede de saneamento do processo e que depois disso não houve qualquer alteração, mas pode vir a haver por força da aplicação daquele supra mencionado normativo.

E, assim sendo, não se poderá estar a coarctar à Recorrente a possibilidade de impugnar ao Aresto recorrido, sob pena se estar a violar direitos constitucionalmente consagrados, maxime, o acesso à justiça prevenido no artigo 20.º da CRPortuguesa.

Diferentemente se entenderia, caso se estivesse face a uma questão sobre o valor da acção para efeitos puramente tributários, pois nesta circunstância aplicar-se-ia o disposto no artigo 301.º do CIRE, no qual se predispõe o seguinte:

«Para efeitos de custas, o valor da causa no processo de insolvência em que a insolvência não chegue a ser declarada ou em que o processo seja encerrado antes da elaboração do inventário a que se refere o artigo 153.º é o equivalente ao da alçada da Relação, ou ao valor aludido no artigo 15.º, se este for inferior; nos demais casos o valor é atribuído ao activo referido no inventário, atendendo-se aos valores mais elevados dos bens, se for o caso.».

Quer dizer, para efeitos processuais as regras em ter em atenção, nos casos em que a insolvência é decretada, são as resultantes do normativo inserto no artigo 15.º do CIRE, regras essas que coincidem com o valor da causa para efeitos de custas, nos termos da segunda parte do artigo 301.º do mesmo diploma; se a insolvência não vier a ser decretada ou o processo venha a ser encerrado antes da elaboração do inventário a que alude o artigo 153.º do CIRE, o valor para efeitos tributários é o equivalente ao da alçada da Relação, isto é 30.000 Euros, ou ao valor decorrente do activo indicado pela Insolvente no seu Requerimento Inicial, se for inferior, nos termos do artigo 15.º daquele mesmo diploma.

Na espécie, tendo sido decretada a insolvência e não tendo ainda havido lugar à apresentação do inventário a que se refere o artigo 153.º do CIRE, o valor da causa para efeitos processuais, bem como para efeitos de custas, ainda se não mostra apurado, sendo incorrecto atribuir-lhe um qualquer valor, mormente o de 7.000 Euros, bem como dizer-se que o valor que decorrerá do inventário que vier a ser apresentado pelo administrador dos bens nos termos do artigo 153.º do CIRE «em nada releva para a fixação do valor da causa», se mostra contrário ao que preceituam os normativos insertos nos artigos 15.º e 301.º, segunda parte, ambos do CIRE.

De outra banda, sempre se diz ex abundanti que a liberdade de conformação conferida ao legislador no que tange à recorribilidade das decisões judiciais esbarra com a abertura conferida pela Lei e pelo legislador em sede de recursos, independentemente do valor da causa, quando está em causa uma oposição de Acórdãos, como acontece no caso sub judice.

Assim sendo, pegando na jurisprudência citada na tese que fez vencimento, no sentido de que “São aplicáveis ao processo de insolvência as regras definidas no Código de Processo Civil para os recursos, salvo se do CIRE resultar regime diverso. O art. 14.º do CIRE – ao restringir a admissibilidade do recurso de revista à hipótese de o acórdão recorrido estar em oposição com outro – não dispensa a verificação das condições gerais de admissibilidade de recurso, entre as quais figura a relação entre o valor da causa (e da sucumbência) e a alçada.”, não podemos ignorar o que preceitua a respeito o normativo inserto no artigo 629.º, nº 2, alínea d), do NCPCivil, onde se admite sempre o recurso neste caso especifico de oposição de julgados, independentemente do valor da causa (aqui em sede de insolvência não se pode falar em sucumbência), teremos de concluir que o recurso interposto é admissível, sob pena de introduzirmos, além do mais, um distinguuo, entre este tipo de procedimentos e todos os demais o que sempre seria violador das regras gerais que regem a interpretação da Lei e do principio da igualdade inserto no artigo 13.º da CRPortuguesa.

Nestes termos, admitiria a Revista interposta."

III. No essencial, o acórdão decidiu bem ambas as questões, ou seja, decidiu bem quer a (in)admissibilidade do recurso em função do valor do processo determinado no momento da interposição daquele recurso, quer a necessidade da admissibilidade da revista nos termos gerais para que esta seja admissível com base na oposição de julgados.

Não é claro o que, na declaração de voto, se pretende defender com o argumento de que, por força do disposto no art. 15.º CIRE, o valor do processo de insolvência pode vir a ser alterado (nomeadamente, em função do inventário dos bens e direitos integrados na massa insolvente) e de que, sendo assim, "o valor da causa para efeitos processuais [...] ainda não se mostra apurado" no momento da interposição do recurso. Instituindo o art. 15.º CIRE um regime móvel quanto ao valor do processo de insolvência, o único valor que se pode utilizar para aferir a admissibilidade de um recurso é necessariamente aquele que o processo tiver no momento da sua interposição. Aliás, se assim não fosse, tanto se poderia defender que nenhum recurso seria admissível num processo de insolvência, com o argumento de que, diferentemente do valor até agora apurado, o real valor do processo não excede a alçada do tribunal, como entender que todo e qualquer recurso seria admissível, com o argumento de que, apesar do valor do processo até agora apurado, o seu valor real excede a alçada do tribunal. É preciso não confundir a modificabilidade do valor do processo de insolvência com a inexistência de qualquer valor deste processo em cada momento da sua pendência.

Nenhuma prognose sobre o valor do processo de insolvência pode ser relevante quando se trata de aferir a admissibilidade de um recurso, necessariamente interposto num momento em que aquele processo tem um determinado valor. Quer dizer: o processo de insolvência tem, em cada momento da sua pendência, um determinado valor; só este valor pode ser relevante para aferir, em função da regra da alçada, a admissibilidade do recurso, sendo necessariamente irrelevante o valor que o processo possa vir a ter num momento posterior. É aliás certo que o valor do processo de insolvência para efeitos da admissibilidade do recurso se fixa no momento da interposição da apelação, do que resulta o seguinte: se o valor do processo no momento da interposição da apelação, permitia a revista (nos termos que abaixo serão analisados), nenhuma alteração do valor do processo é susceptível de excluir a admissibilidade deste recurso; se o valor do processo, no momento da interposição da apelação, não permitia a revista, então nenhuma modificação posterior do valor do processo torna admissível este recurso.

Também não se pode acompanhar a interpretação que é feita na declaração de voto do disposto no art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC. O preceito não tem, de modo algum, o sentido de admitir a revista sempre que haja oposição entre dois acórdãos da Relação, ou seja, não permite a interposição da revista de qualquer acórdão da Relação que esteja em oposição com qualquer outro acórdão da Relação; pressuposto (aliás explícito) da aplicação daquele preceito é que a revista, que seria admissível pela conjugação do valor da causa com a alçada da Relação, não seja afinal admitida "por motivo estranho à alçada do tribunal", isto é, por um impedimento legal distinto do funcionamento da regra da alçada. 

Quer dizer: o art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC só é aplicável se houver uma exclusão legal da revista por um motivo que nada tenha a ver com a relação entre o valor da causa e a alçada do tribunal ou, mais em concreto, se a lei excluir a admissibilidade de uma revista que, de outro modo, seria admissível. É o que se verifica, por exemplo, nos procedimentos cautelares, dado que nestes procedimentos a revista não é admissível mesmo que o valor do procedimento exceda a alçada da Relação (art. 370.º, n.º 2, CPC); o mesmo pode ser dito quanto aos processos de jurisdição voluntária, porque nestes processos está excluída a revista das resoluções proferidas segundo um critério de discricionariedade, mesmo que o valor do processo exceda a alçada da Relação (art. 988.º, n.º 2, CPC). Portanto, não se pode seguir a afirmação constante da declaração de voto de que no art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC "se admite sempre o recurso n[o] caso especifico de oposição de julgados, independentemente do valor da causa".

Há uma (boa) razão de ordem sistemática para se entender que o disposto no art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC não pode dispensar a admissibilidade da revista nos termos gerais (sendo nomeadamente necessário, para a admissibilidade da revista, que o valor da causa exceda a alçada da Relação). O argumento é muito simples: se todos os acórdãos da Relação em contradição com outros acórdãos da Relação admitissem a revista "ordinária" nos termos do art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC, deixaria necessariamente de haver qualquer justificação para construir um regime de revista excepcional para a contradição entre acórdãos das Relações tal como se encontra no art. 672.º, n.º 1, al. c), CPC. Sempre que se verificasse uma contradição entre acórdãos das Relações, seria admissível uma revista "ordinária", não havendo nenhuma necessidade de prever para a mesma situação uma revista excepcional. 

Pode assim concluir-se que a admissibilidade de uma revista excepcional com base numa contradição entre acórdãos das Relações pressupõe necessariamente que não seja admissível uma revista "ordinária" sempre que se verifique essa oposição de julgados. Como é evidente, a admissibilidade de uma revista "excepcional" com base numa contradição entre acórdãos das Relações pressupõe que não seja sempre admissível uma revista "ordinária" com fundamento numa oposição entre esses mesmos acórdãos. Visto pela perspectiva contrária: a admissibilidade de uma revista "ordinária" sempre que se verifique uma contradição entre acórdãos das Relações retira qualquer espaço para uma revista excepcional baseada nessa mesma contradição. Assim, a única forma de atribuir algum sentido útil à contradição de julgados das Relações que consta, em sede de revista excepcional, do art. 672.º, n.º 1, al. c), CPC é pressupor que a revista "ordinária" não é admissível sempre que se verifique essa mesma contradição. Só nesta base é possível compatibilizar a vigência do art. 672.º, n.º 1, al. c), CPC com a do art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC.

É certo que a revista excepcional está instituída apenas para os casos em que se verifica a dupla conforme, ou seja, para as situações em que o acórdão da Relação é conforme com a decisão da 1.ª instância (cf. art. 671.º, n.º 3, e 672.º, n.º 1 pr., CPC). Isto não invalida o que acima se afirmou, pois que o entendimento de que o art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC permite a interposição de uma revista "ordinária" sempre que ocorra uma contradição entre acórdãos da Relação torna desnecessária a regulação de qualquer revista excepcional, esteja esta pensada -- como efectivamente sucede -- apenas para os casos de dupla conforme ou -- como poderia suceder -- para qualquer acórdão, "conforme" ou "desconforme", da Relação.

O exposto mostra que o regime instituído no art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC não se basta com uma mera contradição entre acórdãos das Relações, pelo que o preceito só é aplicável nos casos em que, apesar de a revista ser admissível nos termos gerais, se verifica uma irrecorribilidade estabelecida pela lei. Se se quiser resumir numa fórmula o estabelecido no art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC, pode dizer-se que este preceito estabelece uma recorribilidade para acórdãos que são recorríveis nos termos gerais e irrecorríveis por exclusão legal.

Atendendo à exclusão da revista por um critério legal independente da relação do valor da causa com a alçada do tribunal, há que instituir um regime que permita que o STJ possa pronunciar-se (e, nomeadamente, uniformizar jurisprudência) sobre matérias relativas aos procedimentos cautelares e aos processos de jurisdição voluntária. É precisamente essa a função do disposto no art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC.

O mesmo pode ser dito do disposto no art. 14.º, n.º 1, CIRE. Efectivamente, este preceito cumpre a mesma função do estabelecido no art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC, pois que, depois de excluir a recorribilidade para o STJ dos acórdãos da Relação proferidos nos processos de insolvência e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, aquele preceito garante a recorribilidade para o STJ dos acórdãos da Relação que estejam em contradição com outros acórdãos da Relação. Assim, tal como o art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC, o art. 14.º, n.º 1, CIRE assegura a recorribilidade de um acórdão que é irrecorrível por força da lei, não pela conjugação do valor da causa com o valor da alçada. Portanto, ao contrário do que se faz na declaração de voto, não é possível utilizar o art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC para criticar a interpretação do art. 14.º, n.º 1, CIRE que foi realizada pela posição que fez vencimento no acórdão. 

IV. Em conclusão:

-- O art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC e o art. 14.º, n.º 1, CIRE não dispensam que a revista seja admissível nos termos gerais, isto é, não dispensam que, atendendo à conjugação do valor da causa com a alçada da Relação, a revista seja admissível; pelo contrário: ambos os preceitos pressupõem que a revista a que garantem a recorribilidade com base numa oposição de julgados seja admissível nos termos gerais; 

-- O art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC e o art. 14.º, n.º 1, CIRE  cumprem a mesma função: ambos os preceitos afastam uma irrecorribilidade legal, pois que garantem, em caso de conflito jurisprudencial, a recorribilidade de um acórdão da Relação que não é recorrível por uma exclusão legal. 

MTS