"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



23/11/2016

O ónus de contestação da reconvenção na réplica


1. Segundo o sumário elaborado pela Relatora, RL 27/10/2016 (121958-15.3YIPRT-A.L1-8) decidiu o seguinte: 

A falta de impugnação, por via de articulado de réplica, não implica a confissão dos factos, pois o Autor pode sempre e deve responder à matéria da excepção em sede de audiência prévia, ou, não havendo, na audiência final (artigo 3.º, n.º 4 do CPC). 

Para além do mais, o sumário não é totalmente explícito, pois o que estava em causa era a contestação de uma excepção invocada como fundamento de um pedido reconvencional. Em concreto, a ré, na sua contestação, invocou:

-- A excepção de não cumprimento ou cumprimento defeituoso, uma vez que a autora não prestou os serviços contratados conforme o acordado;

-- A excepção de pagamento, dado que procedeu ao pagamento da factura 5613, no montante de € 9.011,26, peticionada na injunção.

Para além das referidas excepções, a ré deduziu na contestação um pedido reconvencional, alegando ser titular de um crédito sobre a autora no montante de €45.400,00, na sequência dos incumprimentos por parte daquela autora, tal como tinha sido invocado na referida excepção de não cumprimento ou de cumprimento defeituoso.

A autora não apresentou réplica e pretendeu contestar a excepção de cumprimento ou de cumprimento defeituoso na audiência prévia, invocando o disposto no art. 3.º, n.º 4, CPC. A 1.ª instância não aceitou esta contestação, mas a RL entendeu que a autora podia contestar a referida excepção naquela audiência.

2. A RL não decidiu bem.

Como se sabe, a reconvenção pode basear-se em facto jurídico que serve de fundamento à defesa (art. 266.º, n.º 2, al. a), CPC). Isto significa que -- como, aliás, sucede frequentemente -- a reconvenção pode basear-se numa excepção alegada pelo réu reconvinte. 

O art. 584.º, n.º 1, CPC admite a réplica para o autor deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção. Deste preceito resulta que o autor tem o ónus de contestar a reconvenção na réplica. Trata-se de um ónus paralelo àquele que incide sobre o réu: também o réu tem o ónus de contestação (art. 573.º, n.º 1, e 574.º, n.º 1, CPC).

A consequência do não cumprimento do ónus de contestação da reconvenção encontra-se estabelecida no art. 587.º, n.º 1, CPC: a falta de réplica (não implica a revelia do autor, mas) tem como consequência a admissão dos factos não impugnados pelo autor.

Parece indiscutível que contestar uma reconvenção baseada numa excepção implica contestar esta própria excepção. Por exemplo: se o réu fundamenta a sua reconvenção na nulidade do contrato celebrado entre as partes, contestar a reconvenção implica necessariamente contestar os fundamentos daquela alegada nulidade. Não se imagina que possa ser de outra forma.

Sendo assim, a não apresentação da réplica -- e, portanto, a não contestação da reconvenção e dos seus fundamentos -- tem como consequência a admissão por acordo destes fundamentos.Voltando ao exemplo: se o autor não contesta a reconvenção baseada na nulidade do contrato, os fundamentos desta nulidade estão admitidos por acordo.

Se assim é, então não se vislumbra nenhuma possibilidade de aplicação do disposto no art. 3.º, n.º 4, CPC, aliás por uma dupla razão:

-- Em primeiro lugar, quando, na contestação, o réu deduz um pedido reconvencional baseado numa execpção, aquele articulado nunca é o "último articulado admissível", já que a lei concede ao autor a réplica para se opor ao pedido reconvencional; dito de outra forma: a dedução de um pedido reconvencional e a consequente admissibilidade da réplica obstam ao preenchimento da previsão da regra constante do art. 3.º, n.º 4, CPC;

-- Em segundo lugar, a consequência da não contestação do fundamento da reconvenção na réplica é aquela que está definida no art. 587.º, n.º 1, CPC (admissão por acordo dos fundamentos não contestados), não tendo o autor nenhuma outra oportunidade para se opor a essa reconvenção e a esses fundamentos; a não apresentação da réplica preclude a contestação posterior da reconvenção e dos respectivos fundamentos.

MTS