"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



31/10/2015

Bibliografia (220)


-- Sousa Magalhães, F., Estatuto da Ordem dos Advogados / Anotado e Comentado, 10.ª ed. (Almedina: Coimbra 2015)
 

30/10/2015

Jurisprudência europeia (TJ) (71)


Dir. 93/13/CEE – Contrato de empréstimo hipotecário – Cláusulas abusivas – 
Processo de execução -- Incidente de oposição -- Prazos de preclusão



TJ 29/10/2015 (C‑8/14, BBVA /Peñalva López et al.) decidiu:

Os artigos 6.° e 7.° da Diretiva 93/13/CEE de Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma disposição nacional transitória, como a que está em causa no processo principal, que sujeita os consumidores, a respeito dos quais um processo de execução hipotecária tenha sido instaurado antes da entrada em vigor da lei da qual essa disposição faz parte e não concluído nessa data, a um prazo de preclusão de um mês, calculado a partir do dia seguinte ao da publicação dessa lei, para deduzir oposição à execução coerciva com base no caráter pretensamente abusivo das cláusulas contratuais.


Bibliografia (219)


-- Rauscher (Ed.), Europäisches Zivilprozess- und Kollisionsrecht / EuZPR/EuIPR / Band I / Brüssel Ia-VO, 4.ª ed. (Verlag Dr. Otto Schmidt: Köln 2015)
 
 
 
 

Bibliografia (218)


-- Salten, U./Gräve, K., Mahnverfahren und Zwangsvollstreckung (Verlag Dr. Otto Schmidt: Köln 2015)



Jurisprudência (220)



Competência material; extensão da competência



O sumário (do Relator) de RE 8/10/2015 (295/07.9TBVRS-B.E1) é o seguinte:

1 – Para aferir da competência material do tribunal não basta atender ao pedido, havendo que ponderar o modo como o autor configura a acção na sua dupla vertente, pedido e causa de pedir, tendo ainda em conta as circunstâncias disponíveis que revelem sobre a exacta configuração da causa. 

2 – A competência dos tribunais comuns é residual, estendendo-se a todas as áreas que não sejam atribuídas a outras ordens judiciais. 

3 – Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígio que tenham nomeadamente por objecto questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa. 

4 - Não afasta a competência dos tribunais administrativos e fiscais a eventualidade de o autor pedir, na acção, a condenação solidária de entidades públicas e de entidades particulares e o facto de para o conhecimento do pedido formulado contra estas últimas ser competente o tribunal de jurisdição comum.

II. Na fundamentação do acórdão encontra-se a seguinte passagem:

"[...] a única extensão da competência que a lei permite é a prevista no art. 97º do VCPC (aplicável, porque era o Código que estava em vigor aquando da decisão) é a referente às “questões prejudiciais” [...] quando prescreve: “se o conhecimento do objecto da acção depender da decisão de uma questão que seja da competência do tribunal criminal ou do tribunal administrativo, pode o juiz sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie” e, não sendo proposta a acção no prazo de um mês ou se estiver parada por negligência das partes durante esse prazo, “o juiz da acção decidirá a questão prejudicial, mas a sua decisão não produz efeitos fora do processo em que for proferida”.

Por isso, não estando em causa uma situação que possa ser considerada questão prejudicial porque o que se trata é do verdadeiro objecto da ação e não de qualquer questão que constitua pressuposto necessário à decisão de mérito, estamos fora do âmbito de aplicação do artº 97º do VCPC.

Como se salienta no Acordão 06/2007 do Tribunal de Conflitos proferido em 28/11/2007 “a atribuição de competência dos tribunais administrativos para o conhecimento destas acções de responsabilidade civil extracontratual ... não pode ser afastada por considerações de ordem prática ou princípios jurídicos gerais; na verdade, os princípios jurídicos são elaborados com base nas soluções legais e tanto eles como as razões de ordem prática só podem valer em sintonia com essas soluções ...; por isso não se pode afastar a aplicação de uma competência expressamente prevista na lei com base em considerações de economia processual ...”; e como o próprio diz, “este entendimento de que o regime do litisconsórcio voluntário não se sobrepõe ás normas de competência material insere-se numa posição bem enraizada na jurisprudência deste Tribunal de Conflitos”.

Jurisprudência que mantém atualidade, tal como decorre do afirmado no acordão do mesmo Tribunal de Conflitos, com o n.º 2/12, proferido em 29/09/2012 onde pode ler-se que “não afasta a competência dos tribunais administrativos e fiscais a eventualidade de o A. pedir, na acção, a condenação solidária de entidades públicas e de entidades particulares e o facto de para o conhecimento do pedido formulado contra estas últimas ser competente o «tribunal comum»”.

Entendimento que é também acolhido no acordão do STJ de 17/06/2010 no processo 686/08.8TBBRG.G1.S1 onde se refere expressamente que “no caso de litisconsórcio voluntário (art. 27º do CPC) deve verificar-se em relação a todos os contitulares da relação material controvertida, atento o pedido formulado, a compatibilidade processual a que alude o art. 31, nº:1 do CPC, ou seja, não será admissível o litisconsórcio voluntário quando ocorra incompetência absoluta do tribunal relativamente a algum ou alguns desses contitulares; o tribunal pode conhecer oficiosamente da excepção de competência em razão da matéria ...”, e “a acção prossegue contra os demais réus considerado o pedido contra eles deduzido relativamente ao qual o tribunal é o competente em razão de matéria”.

MTS



29/10/2015

Paper (128)


-- Schultz. T., International Arbitration Scholarship: Forms, Determinants, Evolution (10.2015)


Jurisprudência (219)




Factos instrumentais; consideração em recurso; 
confissão extrajudicial; prova testemunhal


1. O sumário de RP 29/9/2015 (3052/05.3TBVLG-A.P1) é o seguinte:

I – Pode lançar-se mão, mesmo em recurso, dos factos instrumentais, alegados no processo e resultantes da discussão da causa, nos termos do artº 5º nº 2 al. a) CPCiv, mais a mais se constam do pedido formulado em recurso, tal como aliás já resultava, neste caso, do direito de pregresso – artº 264º nº3 CPCiv95/96.

II – A força probatória plena decorrente da confissão em documento extrajudicial não inibe a prova por testemunhas quer retirada do contexto do documento rectius a prova das circunstâncias em que a declaração foi produzida (artº 393º nº 3 CCiv), quer quando acompanhada de circunstâncias que tornem verosímil a convenção contrária ao documento –
v.g., um princípio de prova escrita, como o é um cheque passado a terceiro, que não, em contrato de crédito ao consumo, ao mutuante ou ao fornecedor do bem. 


2. Extrai-se da fundamentação do acórdão a seguinte passagem:

"Temos portanto perante nós, de um lado, uma declaração escrita dos Oponentes, relativa ao recebimento de determinada quantia e o compromisso de a devolver de forma remunerada – todavia, de outro lado, temos a prova de que tal quantia, ou o produto da mesma, pelo menos enquanto traduzido no contrato (bem de consumo) não foi efectivamente entregue aos Oponentes.

Trata-se assim, no contexto das afirmações efectuadas no documento de “crédito ao consumo”, de uma confissão, na acepção do disposto no artº 352º CCiv, isto é, “o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e que favorece a parte contrária”, e confissão extrajudicial – artº 358º nº 2 CCiv.

A confissão extrajudicial possui força probatória material, tal como definido no artº 358º nº 2 CCiv – “a confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena”.

Trata-se de uma força probatória plena, a qual, porém, pode ser contrariada, conforme dispõe o artº 347º CCiv.

Este contrariar da força probatória plena não implica, em princípio, o uso da prova testemunhal, como decorre do disposto nos artºs 393º nº 2 e 394º CCiv – “não é admitida a prova por testemunhas quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por qualquer outro meio com força probatória plena”; “é inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artºs 373º a 379º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento, ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores”.

Esta proibição tem sido, ao menos maioritariamente, interpretada com restrições pelos tribunais, na esteira do estudo do Prof. Vaz Serra, Bol. [MJ] 112/191ss. ou na Revista Decana [= RLJ], 101/270ss, 103/13ss. ou 107/311ss.

Não há dúvida de que as normas citadas, proibindo a prova testemunhal, têm na base a desconfiança em relação a esta prova, consubstanciada em brocardos conhecidos – lettres passent témoins, verba volant scripta manent.

Mas as restrições do citado e consagrado Autor a uma interpretação lata ou meramente declarativa do preceito, passam por dois tipos de observações:

- a primeira, a de que a prova da declaração não inibe a prova do contexto do documento, rectius a prova das circunstâncias em que a declaração foi produzida (artº 393º nº 3 CCiv);

- a segunda, na esteira das leis francesa e italiana, ordenamentos onde se admite a prova testemunhal, desde que acompanhada de circunstâncias que tornem verosímil a convenção contrária ao documento – poderá ser um princípio de prova escrita, poderá ser ainda que se prove ter sido impossível moral ou materialmente, ao contraente, obter uma prova escrita, ou pode ser que se tenha perdido, sem culpa do contraente, o documento que fornecia a prova (louvamo-nos no voto de vencido do Consº Nascimento Costa no Ac.S.T.J. 3/6/99 Col.II/138 e 139; todavia, a doutrina é maioritária, no sentido apontado, na jurisprudência do nosso mais alto tribunal – veja-se, por todos, S.T.J. 23/2/2010 Col.I/71, relatado pelo Consº Alves Velho, ou S.T.J. 7/2/08 Col.I/77, relatado pelo Consº Santos Bernardino; deste Tribunal da Relação, veja-se, por todos, Ac.R.P. 26/11/07 Col.V/184 e 185, relatado pelo Desemb. Caimoto Jácome).

O citado Ac.S.T.J. 7/2/08, citando o Prof. Vaz Serra, Revista Decana cit., escreveu: “Efectivamente, se as circunstâncias do caso concreto tornam verosímil a convenção, a prova testemunhal desta não tem já os mesmos perigos que a regra dos artºs 394º e 395º se destina a conjurar, dado que o tribunal se não apoiará, para considerar provada a convenção, apenas nos depoimentos das testemunhas, mas também nas circunstâncias objectivas que tornam verosímil a convenção; nesta hipótese, a convicção do tribunal está já parcialmente formada com base nessas circunstâncias e a prova testemunhal limita-se a completar essa convicção, ou antes, a esclarecer o significado de tais circunstâncias”.


Tudo isto para concluir que, com base na prova escrita consistente no próprio fac-simile do cheque que materializou a entrega da quantia que se tinha em vista mutuar, se concluiu que os Oponentes não chegaram sequer a receber, nem a quantia mutuada, nem o bem objecto do contrato, como bem de consumo".

 MTS

28/10/2015

Bibliografia (217)


-- Iglesias Buigues, J. L./Palao Moreno, G. (Eds.), Sucesiones internacionales / Comentarios al Reglamento (UE) 650/2012 (Editorial Tirant lo Blanch: Valencia 2015)

Bibliografia (216)


-- Anceschi, A., Il diritto comunitario ed internazionale della famiglia (Giuffrè: Milano 2015)



Jurisprudência (218)



Pedido civil deduzido em processo crime; execução da decisão;
competência material


1. O sumário de RP 30/9/2015 (794/00.3GBAMT-A.P1) é o seguinte:

As secções de competência especializada da Instância Central são competentes para a execução das suas decisões condenatórias em quantia líquida, proferidas na sequência de pedido civil deduzido em processo crime.


2. Da fundamentação do acórdão extrai-se o seguinte trecho:

"A questão a decidir consiste em saber, nas actuais comarcas em que há tribunais, rectius, secções especializadas, qual é a secção competente para a execução de uma decisão que condenou em processo penal o arguido demandado no pagamento de uma indemnização: o tribunal/secção de execução ou o tribunal/secção criminal que proferiu a decisão condenatória em indemnização cível? [...]

Dispõe o artigo 129.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, LOSJ:

1 - Compete às secções de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil.

2 - Estão excluídos do número anterior os processos atribuídos ao tribunal de propriedade intelectual, ao tribunal da concorrência, regulação e supervisão, ao tribunal marítimo, às secções de família e menores, às secções do trabalho, às secções de comércio, bem como as execuções de sentenças proferidas por secção criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante uma secção cível.

E o artigo 131.º, da mesma Lei que “Os tribunais de competência territorial alargada, as secções da instância central e as secções de competência genérica da instância local são ainda competentes para executar as decisões por si proferidas relativas a custas, multas ou indemnizações previstas na lei processual aplicável”.

Estatui a artigo 71.º do Código de Processo Penal:

O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.

E o artigo 82.º

1 - Se não dispuser de elementos bastantes para fixar a indemnização, o tribunal condena no que se liquidar em execução de sentença. Neste caso, a execução corre perante o tribunal civil, servindo de título executivo a sentença penal.

2 - Pode, no entanto, o tribunal, oficiosamente ou a requerimento, estabelecer uma indemnização provisória por conta da indemnização a fixar posteriormente, se dispuser de elementos bastantes, e conferir-lhe o efeito previsto no artigo seguinte.

3 - O tribunal pode, oficiosamente ou a requerimento, remeter as partes para os tribunais civis quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal.

Afasta-se, liminarmente, a aplicação ou mera relevância argumentativa, do art.º 131º da LOSJ [Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto], pois, ao dizer que (…) as secções da instância central (…) são ainda competentes para executar as decisões por si proferidas relativas a custas, multas ou indemnizações previstas na lei processual aplicável, não integra no seu âmbito de previsão normativa a indemnizaçãoformulada no pedido civil formulado em processo penal. De outro modo ficaria esvaziado de sentido e conteúdo o art.º 129º, n.º 3, da LOSJ: “Para a execução das decisões proferidas pela secção cível da instância central é competente a secção de execução que seria competente caso a causa não fosse da competência daquela secção da instância central em razão do valor".

As indemnizações a que alude o art.º 131º da LOSJ são, v.g., as relativas à previsão dos artigos 542.º do CPC (1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir), 543.º CPC (1 - A indemnização pode consistir….), 544.º CPC (Quando a parte for um incapaz, a responsabilidade …da indemnização recai sobre o seu representante que esteja de má-fé na causa)

A primeira questão a abordar é a do âmbito da excepção do n.º2 do art.º 129º da Lei 62/2013, de 26 de Agosto. Aí se excepciona da competência dos juízos de execução “as execuções de sentenças proferidas por secção criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante um juízo cível”.

A resposta deve ser procurada na lei processual, penal donde se retira que a execução corre perante o tribunal/secção penal da condenação, quando a condenação for em quantia determinada ou determinável, e perante o tribunal civil, servindo de título executivo a sentença penal, quando o tribunal, não dispondo de elementos bastantes para fixar a indemnização, condenar no que se liquidar em execução de sentença. 


Do regime normativo transcrito resulta claro que as secções de competência especializada criminal da Instâncias Centrais, são competentes para a execução da suas decisões condenatórias proferidas na sequência de pedido cível deduzido em processo crime, por força do princípio da adesão contido no art. 71.º e segts. do Código de Processo Penal. E no caso é tanto mais assim já que o Acórdão condenatório condenou e fixou uma quantia líquida, sem necessidade de previamente ocorrer liquidação em execução de sentença, na nomenclatura do artigo 82º n.º1 do Código de Processo Penal. [...]

Na economia do instituto da adesão a disposição do art.º 82º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ao consagrar, nos casos de necessidade de prévia liquidação, a competência é do tribunal civil, constitui a excepção, já que a regra é a competência do tribunal criminal para executar as suas decisões mesmo em matéria de indemnização.

Saber se este regime legal que resulta do Código de Processo Penal e foi ressalvado de modo expresso pela LOSJ se compatibiliza com a filosofia que essa lei quis implementar é outra e diversa questão.

Nesta vertente não estamos perante um problema ainda interpretativo mas legislativo, e não pode o intérprete a pretexto de interpretação violar a separação de poderes e sonegar parcela do poder legislativo. A interpretação não se pode reconduzir a uma meraerrata onde o intérprete, a gosto e a contento, diz que o legislador disse aquilo que ele intérprete entende que ele devia ter dito.

Concede-se, como ao cabo e ao resto sustenta o Ex.mo juiz da instância criminal, que não fará muito sentido que a execução das decisões da instância civil seja da competência da secção de execução e as penais, em quantia certa não.

A solução legal global, quando escrutinada no contexto da declarada intencionalidade que presidiu à Lei n.º 62/2013, parece disrupta, mas tendo sido mantida pela Lei n.º 62/2013 a solução constante do art.º 82º, n.º 1, do Código de Processo Penal, até ponderação legislativa em contrário é a que, no nosso modo de ver, vigora e por isso a aplicável."


MTS

27/10/2015

Bibliografia (215)



-- Dentamaro, A., Il trattamento concorsuale dei finanziatori di società di capitali (Edizioni Scientifiche Italiane: Napoli 2015)

Jurisprudência (217)



Pacto de jurisdição; validade; Reg. 44/2001


1. O sumário de RP 1/10/2015 (588/13.6TVPRT.P1) é o seguinte:

I - Se a acção emerge de uma relação plurilocalizada, respeita a matéria comercial com conexão ao território de Estados-Membros da União Europeia e pelo menos uma das partes tem domicílio num dos Estados-Membros, a competência internacional para julgar a acção é definida pelo Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 22.12.2000, relativo à Competência Judiciária, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial.

II - O Regulamento n.º 44/2001 é directamente aplicável às acções compreendidas no respectivo âmbito territorial, material e temporal e tem primazia sobre as normas correspondentes do direito interno, excluindo a aplicação destas, designadamente na parte em que estabelecem requisitos de validade dos pactos de atribuição de jurisdição não previstos no Regulamento.

III - Nos termos do Regulamento n.º 593/2008, de 17.06.2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I), o contrato rege-se pela lei escolhida pelas partes e a existência e a validade substancial do contrato ou de alguma das suas disposições são reguladas pela lei que seria aplicável, por força desse regulamento, se o contrato ou a disposição fossem válidos.

IV - A noção de pacto de jurisdição do Regulamento n.º 44/2001 é autónoma relativamente aos direitos nacionais dos Estados-Membros, pelo que os seus requisitos são estritamente os elencados no Regulamento e a sua validade não depende de qualquer conexão entre o objecto do litígio e o tribunal designado ou de um interesse atendível na sua localização.

V - Prescindindo o Regulamento n.º 44/2001, para a validade do pacto, do requisito da alínea c) do n.º 3 do artigo 99.º do aCPC (94.º do nCPC), o mesmo não poderá ser exigido por via de outra norma do direito nacional, designadamente o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais.
 
VI - Num contrato celebrado entre um empresário ou entidade equiparada, a validade do pacto de jurisdição é analisada, exclusivamente, segundo o disposto no art. 23.º, do Regulamento n.º 44/2001, sendo inaplicável o regime jurídico interno das cláusulas contratuais gerais ainda que a cláusula que contém aquele pacto possa estar abrangida por este regime.

VII - O art. 24.º do Regulamento n.º 44/2001 contém uma situação de extensão da competência e não de redução da competência, pelo que a instauração de uma acção num tribunal diferente do designado no pacto de jurisdição não significa uma renúncia tácita ao pacto para novas acções.

VIII - Não actua em abuso de direito a parte que instaura uma acção num tribunal diferente do designado no pacto de jurisdição e depois, ao ser demandado em acção instaurada pelo ali réu no tribunal do mesmo Estado-Membro, argui a incompetência deste por violação do pacto de jurisdição, uma vez que a competência para a acção por si instaurada apenas se fixou em virtude de o réu ter comparecido e apresentado a sua defesa sem arguir a incompetência, gerando dessa forma a extensão da competência.


2. O acórdão cita e segue, na sua fundamentação, dois posts publicados no Blog: Pactos de jurisdição e swaps: demasiado “nacionalismo” e pouco “europeísmo”? e Pactos de jurisdição e swaps: demasiado "nacionalismo" e pouco "europeísmo"? (2). Atendendo a este facto (que se regista com agrado e se agradece), não se encontra nenhuma razão de discordância da posição defendida no acórdão.

3. O acórdão foi proferido com um voto de vencido, no qual se afirma o seguinte:

"Com todo o devido respeito pela posição sufragada no Acórdão, somos de opinião que a jurisprudência publicada do Tribunal de Justiça sobre a interpretação do artigo 23.º do Regulamento n.º 44/2001 e sobre os artigos da Convenção de Bruxelas e da Convenção de Lugano que o antecederam, consente o entendimento de que a validade do pacto de jurisdição pode ser efectivamente questionada com recurso as normas de direito interno do Estado da lei aplicável. 

Aliás, é nessa medida que se compreende que o artigo 25.º do Regulamento n.º 1215/2012 (que substituiu o Regulamento n.º 44/2001 a partir de 10 de Janeiro de 2015, mas que, como se refere no Acórdão, não tem aplicação à presente acção) tenha passado a referir expressamente que a competência dos tribunais do Estado-Membro designado no pacto é excluída quando o pacto for, nos termos da lei desse Estado-Membro, substantivamente nulo".


Não se discute -- nem nunca se discutiu -- que a validade do pacto de jurisdição também deva ser apreciada pelo direito interno do foro (incluindo as respectivas regras de conflitos: cf. consid. (20) Reg. 1215/2012). O  pacto de jurisdição é um negócio jurídico como qualquer outro, pelo que comporta aspectos substantivos relativos à sua validade como qualquer negócio (basta pensar nos aspectos relacionados com a formação e a expressão da vontade). O que não pode suceder é que esses aspectos sejam incompatíveis com aqueles que o art. 25.º, n.º 1, Reg. 1215/2012 exige (nomeadamente, em matéria de forma) ou sejam relativos a regimes jurídicos não aplicáveis no caso concreto (como pode acontecer com o regime respeitante às cláusulas contratuais gerais).

MTS

26/10/2015

Jurisprudência europeia (TJ) (75)


Reg. 1896/2006 – Procedimento europeu de injunção de pagamento – Oposição extemporânea – Pedido de reapreciação da injunção de pagamento europeia – Exceção de incompetência do tribunal de origem – Injunção de pagamento europeia emitida de forma indevida, tendo em conta os requisitos estabelecidos no regulamento – Não emissão de forma ‘claramente’ indevida – Inexistência de circunstâncias ‘excecionais’


TJ  22/10/2015 (C‑245/14, Thomas Cook Belgium/Thurner Hotel) decidiu:

O artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento, conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.° 936/2012 da Comissão, de 4 de outubro de 2012, deve ser interpretado no sentido de que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, se opõe a que um requerido que, em conformidade com este regulamento, foi notificado de uma injunção de pagamento europeia possa validamente pedir a reapreciação dessa injunção, alegando que o tribunal de origem se declarou competente, indevidamente, com base em informações pretensamente falsas, prestadas pelo requerente no formulário de requerimento dessa injunção de pagamento.


Jurisprudência europeia (TJ) (70)


Reg. 44/2001 – Âmbito de aplicação – Queixa com constituição de parte civil – Litispendência – Ação submetida à apreciação de um tribunal de outro Estado-Membro – Fase da instrução em curso – Data em que se considera que a ação está submetida à apreciação do tribunal


TJ 22/10/2015 (C‑523/14, Aannemingsbedrijf Aertssen et al./VSB Machineverhuur et al.) decidiu:

1)      O artigo 1.º do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que uma queixa com constituição de parte civil apresentada num tribunal de instrução está abrangida pelo âmbito de aplicação desse regulamento na medida em que tenha por objeto a indemnização pecuniária do prejuízo alegado pelo queixoso.

2)      O artigo 27.º deve ser interpretado no sentido de que uma ação é submetida , na aceção desta disposição, quando é apresentada uma queixa com constituição de parte civil num tribunal de instrução e a fase da instrução ainda não está concluída.

3)      O artigo 30.º do Regulamento n.º 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que, quando uma pessoa apresenta uma queixa com constituição de parte civil num tribunal de instrução mediante a apresentação de um ato que, segundo o direito nacional aplicável, não deve ser notificado antes dessa apresentação, a data em que se deve considerar que a ação foi submetida à apreciação desse tribunal é a data em que a queixa foi apresentada.


Jurisprudência europeia (TJ) (69)



Reg. 2201/2003 – Âmbito de aplicação – Atribuição, exercício, delegação, limitação ou cessação da responsabilidade parental – Conceito de ‘responsabilidade parental’ – Litígio entre os progenitores relativo à viagem do seu filho e à emissão do seu passaporte – Extensão da competência – Requisitos – Aceitação da competência dos órgãos jurisdicionais onde o processo foi instaurado – Não comparência do demandado – Não contestação da competência pelo mandatário do demandado designado oficiosamente pelos órgãos jurisdicionais onde o processo foi instaurado


TJ 21/10/2015 (C‑215/15, Gogova/Iliev) decidiu:

1)      A ação pela qual um dos progenitores pede ao juiz que supra a falta de consentimento do outro progenitor para o seu filho viajar para fora do Estado‑Membro da sua residência e para a emissão de um passaporte em nome desse filho é abrangida pelo âmbito de aplicação material do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000, e isto, mesmo que a decisão proferida no fim dessa ação deva ser tomada em consideração pelas autoridades do Estado‑Membro da nacionalidade da referida criança, no âmbito do processo administrativo relativo à emissão desse passaporte.

2)      O artigo 12.°, n.° 3, alínea b), do Regulamento n.° 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que não se pode considerar que a competência dos tribunais onde foi apresentado um pedido em matéria de responsabilidade parental tenha sido «aceite explicitamente ou de qualquer outra forma inequívoca por todas as partes no processo», na aceção desta disposição, pela simples razão de o mandatário ad litem que representa o demandado, designado oficiosamente por esses tribunais devido à impossibilidade de notificar a este último o requerimento introdutório da instância, não ter suscitado a incompetência dos referidos tribunais.


Jurisprudência (216)


Recurso de apelação; impugnação da matéria de facto; 
ónus do recorrente; poderes do STJ


1. O sumário de STJ 1/10/2015 (6626/09.0TVLSB.L1.S1) é o seguinte:


I - Resulta da conjugação dos arts. 665.º e 679.º do NCPC (2013) que ao STJ é vedado tomar conhecimento de questões que a 2.ª Instância não conheceu, pelo que lhe é inviável apreciar o requerimento de junção de documentos apresentado na Relação.

II - Estando a apreciação dos documentos juntos dependente, desde logo, da sua admissão e sendo os poderes do STJ em matéria de facto limitados à ocorrência de ofensas a disposições legais expressas que fixem a exigência de um meio de prova para a demonstração da existência de um facto ou a força probatória de certo meio de prova (n.º 3 do art. 674.º e n.º 2 do art. 682.º, ambos do NCPC), não cabe, igualmente, a este Tribunal apreciar tais meios probatórios.

III - Para determinar se a Relação pode ou não controlar a decisão da 1.ª Instância sobre matéria de facto há apenas que saber se a impugnação foi concretizada e fundamentada nos termos legalmente impostos, não havendo, pois, que atender à maior ou menor extensão da discordância patenteada pela apelante com essa impugnação.


 IV - A impugnação da matéria de facto não se destina a que a Relação reaprecie global e genericamente a prova apreciada em 1.ª Instância, não sendo admissível, como se extrai do preâmbulo do DL n.º 39/95, de 15-02, um ataque genérico à decisão da matéria de facto e impondo-se, ao invés, ao recorrente um especial ónus de alegação no que respeita à definição do objecto do recurso e à sua fundamentação, em decorrência dos princípios da cooperação, lealdade e boa fé processuais, por forma a assegurar a seriedade do próprio recurso e a obviar a que este seja usado para fins dilatórios.

V - O ónus de alegação referido em IV contempla, desde a sua criação em 1995 e até à actualidade, a indicação precisa dos pontos da matéria de facto que se pretende questionar e a especificação dos meios de prova constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que imponham decisão diversa, tendo a al. c) do n.º 1 do art. 640.º do NCPC (2013) aditado a exigência de que o recorrente especificasse a decisão que deverá ser tomada sobre as questões factuais impugnadas, sob pena de rejeição do recurso de facto.

VI - Tendo a recorrente, nas alegações e nas conclusões, identificado os concretos pontos de facto que tem como mal julgados, indicado os meios de prova que deveriam ter conduzido a um resultado probatório diverso e transcrito parte dos depoimentos, não se pode manter a decisão de rejeição do recurso sobre matéria de facto, pelo que os autos devem baixar à Relação a fim de o apreciar e, bem assim, de tomar posição sobre o requerimento referido em I e, se for caso disso, de apreciar os documentos que se pretende juntar.

2. Ao ponto sumariado em I corresponde a seguinte passagem do acórdão:
 
"-- O Supremo Tribunal de Justiça não pode substituir-se ao Tribunal da Relação de Lisboa, nem na apreciação do requerimento de junção de documentos, nem na apreciação dos documentos em si mesmos.

Quanto ao primeiro aspecto, porque o Supremo Tribunal de Justiça não pode apreciar questões das quais a Relação não conheceu; compare-se o resultado da conjugação entre os actuais artigos 679º e 665º, com aquele que decorria da conjugação entre os anteriores artigos 726º e 715º, preceito do qual apenas se excluía a aplicação do respectivo nº 1.

Quanto ao segundo, desde logo porque a apreciação dos documentos está dependente da sua admissão; para além disso, sempre subsistiria o obstáculo resultante do disposto nos actuais artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2, que limitam a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito da matéria de facto, ao conhecimento de eventuais ofensas de disposições legais expressas quanto à exigência de “certa espécie de prova para a existência do facto” ou que fixem “a força de determinado meio de prova”. Não estamos perante nenhuma dessas duas hipóteses".


A afirmação de que o "Supremo Tribunal de Justiça não pode apreciar questões das quais a Relação não conheceu" é muito discutível. A verdade é que, como já houve oportunidade de referir (cf. Recurso de revista: cassação ou substituição?), se é certo que, nos termos do art. 679.º CPC, o STJ não pode aplicar o disposto no art. 665.º, n.º 2, CPC, é igualmente certo que às questões não conhecidas pela Relação se aplica, precisamente por imposição do mesmo art. 679.º CPC, o estabelecido no art. 682.º, n.º 3, CPC.

MTS 



24/10/2015

Jurisprudência constitucional (56)



Processo equitativo; proibição de decisões-surpresa


TC 13/10/2015 (510/2015) decidiu o seguinte:
 
[...] julgar inconstitucional o artigo 796.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, na redação do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, na interpretação segundo a qual «a sentença proferida em processo sumaríssimo, na qual se considera verificada a exceção da incompetência do tribunal em razão da matéria, pode ser proferida sem facultar às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre essa questão, quando até então nenhuma das partes ou o tribunal a tinham colocado, debatido ou de qualquer forma a ela referido», por violação do direito ao contraditório, ínsito na garantia do processo equitativo prevista no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição [...].



Bibliografia (214)



-- Guedes da Costa, O., Direito Profissional do Advogado, 8.ª ed. (Almedina: Coimbra 2015)

-- Júdice, J. M./Figueiredo, J. M., Acção de Reconhecimento da Propriedade Privada sobre Recursos Hídricos, 2.ª ed. (Almedina: Coimbra 2015)

-- Salvador da Costa, O Concurso de Credores, 5.ª ed.  (Almedina: Coimbra 2015)


23/10/2015

Jurisprudência (215)



Recurso de revisão; prazo de interposição; constitucionalidade



I. O sumário de RC 8/9/2015 (2827/07.3TBFIG-A.C1) é o seguinte:

1. A interpretação da norma contida no nº 2 do artº 697º do CPC, no sentido de que o prazo aí previsto (de 5 anos) é contado desde o trânsito em julgado da decisão a rever, não sofre de inconstitucionalidade, porquanto exceciona expressamente, da sujeição a esse prazo, os direitos de personalidade.

2. As demais ações que, por exclusão de partes terão por objeto direitos de natureza patrimonial, não necessitam de sacrificar na mesma medida daquelas cujos interesses envolvidos estão diretamente relacionados com direitos de personalidade, os fundamentos do caso julgado, como sejam, a segurança, a certeza jurídica, a estabilidade e paz social.

3. O recurso de revisão já é em si, um mecanismo que põe em causa tais valores, em prol da sobreposição de outros como a verdade material e a justiça do caso. Permite-se de forma excecional rever um caso já transitado, em apelo ao princípio da justiça material.

4. Mas, considerando a natureza da decisão a rever, meramente patrimonial, não deve este mecanismo ser usado para lá de limites temporais considerados razoáveis, eternizando a possibilidade de sacrificar a estabilidade da decisão. O prazo de 5 anos é razoável.

5. A falta de citação pode ser invocada no recurso de revisão (alª e) do art. 696 do CPC). Pressuposto para o seu conhecimento é que estes sejam intentados em prazo (art. 697 nº 2).
 

II. A fundamentação do acórdão contém a seguinte passagem:

"A decisão recorrida considerou, não obstante, o recurso de revisão intempestivo, por aplicação da norma do artigo 697 nº 2 do CPC

Dispõe esta que:

«Prazo para a interposição (…)

2 - O recurso não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão, salvo se respeitar a direitos de personalidade, e o prazo para a interposição é de 60 dias, contados:

a) No caso da alínea a) do artigo anterior, do trânsito em julgado da sentença em que se funda a revisão; (…)». [...]

Esta norma corresponde à do art. 772 do CPC de 1961, tendo a novidade, relativamente ao regime anterior, de não vincular a tal prazo de cinco anos sobre o trânsito em julgado, a decisão que respeite a direitos de personalidade.

A apontada novidade/exceção legal, surgida na sequência das posições jurisprudenciais do Tribunal Constitucional, referidas na decisão em recurso, e que parcialmente se mostram transcritas na decisão da 1ª instância supra reproduzida, reflete o reconhecimento por parte do legislador da necessidade de reconhecer um tratamento diferenciado, mais próximo da justiça do caso concreto e da verdade material, quando no caso estão envolvidos direitos de personalidade, como no caso das ações de reconhecimento de paternidade.

Assim, as demais ações, que por exclusão de partes terão por objeto direitos de natureza patrimonial, não necessitam, no entender do legislador, de sacrificar na mesma medida daquelas cujos interesses envolvidos estão diretamente relacionados com direitos de personalidade, os fundamentos do caso julgado, como sejam, a segurança, a certeza jurídica, a estabilidade e a paz social.

Em síntese, diremos que, a lei reconhecendo embora a necessidade de reapreciação de determinados casos, com possível destruição do caso julgado anterior, estando em causa circunstâncias graves, consagra para o efeito, o recurso de revisão, mas estabelece um prazo de 5 anos desde o trânsito em julgado para a sua instauração, a menos que estejam em causa direitos de personalidade, situação em que não recai qualquer prazo de caducidade.

A recorrente considera que este prazo, contado desde o trânsito em julgado da decisão e não do conhecimento da mesma é, ainda assim, inadmissível no seu caso concreto, por contender com o princípio constitucional do contraditório onde se integra a proibição da indefesa, devendo, por isso, considerar-se tal norma inconstitucional.

Apoia-se, para tanto, no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 209/04, proc. 798/03, relator Conselheiro Gil Galvão, de 24/03/2004 e reportado ao art. 772 nº 2 do CPC de 1961 in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos, que declarou “a inconstitucionalidade, por violação do princípio do contraditório onde se integra a proibição da indefesa ínsito nos arts. 2 e 20 da Constituição, da norma contida no art. 772/2, 1ª parte, que prevê um prazo absolutamente perentório de 5 anos para interposição do recurso de revisão, contados desde o trânsito em julgado da sentença, quando interpretada no sentido de ser aplicável aos casos em que foi proferida decisão cuja revisão é requerida foi uma ação de investigação de paternidade, que correu à revelia e seja alegado para fundamentar o pedido de revisão, a falta ou nulidade de citação”.

Este acórdão reporta-se a um recurso de revisão emergente de uma ação oficiosa de investigação de paternidade que correu à revelia da pessoa que fora declarada pai do investigando, em que este alega falta ou nulidade de citação para a respetiva ação.

Já o Acórdão do Tribunal Constitucional 310/2005, processo 1009/04, relator conselheiro Rui Moura Ramos, de 8/6/2005, inwww.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos, decidiu “não julgar inconstitucional a norma contida no art. 772, 1ª parte em que refere não poder ser interposto recurso de revisão se tiverem decorrido mais de 5 anos sobre o trânsito em julgado da decisão, quando este caso julgado (é) formado por uma sentença homologatória de partilha, nomeadamente de separação de meações, que tenha corrido à revelia do requerente da revisão com fundamento na falta ou nulidade da citação para esse inventário, nos termos do art. 771 f) CPC”.

A diferença de decisões quanto à (in)constitucionalidade da invocada norma prende-se com a diferente natureza das questões sobre que tal norma incide. Num caso a investigação de paternidade, questão marcadamente pessoal e respeitante a direitos de personalidade, no outro a partilha judicial, implicando a valoração de questões meramente patrimoniais.

A valoração de questões diferentes conduziu a diferentes decisões do Tribunal Constitucional e conduziu ao regime legal ora em vigor.

Também o presente caso deve ser sujeito a uma ponderação autónoma, atendendo-se aos valores em presença, a fim de determinar se o prazo perentório de 5 anos referido no art. 697 nº 2, 1ª parte, prefigura ou não uma restrição dos direitos decorrentes do art. 20 CRP, designadamente, se põe em causa o princípio do contraditório.

Vejamos.

A necessidade do estabelecimento de um prazo para o recurso de revisão prende-se com o reconhecimento constitucional da intangibilidade do caso julgado, salvo situações excecionais, que a própria Constituição prevê implicitamente nos artigos 2º, 210º, nº 2, e 282º, nº 3, da Constituição da República.

De outro modo, as decisões judiciais teriam uma natureza mutável, que a paz social, a certeza e a segurança jurídicas, desaconselha.

O recurso de revisão já é em si, um mecanismo que põe em causa tais valores, em prol da sobreposição de outros como a verdade material e a justiça do caso. Permite-se de forma excecional rever um caso já transitado, em apelo ao princípio da justiça material.

Mas, considerando a natureza da decisão a rever, meramente patrimonial, não deve este mecanismo ser usado para lá de limites temporais considerados razoáveis, eternizando a possibilidade de sacrificar a estabilidade da decisão.

Choca o sentido de equilíbrio e de razoabilidade que, alguém, tendo obtido uma decisão favorável, cujo objeto respeita somente a interesses patrimoniais, possa ver essa decisão posta em causa, qualquer que seja o fundamento invocado, para lá de determinado prazo, quando supunha que podia nela confiar e dispor do direito através dela obtido ou reconhecido, sem sobressaltos.

O princípio do contraditório e da proibição da indefesa não se podem eternizar em valor absoluto não dando espaço à consolidação da estabilidade e da segurança que a aplicação do direito propugna.

Não deve, por isso, considerar-se inconstitucional a norma que estabelece o prazo de 5 anos desde o trânsito em julgado da decisão, para interpor o respetivo recurso de revisão, seja com fundamento em documento novo, seja com fundamento em nulidade da citação, quando os valores em presença não respeitam a direitos de personalidade.

Numa sociedade inundada de mecanismos rápidos de informação, de eficácia de comunicação, o prazo de 5 anos, com vista à estabilização da decisão, mostra-se razoável face aos interesses em presença: justiça do caso por um lado, segurança e certeza jurídicas, por outro.

Assim, não padece a norma em causa do invocado vício de inconstitucionalidade".

MTS


Paper (127)


-- Klonoff, R. H., Class Actions in the Year 2025: A Prognosis (09.2015)

22/10/2015

Jurisprudência (214)


Competência material; contrato de arrendamento; regime de renda apoiada
 
 
1. O sumário de RP 9/6/2015 (2325/14.9TBVFR.P1) é o seguinte:

É da competência dos tribunais administrativos a acção em que está em causa um contrato de arrendamento submetido ao regime de renda apoiada (DL nº 166/93 de 7/5).
 
 2. Da fundamentação do acórdão consta a seguinte passagem:
 
"De acordo com o disposto no artigo 64 do CPC são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, disposição que também consta da LOSJ – artigo 40/1.
 
Donde resulta que a causa só deverá ser apreciada pelos tribunais judiciais se não entrar na competência de outro tribunal.
 
Quanto aos Tribunais Administrativos dispõe o artigo 212, nº 3, da Constituição da República Portuguesa que “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.
 
O critério de delimitação do “âmbito material assenta, por conseguinte, numa lógica de especialização: trata-se, na verdade, de reservar para uma jurisdição própria a incumbência de administrar a justiça em novo do povo nos litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais” – cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, CRP Anotada, tomo III, pág.148.
 
Critério que também consta dos artigos 1º e 4 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei 13/2002, de 19 de Fevereiro.
 
Porque a lei não clarifica o que deve entender-se por relações jurídicas administrativas Jorge Miranda e Rui Medeiros entendem que o melhor critério é aquele que aponta “o próprio sentido literal da expressão: são relações jurídicas administrativas e fiscais as relações de Direito Administrativo e Fiscal que se regem por normas de Direito Administrativo ou de Direito Fiscal” – obra citada, pág. 148.
 
Dado que a competência do tribunal se avalia em função dos termos em que a acção é proposta importa por isso atentar no teor da petição inicial.
 
Nesta diz-se que o contrato de arrendamento foi celebrado na modalidade de regime de renda apoiada sujeito ao regime do D-L nº 166/93, de 7 de Maio.
 
Este regime tal como decorre daquele diploma é aplicável a habitações destinadas a arrendamento de cariz social que se baseia na existência de um preço técnico, determinado objectivamente, tendo em conta o valor real do fogo, e de uma taxa de esforço determinada em função do rendimento do agregado familiar e é da determinação da taxa de esforço que resulta o valor da renda apoiada cujos critérios a ter em conta são os que constam da Portaria nº 288/83, de 17 de Março.
 
Destes diplomas resulta inequivocamente que a renda obedece a regras específicas de direito administrativo, sendo que a entidade Administrativa pode determinar a transferência do arrendatário e do respectivo agregado familiar para habitação de tipologia adequada dentro da mesma localidade – cfr. artigo 10/2 do D-L nº 166/93.
 
Estando, assim, em causa nos presentes autos um contrato de arrendamento submetido ao regime de renda apoiada nos termos referidos a competência para preparar e julgar o presente litígio é do Tribunal Administrativo territorialmente competente na área tal como decorre do preceituado no artigo 4, nº1, alínea f), do ETAF- neste sentido cfr. Acórdão da RL de 08-05-2012, proc. 22776/100; Acórdão TCAS de 11-04-2013, proc. 09548/12 e Acórdão do STA de 15-05-2013- Conflito de Jurisdição – proc. 08/13, todos no site DGSI".
 
 
3. Importa acrescentar que os tribunais administrativos e fiscais apenas têm competência para apreciar o contrato enquanto contrato administrativo. 
 
Sobre os problemas suscitados pela definição da competência material por um tribunal de recurso, cf. Jurisprudência (210)
 
MTS
 
  

21/10/2015

Jurisprudência constitucional (55)


Custas processuais; proporcionalidade


TC 13/10/2015 (508/2015) decidiu:

[...] Julgar inconstitucionais as normas contidas nos artigos 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e Processo Tributário («CPPT»), 6.º e 11.º do Regulamento das Custas Processuais («RCP»),conjugadas com a tabela I-A anexa, do RCP, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de abril, quando interpretadas no sentido de que, face a impugnação judicial do acto de indeferimento expresso da reclamação graciosa visando a anulação parcial do acto de liquidação de IRC, a que corresponde a taxa de justiça de € 50 697,41 o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título [...]
 
 

Bibliografia (213)


-- Soldi, A. M., Manuale dell'esecuzione forzata, 5.ª ed. (Wolters Kluwer/CEDAM: Padova 2015)


Bibliografia (212)


-- Motto, A., Note per uno studio sull'azione di condanna nella giurisdizione civile, RDC 61 (2015), 911


Jurisprudência (213)



Prova por declarações de parte;iniciativa oficiosa


I. O sumário de RG 17/9/2015 (912/14.4TBVCT-A.G1) é o seguinte:

1) O tribunal pode, oficiosamente, determinar a realização da prova por declarações de parte;

2) Pode igualmente o tribunal servir-se dos depoimentos de parte e considerá-los como declarações de parte, para efeitos de poder apreciar livremente as declarações das partes.

II. Na fundamentação refere-se o seguinte:

"A questão que se levanta é a de saber se, não tendo sido requerido pelas partes, o tribunal poderia, oficiosamente, servir-se dos depoimentos de parte e considerá-los como declarações de parte, para efeitos de poder apreciar livremente as declarações das partes, nos termos do disposto no artigo 466º nº 3 do NCPC, isto é, se o tribunal pode determinar oficiosamente a produção de tal meio de prova.

Não obstante existam defensores da posição que entende que tal meio de prova só pode ser requerido pelas partes – Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 356, Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum, À Luz do Processo Civil de 2013, Coimbra Editora, 2013, p. 278 e Acórdão da Relação de Lisboa de 10/04/2014, proferido na apelação nº 2022/07.1TBCSC-B.L1-2, pela Desembargadora Ondina do Carmo Alves, no endereço www.dgsi.pt –, a verdade é que se entende que o tribunal pode determinar a sua realização oficiosa, por duas ordens de razões.

Por um lado, o artigo 466º NCPC não estabelece qualquer proibição direta de o tribunal poder determinar a realização de tal meio de prova oficiosamente, importando notar que, por força do princípio do inquisitório, incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer (artigo 411º NCPC).

Por outro lado, importa notar que o artigo 466º, nº 2, NCPC estabelece que “às declarações das partes se aplica o disposto no artigo 417º e ainda, com as necessárias adaptações, o estabelecido na secção anterior.”

Precisamente, na secção anterior, no artigo 452º, nº 1, estabelece-se que “o juiz pode, em qualquer estado do processo, determinar a comparência pessoal das partes para a prestação de depoimento, informações ou esclarecimentos sobre factos que interessem à decisão da causa”, o que claramente permite que o tribunal determine oficiosamente a realização de tal meio de prova – neste mesmo sentido cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, [
in As Malquistas Declarações de Parte, em Colóquio organizado pelo STJ, sobre o Novo Código de Processo Civil, disponível na página do mesmo Tribunal] e Paulo Ramos de Faria, in Primeiras Notas do Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, I Vol., p. 365.

Ora, conforme resulta das alegações dos apelantes, os mesmos limitam-se a defender a tese da inadmissibilidade dos depoimentos e não a sua substancialidade, pelo que, sendo admissíveis as declarações prestadas pelos requeridos, a apelação terá de improceder e, em consequência, manter-se a decisão sobre a matéria de facto, bem como decisão jurídica da causa, constante da douta sentença recorrida que, assim, se manterá".

III. O acórdão segue a orientação que já foi defendida no post Prova por declarações de parte; relações jurídicas indisponíveis, no qual também se argumenta com a remissão realizada pelo art. 466.º, n.º 2, CPC para (entre outros) o art. 452.º, n.º 1, CPC.

MTS