"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



03/10/2016

Jurisprudência (439)


Documento particular; 
força probatória


I. O sumário de RL 26/4/2016 (6982/12.2YYLSB-A-7) é o seguinte:

O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos do art. 374º, nº1, do C.C faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da sua falsidade (art. 376º, nº 1, CC);
 
Está, portanto, excluída a livre valoração pelo tribunal, por ser dotado de força probatória plena (cf. arts. 358º, nº 2, 374º, nº 1 e 376º, nºs 1 e 2, CC);
 
Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que sejam contrários aos interesses do declarante (art. 376º, nº2, CC);
 
Num contrato de mútuo, a declaração atribuída à mutuária de que, no acto da assinatura, recebeu uma cópia do contrato, apenas poderia ter sido posta em causa através da arguição e prova da sua falsidade. Fora desta situação faz prova plena dos factos nela contidos, pelo que não pode deixar de se dar como plenamente provada a referida factualidade.
 

II. O relatório resume, de forma clara, o litígio entre as partes (aliás, relativamente típico): 

"1. Por apenso aos autos de execução comum para pagamento de quantia certa que BANCO W., S.A. intentou contra G. DO C. SOUSA G., veio a executada deduzir a presente oposição à execução e à penhora.

Alegou, em resumo, que:

A pedido de um amigo e convicta de que estava a prestar uma fiança, a ora opoente assinou o contrato de mútuo destinado a financiar a aquisição de uma viatura automóvel, sem ter a consciência de que se estava a obrigar, como mutuária, tanto mais que nunca estabeleceu qualquer contacto com o vendedor, para a aquisição do veículo.

Tão pouco se apercebeu de que tinha autorizado o débito bancário das prestações do mútuo, através da sua conta bancária, sendo certo que também não ficou na posse de uma cópia do contrato.

Por tudo isso, ao aperceber-se de que o seu amigo a tinha enganado, e por se sentir vítima de burla, participou a ocorrência à PSP.

Deduziu também oposição à penhora, alegando que, recebendo o equivalente ao salário mínimo nacional (EUR 485,00) não devia ter sido penhorado um terço do seu vencimento, como veio a acontecer, nos meses de Junho e Novembro de 2012.

Pede, por isso, a devolução das quantias indevidamente penhoradas, no total de EUR 270,70.

2.Liminarmente admitida a oposição, foi a exequente notificada para contestar, o que fez, tendo pugnado pela improcedência da oposição.

3.Realizado o julgamento, foi, a final, proferida sentença que, julgando procedente a oposição, julgou extinta a execução.

III. a) A pronúncia da RL baseou-se no seguinte:

"Na sentença recorrida considerou-se que o contrato de mútuo outorgado com a mutuária/opoente se encontrava ferido de nulidade, nos termos previstos nos arts. 12º e 13º, do DL nº 133/2009, de 2 de Junho, por não lhe ter sido entregue um exemplar do contrato, no ato da sua assinatura.

Sucede que a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, tal como decorre do supra exposto, impõe necessariamente uma solução diversa.

Efetivamente, estando provado que “no acto da assinatura do contrato de mútuo, junto a fls. 150-151, a mutuária recebeu uma cópia daquele contrato”, é manifesto não se poder imputar ao contrato celebrado entre as partes a nulidade decorrente da inobservância da formalidade prescrita no art.º12º, nº2, do DL nº 133/2009, de 2 de Junho.

Procede, pois, o recurso.

A sentença recorrida considerou prejudicado o conhecimento da oposição à penhora, deduzida cumulativamente com a oposição à execução, ao abrigo do disposto no anterior art.º 813º, nº2, do CPC, uma vez que, julgando procedente a oposição à execução, ordenou a sua extinção.

A procedência da apelação impõe, agora, que se conheça da oposição à penhora, uma vez que esta Relação dispõe de todos os elementos para o poder fazer (cf. art.º665º, nº2, do CPC).

Vejamos, então.

Atento o disposto no art.º. 824º, nº1, al. a), do anterior CPC (por ser o aplicável, atenta a data da instauração da execução e da penhora), são impenhoráveis dois terços dos vencimentos auferidos pelo executado.

Esta impenhorabilidade tem como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento e o crédito exequendo não seja de alimentos, o montante equivalente a um salário mínimo nacional (cf. nº 2, daquele artigo).

Sendo esta a situação da executada (cf. ponto 10, 11 e 12, dos factos provados), é manifesto que o seu vencimento, equivalente ao salário mínimo nacional[6], não podia ter sido objeto de penhora.

Procede, assim, a oposição à penhora, verificado que está o fundamento previsto no art.º. 863º-A, nº1, al. a), do anterior CPC.

Por conseguinte, deve ordenar-se a devolução/restituição à executada das quantias indevidamente penhoradas, ou seja, EUR 270,70 [...].

b) O acórdão conclui da seguinte forma:

[,,.] Nestes termos, concedendo provimento ao recurso, acorda-se em:

-Julgar improcedente a oposição à execução e ordenar o seu prosseguimento;
 
-Julgar procedente a oposição à penhora e ordenar a restituição à executada da quantia de EUR 270,70."

[MTS]