"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



20/09/2016

Jurisprudência (430)



Advogado; sigilo profissional; interpelação para cumprimento; 
domicílio convencionado; embargos de executado; ónus da prova


1. O sumário de RE 5/5/2016 (3017/14.4T8LSB-A.E1) é o seguinte: 

I - Se a correspondência entre o advogado e a parte contrária, não obstante junta aos autos, não tiver qualquer relevância para a decisão final, é inútil decidir o recurso interlocutório para aquilatar se ocorre violação ou não do dever de sigilo profissional a que alude o art. 87.º, n.º 1, al. e), do EOA, e, portanto, se o documento é ou não admissível como meio de prova.
 
II - O julgamento de mérito ou de fundo no despacho saneador só pode ocorrer quando o processo fornece já os elementos suficientes para que o litígio em causa possa ser decidido com segurança, ou seja, quando não existe prova a produzir quanto a factos essenciais para a decisão da causa.
 
III - Existindo domicílio convencionado para as comunicações entre as partes que outorgaram o contrato, e tendo a exequente procedido à junção aos autos do aviso de recepção relativo à carta expedida para interpelação da subscritora e dos avalistas, o qual se mostra assinado com o nome de um dos executados, e cabendo aos executados o ónus da prova da falta de interpelação, não basta para que se conclua pela sua não verificação a afirmação genérica por estes da falta de recepção da interpelação, razão por que, não existe factualidade a apurar que demande o prosseguimento dos autos.
 
IV - Cabe aos embargantes (executados) - e não ao embargado (exequente) - o ónus de alegação e prova de que a quantia exequenda não respeita o acordo que esteve na base do preenchimento das livranças dadas à execução, portanto, do preenchimento abusivo, enquanto facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito emergente do título de crédito, nos termos do artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil, não bastando para tanto a mera invocação de que desconhecem como foi o título preenchido.
 

2. Do acórdão consta o seguinte trecho:

"No verso dos referidos documentos foi aposta a menção “Por aval à firma subscritora”, seguida das assinaturas dos 2.º e 3.º executado.

Temos, portanto, que tendo os executados assumido terem assinado os indicados títulos de crédito, na qualidade de subscritora (a primeira) e avalistas das livranças dadas à execução (os segundo e terceiro), tal tem desde logo consequências em face das sobreditas características dos títulos executivos em questão.

Assim, da livrança decorre desde logo que a sociedade comercial AA, Ld.ª, sendo a subscritora da livrança é a primeira obrigada no cumprimento da promessa de pagamento da quantia aposta na mesma.

Porém, este pagamento pode ser no todo ou parte garantido por aval, conforme decorre do artigo 30.º § 1.º da LULL, aplicável ex vi do disposto no artigo 77.º. Trata-se de uma garantia das obrigações do devedor que não vem prevista no Código Civil e se mostra expressamente consagrada no regime especial decorrente da LULL.

Ora, conforme também se mostra assente, no verso da livrança em causa nos presentes autos, depois dos dizeres “Por aval à firma subscritora” constam as assinaturas dos 2.º e 3.º executados.

Significa esta menção que os 2.º e 3.º embargantes deram o seu aval, ao assinar as livranças como avalistas da firma subscritora, porquanto o aval resulta da simples assinatura do dador (artigo 31.º, § 3.º), exprimindo-se pelas palavras “bom para aval” ou por qualquer fórmula equivalente escrita na própria livrança (artigo 31.º, § 1.º e 2.º), como é seguramente a expressão “por aval à firma subscritora”.

Assim, nos termos do artigo 30.º § 2.º da LULL, os referidos embargantes, ao assinarem a livrança depois dos indicados dizeres garantem no todo ou em parte, o respectivo pagamento por parte da sua subscritora e obrigada cambiária.

O aval é, assim, o acto pelo qual um terceiro ou um signatário da livrança garante o pagamento dela por parte de um dos subscritores. Por isso, a obrigação do avalista é uma obrigação de garantia da obrigação do avalizado, cuja função específica é garantir ou caucionar a obrigação do subscritor cambiário, inserindo-se ao lado da obrigação deste, cobrindo-a e caucionando-a [...].

Prestada esta garantia, e atenta a sua função específica de caucionar ou assegurar o prometido pagamento, o avalista, enquanto dador da garantia, não tem uma responsabilidade secundária relativamente ao obrigado principal. O avalista tem, perante o beneficiário do aval que é o portador da livrança, uma responsabilidade primária, não gozando de qualquer benefício de excussão prévia como o que se encontra previsto para a fiança no artigo 638.º do Código Civil [...]. 

O mesmo é dizer que o dador do aval responsabiliza-se directamente pelo pagamento da livrança, não estando o beneficiário do aval obrigado a exigir o pagamento, em primeiro lugar, ao subscritor. O avalista é solidariamente responsável com o subscritor e, como tal, pode ser accionado individual ou conjuntamente com os demais obrigados e sem necessidade de observância da ordem por que estes se obrigaram (artigo 47.º da LULL).

Na verdade, o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa afiançada (artigo 32.º § 1.º da LULL), o que significa que a medida da responsabilidade do avalista é a do avalizado. 

De facto, o aval, sendo uma garantia do pagamento da livrança, não tem carácter subsidiário em relação à obrigação de pagamento desta, mas antes cumulativo; ou seja, embora o aval seja acessório da obrigação principal do subscritor da livrança, a obrigação do avalista é originada por uma obrigação autónoma: a obrigação cambiária por si assumida ao subscrever a livrança nessa qualidade.

Por isso, o artigo 32.º da LULL constitui uma expressa afirmação legal da força que a livrança assume enquanto título de crédito. Efectivamente, o aval é um acto cambiário que origina também ele uma obrigação autónoma independente, cujos limites são aferidos pelo próprio título [...].

E, sendo um título circulante, a lei assegura-se que o portador (que pode não ser o tomador inicial) possa saber com toda a segurança, por simples inspecção do título que se lhe apresenta e sem necessidade de ter em conta quaisquer outros elementos exteriores, quais os direitos que lhe assistem e contra quem os pode accionar, isto é, quem são os respectivos signatários e em que qualidade se constituíram em obrigados cambiários. Daí que, em decorrência da sobredita característica da abstracção do título, por força do disposto no artigo 32.º § 2.º da LULL, a obrigação do avalista se mantenha mesmo que a obrigação que ele garantiu seja nula por qualquer razão que não seja um vício de forma."


[MTS]