"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



31/10/2016

Informação (149)



II Congresso Luso-Brasileiro de Direito Processual Civil

Nos próximos dias 3 e 4 realiza-se na Faculdade de Direito de Lisboa o II Congresso Luso-Brasileiro de Direito Processual Civil. Para mais informações clicar aqui



Paper (239)


-- Grossi, S., A Principled Approach to Procedural Reform: Zooming in on the Claim (09.2016)


 

Jurisprudência (468)



Direito ao recurso; alçada; sucumbência
constitucionalidade




O sumário de STJ 19/5/2016 (122702/13.5YIPRT.P1.S1) é o seguinte:

1. Com excepção dos casos previstos no art. 629º, nº 2, do CPC (ressalvado pelo art. 671º, nº 2, al. a)), a interposição de recurso de revista pressupõe que o valor da acção seja superior à alçada da Relação e que o valor da sucumbência seja superior a metade dessa alçada.

2. O direito ao recurso e designadamente o de interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça pode ser limitado pelo legislador ordinário.

3. A norma do art. 629º, nº 1, do CPC, que limita o direito ao recurso em função do valor do processo e do valor da sucumbência não sofre de inconstitucionalidade material.
 

II. Da fundamentação do acórdão retira-se o seguinte trecho:

"Atenta a natural escassez dos meios disponibilizados para administrar a Justiça, a necessidade da sua racionalização contende com a admissibilidade ilimitada de recursos que, aliás, não encontra sustentação no texto constitucional.

Por isso a jurisprudência constitucional vem expressando o entendimento de que, em matéria cível, o direito de acesso aos tribunais não integra forçosamente o direito ao recurso ou o chamado duplo grau de jurisdição. [Cfr. Lopes do Rego, Comentários ao CPC, pág. 453, e “O direito fundamental do acesso aos tribunais e a reforma do processo civil”, em Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, págs. 763 e segs., citando jurisprudência do Tribunal Constitucional, segundo a qual o que existe é um “genérico direito ao recurso de actos jurisdicionais, cujo conteúdo pode ser traçado pelo legislador ordinário, com maior ou menor amplitude”, ainda que seja vedada “a redução intolerável ou arbitrária” desse direito. Cfr. ainda diversa jurisprudência citada por Lebre de Freitas e Cristina Máximo dos Santos em O Processo Civil na Constituição, págs. 167 e segs. Sobre o princípio do duplo grau de jurisdição e sua conexão com a CRP cfr. ainda Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª ed., págs. 72 a 76] Também tem sido assumido que tal direito não é necessariamente decorrente do que se dispõe na Declaração Universal dos Direitos do Homem ou na Convenção Europeia dos Direitos do Homem. [Cfr. Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, págs. 99 e 100].

Em suma, o direito ao recurso, como na generalidade dos ordenamentos jurídicos contemporâneos, não se apresenta com natureza absoluta, convivendo sempre com preceitos que fazem depender a multiplicidade de graus de jurisdição de determinadas condições objectivas ou subjectivas. [Cfr. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª ed., pág. 75].

Seguramente que a previsão da existência de três graus de jurisdição no ordenamento jurídico-constitucional implica que a lei ordinária admita a possibilidade de serem interpostos recursos para a Relação ou desta para o Supremo Tribunal de Justiça. Nessa medida, seria inconstitucional a exclusão arbitrária do direito de recorrer em determinados processos ou a elevação do valor das alçadas a tal ponto que vedasse a interposição de recursos relativamente a acções de valor significativo, contrariando o princípio da proporcionalidade.

Sendo permitido afirmar que está vedado ao legislador suprimir em bloco a recorribilidade ou fazê-la depender de circunstâncias que traduzam a violação do princípio da proporcionalidade [Cfr. Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, pág. 101, Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., pág. 377, e Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª ed., pág. 75], tal não determina, porém, que toda e qualquer restrição a um ou mais graus de jurisdição traduza violação de regras ou de princípios constitucionais.

Como refere Lopes do Rego, as “limitações derivam, em última análise, da própria natureza das coisas, da necessidade imposta por razões de serviço e pela própria estrutura da organização judiciária de não sobrecarregar os Tribunais Superiores com a eventual reapreciação de todas as decisões proferidas pelos restantes tribunais” [Em “O direito fundamental do acesso aos tribunais e a reforma do processo civil”, inserido em Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, pág. 764.]

Embora a este respeito não se identifique um critério formal delimitador dos poderes do legislador ordinário, pode concluir-se, com Ribeiro Mendes, que, dentro dos princípios enunciados, o legislador “poderá ampliar ou restringir os recursos civis, quer através da alteração dos pressupostos de admissibilidade, quer através da mera actualização dos valores das alçadas” [Recursos em Processo Civil, pág. 101. Cfr. ainda Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., pág. 378, ou o Ac. do Trib. Const., de 6-4-99, BMJ 486º/44. Noutro acórdão, de 11-2-98, BMJ 474º/85, refere-se que os limites do direito de recorrer decorrentes da articulação entre o valor da causa e as alçadas não consubstanciam restrições a um direito fundamental – o direito ao recurso – incompatível com a Constituição, já que desta não resulta a existência de um direito irrestrito a impugnar todas as decisões judiciais, não podendo inferir-se dos princípios constitucionais a existência de um triplo grau de jurisdição].

O critério adoptado pelo legislador ordinário assenta essencialmente no valor do processo e da sucumbência, conexo com o valor da alçada da 1ª instância ou da Relação, consoante o recurso seja interposto para a Relação ou para o Supremo Tribunal de Justiça.

É, pois, o valor da alçada o factor que é determinante para a recorribilidade, sendo relativamente a esse referencial que se poderá aferir se a norma que o fixa está ou não está afectada pela violação do princípio da proporcionalidade."

[MTS]




30/10/2016

Informação (148)



200.000 visualizações


O Blog atingiu ontem as 200.000 visualizações. Trata-se de um número que, excedendo todas as expectativas iniciais (não é preciso dizê-lo), mostra que o Blog presta um serviço que a comunidade jurídica considera útil. A confirmação desta utilidade pelos números é suficiente para nos sentirmos recompensados..

O Blog tem actualmente cerca de 12.000 visualizações mensais. É interessante verificar que, ao contrário do que se poderia esperar, o número de visualizações é significativo aos fins de semana e durante as férias judiciais do Natal e da Páscoa. Isto significa que há muitos leitores que aproveitam os tempos livres para se inteirarem das novidades publicadas no Blog.

O Blog dá atenção não só ao processo civil português, mas também ao processo civil europeu. Esta circunstância terá ajudado a chamar a atenção para uma dimensão europeia do processo civil que hoje não pode ser descurada.

Volta a lembrar-se que as publicações do IPPC podem ser seguidas quer no Blog, quer nas páginas do IPPC no twitter e no Facebook. Nestas últimas é ainda partilhada alguma informação complementar que pode ter relevância para quem se interessa pelo processo civil.

MTS


Paper (238)


-- Angelo Lupoi, M., Nowhere fast? Shortcuts to judgment in recent Italian procedural legislation (10.2016) (via academia.edu)


28/10/2016

Jurisprudência uniformizada (25)


Abuso de direito, tutela da confiança;
representação tolerada



Ac. STJ 14/2016, de 28/10 decidiu o seguinte:

Age com abuso de direito, na vertente da tutela da confiança, a massa falida, representada pelo respectivo administrador, que invoca contra terceiro - adquirente de boa fé de bem imóvel nela compreendido - a ineficácia da venda por negociação particular, por nela ter outorgado auxiliar daquele administrador, desprovido de poderes de representação (arts. 1211.º e 1248.º do CPC, na versão vigente em 1992), num caso em que é imputável ao administrador a criação de uma situação de representação tolerada e aparente por aquele auxiliar, consentindo que vários negócios de venda fossem por aquela entidade realizados e permitindo que entrasse em circulação no comércio jurídico certidão, extraída dos autos de falência, em que o citado auxiliar era qualificado como encarregado de venda.




Jurisprudência europeia (TJ) (112)


Reg. 2201/2003 – Transferência do processo para um tribunal de outro Estado‑Membro – Âmbito de aplicação – Requisitos de aplicação – Tribunal mais bem colocado – Superior interesse da criança
 

TJ 27/10/2016 (C‑428/15, Child and Family Agency/J. D. et al.) decidiu o seguinte:

1) O artigo 15.° do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000, deve ser interpretado no sentido de que é aplicável a uma ação em matéria de proteção de crianças proposta com base no direito público pela autoridade competente de um Estado‑Membro e que tem por objeto a adoção de medidas relativas à responsabilidade parental, como a que está em causa no processo principal, quando o reconhecimento de competência por um tribunal de outro Estado‑Membro necessitar, a jusante, que uma autoridade desse Estado‑Membro dê início a um processo diferente do instaurado no primeiro Estado‑Membro, ao abrigo do seu direito interno e à luz de circunstâncias factuais eventualmente diferentes.

2) O artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que:

– para poder considerar que um tribunal de outro Estado‑Membro com o qual a criança tem uma ligação particular está mais bem colocado, o tribunal competente de um Estado Membro deve certificar‑se de que a transferência do processo para esse tribunal é suscetível de trazer um valor acrescentado real e concreto ao exame desse processo, tendo em conta nomeadamente as regras processuais aplicáveis nesse outro Estado‑Membro;

– para poder considerar que essa transferência serve o superior interesse da criança, o tribunal competente de um Estado Membro deve nomeadamente certificar‑se de que a referida transferência não é suscetível de ter um impacto negativo na situação da criança.

3) O artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que o tribunal competente de um Estado‑Membro não deve ter em conta, na aplicação desta disposição em determinado processo de responsabilidade parental, o impacto de uma possível transferência desse processo para um tribunal de outro Estado‑Membro na livre circulação das pessoas em causa diferentes da criança em questão nem a razão pela qual a mãe dessa criança fez uso desse direito, previamente à sua instauração, a menos que tais considerações sejam suscetíveis de se repercutir negativamente na situação da referida criança.
 
 
 
 
 

Jurisprudência europeia (TJ) (111)


Reg. 1346/2000 – Conceito de ‘direitos reais de terceiros’ – Ónus público que recai sobre os bens imóveis e garante a cobrança do imposto sobre imóveis
 

TJ 26/10/2016 (C‑195/15, SCI Senior Home/Gemeinde Wedemark et al.) decidiu o seguinte:

O artigo 5.° do Regulamento (CE) n.° 1346/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo aos processos de insolvência, deve ser interpretado no sentido de que constitui um «direito real», na aceção deste artigo, uma garantia constituída por força de uma disposição de direito nacional, como a que está em causa no processo principal, segundo a qual o imóvel do devedor do imposto sobre imóveis está sujeito, por força da lei, a um ónus público e esse proprietário deve tolerar a execução forçada, sobre esse imóvel, do título que atesta o crédito fiscal.
 
 
 

Jurisprudência (467)


Competência material;
acção popular


O sumário de RG 2/5/2016 (135/14.2T8MDL.G1) é o seguinte:

Os tribunais judiciais são competentes, em razão da matéria, para julgarem uma acção (popular) em que, para além do mais, se pede a condenação de um município, de uma junta de freguesia e de um casal a "reconhecerem que as parcelas de terreno onde" esse casal ampliou a sua "casa de habitação, apropriando-se de cerca de 60 m2, e construíram os barracos ou anexos, ocupando uma área de cerca de 61 m2, são espaços do domínio público", bem como a condenação do dito casal a "demolirem a parte ampliada da casa de habitação e os barracos ou anexos, desobstruindo tais parcelas do domínio público, restituindo-as ao domínio público".
 
 
 

Jurisprudência (466)



Apoio judiciário; caducidade;
propositura da acção

1. O sumário de RC 7/6/2016 (3582/13.3TJCBR-F.C1) é o seguinte:

I – Tendo sido solicitado apoio judiciário pelo demandante para propor ação cível, esta considera-se proposta na data em que este requereu o benefício do apoio judiciário.

II - Se o patrono nomeado não propuser a ação no prazo de 30 dias que lhe determina o art. 33º, nº 1 do DL 34/2004 ou tendo este pedido escusa do patrocínio, se o novo patrono nomeado não propuser a ação no prazo de trinta dias a contar da notificação da sua nomeação deve considerar-se que a ação não foi proposta, perdendo-se o benefício de considerar como proposta a ação na data do requerimento do apoio judiciário.

III - Assim, quando o pedido de apoio judiciário foi requerido antes de decorrido o prazo para propor a ação (prazo de caducidade) e a petição inicial respectiva tenha sido apresentada fora desse prazo, deve considerar-se tempestivamente proposta se o patrono nomeado (ou aquele outro que o substituiu depois de deferido pedido de escusa) realizou essa apresentação dentro do prazo de 30 dias a que alude o art. 33º, nº 1 do DL 34/2004.

IV - No entanto, quando o pedido de apoio judiciário tenha sido requerido antes de decorrido o prazo para propor a acção (prazo de caducidade) e a petição inicial respectiva tenha sido apresentada depois de decorrido esse prazo, deve considerar-se a caducidade da propositura da ação se o patrono nomeado (ou aquele outro que o substituiu depois de deferido pedido de escusa) realizou essa apresentação fora do prazo de 30 dias a que alude o art. 33º, nº 1 do DL 34/2004.
2. O acórdão transcreve a anterior decisão singular, da qual consta o seguinte trecho:

"[...] o art. 33 do DL 34/2004 estabelece que: “1 – O patrono nomeado para a propositura da acção deve intentá-la nos 30 dias seguintes à notificação da nomeação, apresentando justificação à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores se não instaurar a acção naquele prazo.

2 - O patrono nomeado pode requerer à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores a prorrogação do prazo previsto no número anterior, fundamentando o pedido.

3 - Quando não for apresentada justificação, ou esta não for considerada satisfatória, a Ordem dos Advogados ou a Câmara dos Solicitadores deve proceder à apreciação de eventual responsabilidade disciplinar, sendo nomeado novo patrono ao requerente.(…)”

De acordo com este normativo, no caso em decisão o patrono nomeado em 21 de maio de 2014 dispunha do prazo de 30 dias, que terminava em 30 de Junho de em 2014, para intentar a acção, pelo que julgamos ser razoável concluir que só nesta circunstância (isto é propondo a acção nesse prazo de 30 dias) poderia beneficiar da “ficção” concedida no art. 24 nº4 citado, segundo a qual a acção se considera proposta, não no dia em que a petição dá entrada em juízo mas sim na data em que foi requerido o pedido de apoio judiciário para a propor.

Configuramos pois este art. 24 nº4 como uma fixação da data de propositura da acção condicionada à apresentação da petição inicial respectiva no prazo de 30 dias a contar da data em que o patrono nomeado foi notificado da nomeação.

Contrariamente ao que defende a recorrente, não cremos que a não apresentação da petição inicial pelo patrono nomeado no prazo aludido dos 30 dias seja configurável como um causa de interrupção do prazo da caducidade, porquanto o art. 285 do CPCivil para que remete se inscreve no capítulo da interrupção da instância e não nos parece ser aplicável à caducidade como causa de interrupção ou suspensão, como adiante veremos.

A caducidade, referida ao direito de propor uma acção em juízo, como expressamente a lei proclama (artigo 328 do Código Civil), em princípio não se suspende nem se interrompe, pelo que a não ser quando isso seja ordenado, não lhe são aplicáveis as regras de suspensão e da interrupção da prescrição.

E não se suspendendo nem se interrompendo o prazo de caducidade, só a prática, dentro do prazo, do acto a que a lei atribua o efeito impeditivo (artigo 331 do Código Civil) é causa impeditiva da sua ocorrência.

Reportada ao direito de propor a acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente, parece indiscutível que o acto a que tem de atribuir-se o efeito impeditivo dessa mesma caducidade é o da propositura dessa mesma acção, como resulta claro da letra do artigo 332 do Código Civil, onde se fala na acção “…tempestivamente proposta (n. 1); e…prazo decorrido entre a propositura da acção e…”.

Aqui se revela, cremos que sem margem para dúvidas, que o acto impeditivo da caducidade é o da propositura da acção, sem mais. E o que importa para impedir a caducidade é a manifestação de vontade do titular do direito, exercendo-o, não a chegada dessa manifestação ao conhecimento da outra parte, sendo que, no caso de se haver requerido o apoio judiciário o momento da propositura da acção é situado, por determinação legal, com referência à data em que o apoio judiciário foi requerido.

Ora, regressando à questão antes suscitada, se o patrono nomeado, ao contrário do que a lei lhe impõe, não apresenta a petição inicial no prazo de 30 dias, como antes deixámos expresso, julgamos que isso não determina que se tenha a instância processual por suspensa (nos termos do art. 285 do CPC então aplicável) uma vez que, em rigor, essa instância, materialmente, ainda não existe. Efectivamente, é quando dá entrada em juízo a petição inicial que o julgador pode concluir que sendo embora aquela a data em que se inicia materialmente o processo, afinal, a acção se deve ter por proposta em momento anterior, ou seja, naquele em que haja sido requerido o apoio judiciário. Mas é também nesse momento que o tribunal deve aferir se a petição inicial é apresentada depois do prazo de diligência de 30 dias a que alude o art.33 nº1 do DL 34/2004.

Até ser apresentada a petição inicial, que traz consigo a certificação de haver sido requerido (e em que data) e concedido o apoio judiciário, o tribunal não tem forma de saber se a propositura da acção é tempestiva ou não, razão pela qual o argumento (da recorrente) segundo o qual se deveria tomar a não apresentação como uma suspensão da instância julgamos não ter sentido lógico, bastando pensar que para se considerar suspensa a instância a partir do momento da nomeação do patrono estar-se-ia a considerar suspensa uma instância que materialmente não existe e sem possibilidade de proferir um despacho a julgar tal suspensão. E, por absurdo, teria de admitir-se que ao iniciar-se materialmente a instância com a apresentação da petição inicial, retroagindo a data da propositura da acção à do requerimento de apoio judiciário, o processo se iniciaria estando, ou tendo já estado, com a instância suspensa.

Aliás, veja-se que o próprio preceito do C.Civil (o art. 332 nº1), para que a recorrente remete, tem como previsão os casos em que “(…) a caducidade se refere ao direito de propor certa acção em juízo e esta tiver sido tempestivamente proposta (…)”, o que reforça a ideia de que este normativo não tem aplicação se a acção, como forma material de processo não tiver existência real no tribunal.

Pelo sobredito, entendemos que a solução do objecto do recurso deve ser encontrada na conjugação dos prazos de caducidade e de obrigação do patrono propor a acção em 30 dias com aquela outra disposição que fixa a data da propositura da acção fazendo-a coincidir com a do requerimento de apoio judiciário.

De uma forma mais simples e impressiva, podemos pensar que a situação que se coloca ao juízo do tribunal neste recurso não é diferente e não deverá ter diferente solução daquela outra que se colocaria se, nas mesmas condições e contexto de facto, tendo sido requerido o apoio judiciário numa determinada data, a petição inicial só viesse a entrar em juízo um ou mais anos depois de o patrono haver sido nomeado, sendo o prazo de caducidade de três meses

Ora, se o aludido prazo de 30 dias para propor a acção se situa ainda dentro do prazo de caducidade, se o patrono não a propuser incorrerá em responsabilidade disciplinar (art. 33 nº 3 do DL 34/2004) mas a acção poderá ainda ser proposta até ao termo do prazo de caducidade por esse mesmo patrono ou por outro que a Ordem do Advogados venha a nomear.

Por outro lado, se o prazo de 30 dias para propor a acção terminar, ou mesmo se iniciar, depois de decorrido o prazo de caducidade esta não ocorrerá desde que o requerimento de apoio judiciário tenha sido apresentado enquanto estava ainda a decorrer tal prazo (de caducidade) e isto porque, quando vier a dar entrada em juízo a petição inicial, ao observar-se que a data de tal requerimento se situa dentro do prazo de caducidade, se deverá considerar que a acção foi proposta nesse momento (da apresentação do requerimento de apoio judiciário) e, como assim, tempestivamente proposta.

Diferentemente, se o requerimento de apoio judiciário foi apresentado durante o período em que estava a decorrer o prazo de caducidade mas se o patrono nomeada não apresenta em juízo a petição inicial respectiva nos 30 dias de que dispõe para o fazer, julgamos que caso o venha a fazer depois desses 30 dias e num momento em que o prazo de caducidade já se esgotou, deverá ser considerado que a caducidade ocorreu e o direito de propor a acção se extinguiu. E isto porque, para que tal não sucedesse, para que a petição inicial pudesse impedir a ocorrência da caducidade seria necessário que se verificasse que o requerimento de apoio judiciário foi apresentado ainda quando estava a decorrer esse prazo de propor a acção e, também, que a petição inicial correspondente entrou em juízo no prazo de 30 dias de que o patrono dispunha.

Trata-se de um caso em que poderíamos ser tentados a dizer que o prazo de caducidade se alargou e é acrescentado do prazo concedido para o patrono nomeado apresentar a petição inicial mas em que, verdadeiramente, nenhum acréscimo existe porque é a própria lei que manda considerar como data de propositura a do requerimento de apoio judiciário."

[MTS]


27/10/2016

Bibliografia (416)


-- Becker, U., Insolvenzverwalterhaftung bei Unternehmensfortführung (Mohr: Tübingen 2016)

-- Eslami, N., Die Nichtöffentlichkeit des Schiedsverfahrens (Mohr: Tübingen 2016)

-- Wallimann, M., Der Unmittelbarkeitsgrundsatz im Zivilprozess / Dogmatik und Zukunftsperspektiven eines Verfahrensgrundsatzes im 21. Jahrhundert – zugleich ein Beitrag zur allgemeinen Verfahrenslehre (Mohr: Tübingen 1016)



Paper (237)


-- Jolivet, E. B./Marchisio, G./Gelinas, F., Trade Usages in ICC Arbitration (10.2016)





Jurisprudência (465)


Apoio judiciário; honorários do agente de execução;
regra da precipuidade


1. O sumário de RG 2/5/2016 (1208/12.1TBBGC.G1) é o seguinte:

a) O elemento relevante a ter em conta no apoio judiciário é que seja o mesmo o direito que se pretende acautelar, independentemente dos meios processuais necessários para o efeito.

b) Ao efetuar-se uma reclamação de créditos numa ação executiva em curso, devido a aí terem já sido penhorados os mesmos bens (art. 794º nº 1 do CPC), está a acautelar-se o mesmo direito que na ação executiva em que a penhora de bens foi posterior.

c) Assim, por interpretação extensiva dos números 4 e 5 do art. 18º da LAJ, deve considerar-se que o benefício do apoio judiciário concedido a uma Exequente é extensivo ao processo de reclamação de créditos que ela haja de efetuar noutro processo executivo, em razão da sustação da sua execução por força do art. 794º nº 1 do CPC.

d) Porém, as custas e os honorários do agente de execução de que essa Exequente ficou dispensada (por efeito do apoio judiciário) foram apenas aqueles que viessem a ser reputados da sua responsabilidade.e) Por força do art. 541º do CPC, os honorários do agente de execução estão a ser pagos à custa do património do Executado, razão por que, numa tal situação, o benefício do apoio judiciário concedido não inibe o funcionamento do preceito, devendo tais honorários ser pagos pelo produto da venda, e não pelo IGFEJ. 

2. Da fundamentação do acórdão consta o seguinte:

"[...] o sistema de justiça não é um serviço público gratuito, antes importando custos diversos.

Assim, como contrapartida da prestação desse serviço, o Estado exige, para si próprio, taxas de justiça a qualquer dos pleiteantes, bem como o pagamento dos encargos que o processo venha a originar.
Depois, há ainda que ter em conta que as mais das vezes as partes terão de recorrer a advogado, solicitador ou agente de execução, aos quais terão de pagar honorários.
No final do processo, na sentença, o juiz tem de referir qual das partes é condenada em custas, ou a sua proporção (art. 607º nº 6 CPC).

Ora, de acordo com o nosso regime de custas processuais (abrangendo a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte), é condenado quem tiver decaído na ação ou quem do processo tirou proveito (art. 527º nº 1 e 2 do CPC).

Uma das componentes dessas custas processuais são as custas de parte, compreendendo estas as taxas de justiça pagas, os encargos suportados, bem como os honorários e despesas do advogado e do agente de execução (art. 533º nº 2 CPC).

Significa isto que a parte vencedora irá depois reaver aquilo que pagou (mais rigorosamente, a proporção indicada no art. 26º do RCP) ou os custos suportados com esses itens, de acordo com o princípio da justiça gratuita para o vencedor.

Ora, é perspetivando que a carência de meios económicos para suportar todos estes custos coartasse às pessoas a possibilidade de efetivarem ou discutirem os seus direitos nos tribunais, que existe o mecanismo do apoio judiciário.

Assim, e uma vez que lhe foi concedido, a Recorrente pôde logo recorrer ao tribunal sem pagar as taxas de justiça necessárias para que o tribunal pudesse apreciar a sua pretensão; foi-lhe nomeado advogado e agente de execução, sendo o Estado a suportar os respetivos honorários.

O apoio judiciário que lhe foi concedido, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos, nomeação e pagamento de honorários e despesas de advogado e de agente de execução, significou apenas que, na hipótese de ficar vencida em qualquer das ações, ainda assim a Recorrente nada iria pagar (art. 607º nº 4 e 527º nº 1 e 2 do CPC), pois seria o Estado a suportar tais custos.

Sendo estas as regras gerais em matéria de custas, temos agora que atender ao caso específico do art. 541º do CPC, em que o Estado estabeleceu, a seu favor, uma garantia de pagamento: “as custas da execução, incluindo os honorários e despesas suportadas pelo agente de execução, apensos e respetiva ação declarativa saem precípuas do produto dos bens penhorados”, precipuidade essa que se deixou consignada na sentença de reclamação de créditos. [...]

Esta regra não deixa, porém, de estar em coerência com as regras gerais.

Na verdade, chegado a este ponto do processo executivo, já se sabe que o executado é a parte vencida pelo que, ao retirar-se do produto da venda os valores necessários a pagar as custas, incluindo os honorários e despesas suportadas pelo agente de execução, é o Executado, parte vencida, quem está a suportar os custos da ação, através do seu património.

Tanto assim que, não sendo esse produto suficiente, a execução pode e deve continuar, com a penhora e posterior venda de outros bens.

As custas e os honorários do agente de execução de que a Recorrente ficou dispensada (por efeito do apoio judiciário) foram apenas aqueles que viessem a ser reputados da sua responsabilidade. Já não os que forem da responsabilidade de outrem, designadamente do Executado.

Nesta medida, os honorários do Sr. agente de execução estão a ser pagos à custa do património do Executado.

Convém também ainda esclarecer que o produto conseguido com a venda do património do Executado não fica desde logo pertença do Exequente ou dos Credores Reclamantes.
Daí que não possa a Recorrente considerar que “é ela que está a pagar os honorários” do Sr. agente de execução. [...]

Adiante-se que o preceito equivalente do anterior CPC, ex art. 455º, era bem mais gravoso pois mandava que pelo produto dos bens penhorados fossem ainda cobradas as custas da execução sustada.

Nesta medida, a penalização da Recorrente (se assim se pudesse considerar), resulta do facto de os bens penhorados não terem sido suficientes para pagamento integral das custas da execução e do seu crédito.

Pelo exposto, há que concluir que o problema não resulta da interpretação do art. 18º da LAJ, mas simplesmente da aplicação do art. 541º do CPC.

Razão por que não ocorreu nenhum desvirtuamento do apoio judiciário concedido à Recorrente e, nessa medida, não possa ser acolhida a sua pretensão de que seja o IGFEJ a suportar o valor devido ao agente de execução a título de honorários e despesas."


[MTS]



Jurisprudencia (464)


Deserção da instância; meio de prova:
poder inquisitório do tribunal

O sumário de RC 7/6/2016 (1640/11.8TBCTB.C1) é o seguinte: 

1. A falta de impulso processual da acção declarativa de impugnação da paternidade que se encontra sem andamento objectivo há mais de seis meses após o último impulso consubstanciado no despacho judicial que ordenou a notificação da ré para a realização, oficiosamente determinada, de testes de ADN (exames hematológicos) não pode ser imputada a negligência do autor. 

2. Estamos em face de meio de prova cuja realização foi oficiosamente determinada pelo tribunal, cabendo a este a realização de todas as diligências necessárias à respectiva concretização, não se podendo responsabilizar o autor pela falta de colaboração de uma das partes, a que ele é, absolutamente, alheio.



26/10/2016

Bibliografia (415)


-- Costa Andrade, M./Patrão, A., A posição jurídica do beneficiário de promessa de alienação no caso de insolvência do promitente-vendedor (Comentário ao Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2014, de 19 de Maio), Julgar Online, setembro de 2016

-- Luz dos Santos, H., O Direito da União Europeia e o princípio da efectividade: sua leitura à luz do princípio da proibição do défice e da responsabilidade extracontratual do Estado-Juiz por violação do direito da União Europeia (A “perda de chance” como direito?: (ainda) o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14/01/2014). Julgar Online, setembro de 2016

Jurisprudência (463)


Agente de execução; remuneração adicional;
proporcionalidade; inconstitucionalidade


O sumário de RP 2/6/2016 (
5442/13.9TBMAI-B.P1) é o seguinte:


I - O critério da constituição do direito à remuneração adicional é a obtenção de sucesso nas diligências executivas, o que se verifica sempre que na sequência das diligências do agente de execução se conseguir recuperar ou entregar dinheiro ao exequente, vender bens, fazer a adjudicação ou a consignação de rendimentos, ou ao menos, penhorar bens, obter a prestação de caução para garantia da quantia exequenda ou que seja firmado um acordo de pagamento.

II - A remuneração adicional do agente de execução prevista na Portaria n.º 282/2013, de 29.08, é sempre devida desde que haja produto recuperado ou garantido, excepto, nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que há lugar à citação prévia do executado, se este efectuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução.

III - O artigo 50.º, n.º 5, em conjugação com a tabela VIII, da Portaria n.º 282/2013, interpretado no sentido de permitir que o agente de execução possa pedir de remuneração variável mais de €73.000,00 quando apenas procedeu à penhora de quatro imóveis indicados pelo exequente e hipotecados para garantia do crédito exequendo e, por sua iniciativa, à penhora de um crédito, após o que a execução se extinguiu por acordo de pagamento entre exequente e executado, é inconstitucional por violação dos princípios da proporcionalidade e da proibição do excesso ínsitos no princípio do Estado de direito democrático consignado no artigo 2.º da Constituição.

IV - É ainda inconstitucional por violação do direito de acesso à justiça e aos tribunais na medida em que da referida norma resulte responsabilidade para o próprio exequente, o qual, face ao custo desmesurado que poderá ter de suportar com o pagamento ao agente de execução nos casos em que o seu direito de crédito tenha um valor significativo, verá significativa e desproporcionadamente cerceado o seu direito de acesso à justiça sempre que for incerta a existência de bens cuja penhora e venda possa gerar um produto suficiente para aquele pagamento.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Na data da instauração da execução as funções de agente de execução eram reguladas pelo Estatuto da Câmara dos Solicitadores aprovado pelo Decreto-Lei n.º 88/2003, de 26 de Abril.

Segundo os artigos 123.º, 116.º e 99.º do Estatuto, as competências específicas de agente de execução, onde se incluíam as de praticar diligentemente os actos processuais de que seja incumbido, com observância escrupulosa dos prazos legais ou judicialmente fixados e dos deveres deontológicos, eram exercidas por solicitador ou advogado em regime de profissão liberal remunerada. Nos termos do artigo 126.º o agente de execução era obrigado a aplicar, na remuneração dos seus serviços, as tarifas aprovadas por Portaria, as quais podiam compreender uma parte fixa e uma parte variável, dependente da consumação dos efeitos ou dos resultados pretendidos com a actuação do agente de execução. A mesma redacção que corresponde agora ao artigo 173.º do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução.

Entretanto, aquele diploma foi substituído pela Lei n.º 154/2015, de 14 de Setembro, que criou a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução e aprovou o respectivo Estatuto. 

Segundo o artigo 162.º deste Estatuto, o «agente de execução é o auxiliar da justiça que, na prossecução do interesse público, exerce poderes de autoridade pública no cumprimento das diligências que realiza nos processos de execução, nas notificações, nas citações, nas apreensões, nas vendas e nas publicações no âmbito de processos judiciais, ou em actos de natureza similar que, ainda que não tenham natureza judicial, a estes podem ser equiparados ou ser dos mesmos instrutórios».

Por sua vez o artigo 173.º prescreve que o agente de execução é obrigado a aplicar, na remuneração dos seus serviços, as «tarifas aprovadas por Portaria» do Governo, as quais «podem compreender uma parte fixa, estabelecida para determinados tipos de actividade processual, e uma parte variável, dependente da consumação dos efeitos ou dos resultados pretendidos com a actuação do agente de execução».

A remuneração do agente de execução encontra-se presentemente regulamentada na Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, que entrou em vigor em 01.09.2013, aplicando-se ao processo em apreço (artigos 63.º e 62.º, n.º 2, da Portaria).

Nos termos do n.º 1 do artigo 50.º do referido diploma, o agente de execução tem direito a ser remunerado pela tramitação dos processos, actos praticados ou procedimentos realizados de acordo com os valores fixados na tabela do anexo VII da Portaria, os quais incluem a realização dos actos necessários com os limites nela previstos.

O n.º 5 dessa norma estabelece que nos processos executivos para pagamento de quantia certa, no termo do processo é devida ao agente de execução uma remuneração adicional, que varia em função: a) do valor recuperado ou garantido; b) do momento processual em que o montante foi recuperado ou garantido; c) da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar.

O n.º 6 estabelece, por sua vez, que para este efeito se entende por «valor recuperado» o valor do dinheiro restituído ou entregue, do produto da venda, da adjudicação ou dos rendimentos consignados, pelo agente de execução ao exequente ou pelo executado ou terceiro ao exequente, e por “valor garantido» o valor dos bens penhorados ou da caução prestada pelo executado, ou por terceiro ao exequente, com o limite do montante dos créditos exequendos, bem como o valor a recuperar por via de acordo de pagamento em prestações ou de acordo global.

O n.º 9 determina que o cálculo da remuneração adicional se efectua nos termos previstos na tabela do anexo VIII da Portaria.

O n.º 11 consagra que o valor da remuneração adicional apurado nos termos da tabela do anexo VIII é reduzido a metade na parte que haja sido recuperada ou garantida sobre bens relativamente aos quais o exequente já dispusesse de garantia real prévia à execução.

Por fim, o n.º 12 estatui que nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que haja lugar acitação prévia, se o executado efectuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução não há lugar ao pagamento de remuneração adicional.

De referir que o anexo VIII da Portaria tem a seguinte redacção: «o valor da remuneração adicional do agente de execução destinado a premiar a eficácia e eficiência da recuperação ou garantia de créditos na execução nos termos do artigo 50.º é calculado com base nas taxas marginais constantes da tabela abaixo, as quais variam em função do momento processual em que o valor foi recuperado ou garantido e da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar».[...]

A questão que se coloca nos autos consiste em saber se [...]a remuneração adicional apenas é devida quando a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências promovidas pelo agente de execução e não é devida quando a dívida seja satisfeita ou garantida de modo voluntário, sem a intermediação do agente de execução. [...]

A nosso ver, resulta da redacção do artigo 50.º da Portaria que desde que haja produto recuperado ou garantido a remuneração adicional é sempre devida, excepto numa situação, a de nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que há lugar à citação prévia do executado este efectuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução (n.º 12), caso em que a intervenção do agente de execução foi apenas para realizar a citação, acto que não é exclusivo nem específico da acção executiva, pelo que se pode entender que a intervenção do agente que é própria da execução coerciva ainda não se iniciou.

O critério da constituição do direito à remuneração adicional é a obtenção de sucesso nas diligências executivas, sucesso que ocorre sempre que na sequência dessas diligências, realizadas pelo agente de execução, se conseguir recuperar ou entregar dinheiro ao exequente, vender bens, fazer a adjudicação ou a consignação de rendimentos, ou ao menos, penhorar bens, obter a prestação de caução para garantia da quantia exequenda ou que seja firmado um acordo de pagamento, sendo certo que neste último caso o sucesso depende (da medida) do cumprimento do acordo (n.º 8).

O legislador apenas excluiu a remuneração adicional nos casos em que a citação antecede a realização as penhoras e o executado efectua o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução, por presumir que nessa situação, não tendo ainda sido realizadas penhoras e devendo estas realizar-se apenas após a concessão de prazo para o pagamento voluntário, a actuação do agente de execução foi totalmente indiferente para a obtenção do pagamento e não gerou qualquer expectativa em relação à remuneração devida pelo seu envolvimento do processo.

 Em todas as demais situações em que haja valor recuperado ou garantido, a remuneração adicional é devida, ainda que a extinção da execução decorra de acto individual do devedor (pagamento voluntário), de acto conjunto de credor e devedor (acordo de pagamento) ou mesmo de um acto do próprio credor (desistência da execução, cf. n.º 2 do artigo 50.º). É esse, cremos, o sentido do que se fez constar na exposição de motivos da Portaria [...].

Não vemos, aliás, qualquer mal no sistema misto (a qualificação é do legislador) que combina remuneração fixa com remuneração adicional variável. Se o valor da remuneração fixa não for especialmente aliciante, a remuneração variável pode constituir de facto um forte incentivo à celeridade e eficácia da intervenção do agente de execução, sendo certo que enquanto profissional obrigado a respeitar fortes condicionantes no exercício da sua actividade lhe deve ser proporcionada justa e adequada remuneração.

Por outro lado, se exigirmos que se demonstre um nexo causal entre a actividade do agente de execução e a forma de extinção da execução para se reconhecer o direito à remuneração adicional variável, estaremos a introduzir uma incerteza e insegurança na determinação da remuneração do agente de execução que seguramente o legislador procurou evitar com a criação de uma tabela de remuneração. Estaremos também a abrir a porta ao surgimento de inúmeros conflitos entre o agente e o devedor a propósito da remuneração que obrigarão os juízes de execução a decidir aspectos perfeitamente secundários quando se lhes retirou o grosso da intervenção relevante que até aí tinham no processo executivo. Estaremos ainda a incentivar o agente de execução a obstar a qualquer solução que não passe pela venda de bens para evitar perder essa fatia da remuneração ou a torná-lo parte activa em actos que só às partes dizem respeito, como a negociação entre credor e devedor para estabelecer acordos de pagamento. Por fim, estaremos a introduzir uma álea na determinação da remuneração (qual a medida da contribuição do agente de execução? como se calcula? como se demonstra? quem tem de a demonstrar? a percentagem prevista na Portaria deve depois ser corrigida emfunção da medida dessa contribuição?) que só pode redundar em forte prejuízo para a eficácia e celeridade do processo executivo.

Nessa medida, entendemos que pese embora no caso a execução tenha sido extinta na sequência do acordo de pagamento em prestações celebrado por exequente e executado (e em cuja negociação e celebração o agente de execução não refere sequer ter estado envolvido ou para ela contribuído de algum modo, o que é algo absolutamente distinto da circunstância de o texto do acordo fazer várias referências a actos praticados pelo agente de execução), exactamente porque também nessa situação se verificam os requisitos de que depende o direito à remuneração adicional (alcance da finalidade do processo executivo e existência de valor garantido), o agente de execução podia reclamar uma remuneração adicional. [...]

Nesse contexto factual, pergunta-se se o agente de execução pode ter o direito a uma remuneração variável, a acrescer à remuneração fixa por todos os actos que praticou, de €73.867,20?

 A nossa resposta é a de que essa remuneração é excessiva e desproporcionada, acabando por representar uma autêntica espoliação do executado que a ordem jurídica não pode consentir e, como procuraremos demonstrar, não consente.

O pagamento ao agente de execução é um custo inerente ao processo executivo, integrando o conceito de custas processuais, particularmente o conceito de custas de parte. Nos termos do artigo 527.º do Código de Processo Civil a decisão que julgue a acção condena em custas a parte que a elas houver dado causa. Essa disposição inclui forçosamente as custas da execução, as quais, nos termos do artigo 541.º do mesmo diploma, incluem os honorários e despesas devidas ao agente de execução. As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (artigo 529.º), sendo que estas últimas compreendem entre outras despesas, as remunerações pagas ao agente de execução e as despesas por este efectuadas (artigo 533.º).

No processo executivo, cabe ao exequente a designação do agente de execução (artigo 720.º) e a obrigação de pagar os respectivos honorários e o reembolso das despesas por ele efectuadas se não for possível obter o seu pagamento precípuo do produto dos bens penhorados (artigo 721.º). Todavia, se o executado não deduzir oposição à execução e/ou não obtiver vencimento nessa oposição, caso em que é responsável pelo pagamento das custas da execução, o pagamento das custas pelo exequente constitui um adiantamento destinado a assegurar que o agente de execução é pago, cabendo depois ao exequente o direito de reclamar o seu pagamento do executado a título de custas de parte (artigo 721.º).

Se o exequente fosse o único e definitivo responsável pelo pagamento da remuneração do agente de execução por si escolhido, podíamos aceitar que a fixação desta remuneração estivesse subordinada à livre negociação entre exequente e agente de execução, não dispondo de limites máximos ou mínimos. No entanto, mesmo nessa situação podia questionar-se até que ponto a tabela praticada pelos agentes de execução não constituiria, em certos casos ou atingido certo nível de remuneração, um entrave excessivo ao acesso ao direito e aos tribunais por parte de exequentes com menor capacidade negocial ou poder económico para suportar esse pagamento que seria condição da instauração das execuções indispensáveis ao exercício dos direitos de crédito.

Cabendo ao executado a obrigação de suportar a remuneração do agente de execução, que obviamente não escolheu e em cuja designação não foi sequer ouvido, a imposição legal dessa obrigação só pode ter o mesmo fundamento jurídico da imposição da obrigação de pagamento das custas processuais. Do que se trata, portanto, é de onerar o responsável pela necessidade de usar os meios judiciais com a obrigação de suportar a maior parte dos custos gerados por esses meios. Sendo assim, deve entender-se que essa obrigação tem de seradequada e proporcional e não pode exceder aquilo que se mostrar razoável face ao envolvimento, ao esforço e ao contributo do agente de execução para o resultado do processo executivo.

O princípio da proporcionalidade, também designado de princípio da “proibição do excesso”, é o corolário do princípio da confiança inerente à ideia de Estado de Direito democrático (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa). [...]

A solução da Portaria n.º 282/2013 para a remuneração variável do agente de execução [...] permite que o seu valor escape ao controle jurisdicional da sua adequação e proporcionalidade ao não prever um limite máximo para a remuneração adicional e consentir que a mesma seja obtida e possa atingir valores significativos ainda que a acção executiva tenha tido uma tramitação muito simples e a actuação do agente de execução tenha sido escassa e muito pouco relevante para o desfecho da execução.

Na medida em que conduza, como sucede no caso, a que o agente de execução possa reclamar o direito a uma remuneração variável superior a €73.000,00 (!) quando apenas procedeu à penhora de quatro imóveis indicados pelo exequente e já hipotecados para garantia do crédito exequendo e, por sua iniciativa, à penhora de um crédito, após o que a execução se extinguiu por acordo de pagamento entre exequente e executado, a nosso ver, o artigo 50.º, n.º 5, em conjugação com a tabela VIII, da Portaria n.º 282/2013, é inconstitucional por violação dos princípios da proporcionalidade e da proibição do excesso ínsitos no princípio do Estado de direito democrático consignado no artigo 2.º da Constituição.

Numa determinada perspectiva é ainda inconstitucional por violação do direito de acesso à justiça e aos tribunaisna medida em que da referida norma resulte responsabilidade para o próprio exequente, o qual, face ao custo desmesurado que poderá ter de suportar com o pagamento ao agente de execução nos casos em que o seu direito de crédito tenha um valor significativo, verá significativa e desproporcionadamente cerceado o seu direito de acesso à justiça sempre que for incerta a existência de bens cuja penhora e venda possa gerar um produto suficiente para aquele pagamento."


[MTS]


Jurisprudência (462)


Bens comuns; usufruto; partilha;
usufruto de créditos



1. O sumário de RP 30/5/2016 (696/12.0TBVLG.P1) é o seguinte: 

I - Na constância do matrimónio, os bens do casal constituem um património a que a lei confere determinada autonomia e que pertence, em comum, ao marido e à mulher, embora sem repartição de quotas ideais, sendo assim, uma comunhão sem quotas.
 
II - Recaindo o usufruto sobre a meação dos bens comuns do ex-casal, ou seja, sobre parte não determinada (valor e objecto) desses bens e, na conferência de interessados, o requerido cessionário optou por não licitar quaisquer bens (saliente-se que os bens foram, obviamente, postos a lanço por inteiro), sem oposição da usufrutuária interessada, a meação cedida por esta ficou preenchida com o valor de tornas.
 
III - O usufruto constituído passou a incidir unicamente sobre o valor (direito de crédito/usufruto de crédito) das tornas a receber pelo cessionário.
 
IV - O mapa da partilha deve ser organizado com respeito pelo despacho sobre a forma da partilha e em conformidade com o preenchimento dos quinhões resultante do acordado na conferência de interessados (artº 1375º, do CPC).
 

2. O usufruto incidia inicialmente sobre a meação dos bens comuns do casal e passou a recair, depois da partilha destes bens, sobre o crédito de tornas: daí ter-se tornado um usufruto de créditos (cf. art. 1439.º CC). Verificou-se assim uma sub-rogação no objecto do usufruto, com a particularidade de que o seu objecto é agora um direito de crédito (ou, pelo menos, um direito a uma prestação).

Nesta perspectiva, algo de semelhante ocorre por força do efeito sub-rogatório estabelecido no art. 824.º, n.º 3, CC: o direito que um terceiro tinha sobre a coisa vendida na execução transmitem-se para o produto obtido nesta venda. Também aqui o terceiro adquire um direito a uma prestação em substituição do direito real originário.

Pode levantar-se a questão de saber se o direito de crédito (ou a uma prestação) que resulta da sub-rogação (em qualquer dos casos acima referidos) tem alguma característica do direito real que ficou sub-rogado. Qualquer que seja a resposta, é um tema que merece análise e reflexão.

MTS