"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



10/02/2017

Jurisprudência (552)


Oposição à execução; título executivo;
caso julgado; preclusão


1. O sumário de RG 6/10/2016 (998/15.4TBRG.G1) é o seguinte: 

Tendo sido deduzidos embargos à execução nos quais se suscitou a questão da validade ou invalidade do negócio jurídico formalizado no escrito e relativo ao contrato de locação de estabelecimento, que constitui o título executivo, sendo esta uma questão relativa ao mérito (validade ou nulidade do contrato), discutida e decidida na sentença que julgou improcedentes os embargos, tal constitui força ou autoridade de caso julgado relativamente a acção declarativa em que mais uma vez se pretende invocar a nulidade do contrato (mais propriamente de uma das suas cláusulas). 

2. Na fundamentação do acórdão encontra-se o seguinte:

"Reportando-nos ao caso sub judice importa ter presente a problemática da estrutura e âmbito dos embargos de executado e a estrutura da excepção de caso julgado.

Ora, o cerne da questão recursiva em causa tem a ver - não com os efeitos da preclusão ou não do direito de os recorrentes virem agora suscitar o problema da nulidade de cláusula do contrato de locação de estabelecimento e da restituição do indevido por enriquecimento sem causa porque nos embargos por si deduzidos os embargantes não invocaram tais fundamentos – mas sim com os contornos da autoridade de caso julgado material que emerge da sentença proferida nos embargos de executado.

A acção executiva foi instaurada para pagamento de quantia certa baseada no título executivo relativo a um contrato de locação de estabelecimento com fiança, no qual figuravam os aqui autores/apelantes como fiadores da locatária.

A causa de pedir na acção executiva em geral consubstancia-se na obrigação exequenda, que deve constar de documento com a idoneidade de título executivo, meio de prova legal da sua existência (artº 10º, nº 5, do CPC).

Por via dela visa-se realizar o concernente direito de crédito violado, ou seja, nela se requerem as providências adequadas à sua reparação efectiva.

Na hipótese de o título executivo se consubstanciar em documento particular, como ocorre no caso vertente, o tribunal da execução, na fase declarativa dos embargos de executado, pode sindicar, sem limites específicos, a sua relevância (artº 731º do CPC).

A fase declarativa dos embargos de executado, estruturalmente extrínseca à acção executiva, configura-se, com efeito, como contra-execução, destinada à declaração da sua extinção, sob o fundamento de inexistência da obrigação exequenda ou do título executivo ou da ineficácia deste último.

Assim, os fundamentos dos embargos de executado podem ser de natureza substantiva, relativos à própria obrigação exequenda, ou de natureza processual concernentes à inexistência ou inexequibilidade do título executivo (artº 729º, por remissão do artº 731º, 1ª parte do CPC.

Por isso, os ali executados podiam invocar na oposição, além dos que são especificados na lei a propósito do título executivo a que se reporta o citado artº 729º, os que lhes fosse lícito deduzir como meio de defesa no processo de declaração (artº 731º, 2ª parte do CPC), como seria, adiante-se desde já, os relativos à nulidade do contrato de locação (negócio jurídico subjacente) e ao enriquecimento sem causa.

Assim, eles podiam deduzir nos embargos de executado a inexistência de título executivo ou da obrigação exequenda, ou a sua extinção por qualquer meio, por via de impugnação ou de excepção peremptória.

Na sua dinâmica, consubstanciam-se, pois, numa fase eventual da acção executiva tendente a obstar ao seu normal desenvolvimento por via da afectação negativa dos efeitos normais do título executivo, com fundamento em factos de impugnação e ou de excepção.

Daí que se entenda que a inobservância do ónus de excepcionar por via de embargos (o que não se verifica no caso em apreciação porque houve embargos), não acarreta qualquer cominação, mas tão só a preclusão de um direito processual cujo exercício seria ou podia vir a ser vantajoso.

Por isso, como refere Lebre de Freitas, in A Acção Executiva – 2ª ed., 158 e sgs., não estando o efeito preclusivo coberto pelo caso julgado emergente da sentença, como acontece na acção declarativa (na execução não há caso julgado)” nada impede a invocação duma excepção não deduzida (que não respeite à configuração da relação processual executiva ) em outro processo.

Só que, no caso em apreço, foram deduzidos embargos à execução nos quais se suscitou a questão da validade ou invalidade do negócio jurídico formalizado no escrito e relativo ao contrato de locação de estabelecimento, que constitui o título executivo, sendo esta uma questão relativa ao mérito (validade ou nulidade do contrato), discutida e decidida na sentença que julgou improcedentes os embargos, como se alcança das seguintes excertos:

“O que importa é saber se existe a obrigação de pagar as rendas, mesmo após a cessação do contrato e a entrega do locado, ou seja, saber-se se os oponentes operaram validamente a resolução do contrato e se com a entrega do locado ocorreu algum facto que impediu o vencimento das rendas posteriores, ou se pelo contrário, as mesmas se continuaram a vencer.

(…) No caso, as partes convencionaram expressamente sobre as regras da denúncia, pelo que são as supracitadas estipulações contratuais válidas e as que regem a cessação do contrato no caso dos autos.

Em suma, os locatários podiam denunciar o contrato em qualquer momento, mas ficavam obrigados a pagar as rendas vincendas até ao termo do contrato.

Em parte alguma do acordado, ou da lei, se vislumbra norma que libere ou desonere os executados de tal obrigação, que expressamente reconheceram como justa.

Sendo tal estipulação contratual permitida por lei, deve ser pontualmente cumprida – art.s 406º e 762º, do Código Civil”.

Enfim, o que os recorrentes pretendem com a presente acção declarativa, ao invocarem a nulidade do contrato (mais propriamente de uma das suas cláusulas), é mais uma vez que haja uma apreciação jurisdicional sobre a validade ou não do dito contrato.

Em suma, que se sujeite a julgado fundamento já invocado e decidido.

Porém, tal impede-o a força ou autoridade do caso julgado que emana dessa sentença de embargos, sob pena de incorrer em contradição com o já decidido.

Ademais, inovadoramente, o actual artº 732º, nº 5 do CPC, estatui que, para além dos efeitos sobre a instância executiva, a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado material quanto à existência, validade e exigib
ilidade da obrigação exequenda [Neste sentido, veja-se José Lebre de Freitas, A Acção Executiva, À Luz do Código de Processo Civil de 2013, ed. 2016, pág. 221]."


3. [Comentário] a) Ao contrário do que se afirma no acórdão, o problema não é de caso julgado, mas, antes do mais, de preclusão. O que impede a alegação da nulidade do contrato nos embargos de executado não é o caso julgado da sentença que constitui o título executivo, mas a omissão da invocação e do conhecimento dessa nulidade no processo declarativo anterior e a consequente preclusão dessa alegação no posterior processo executivo.

A referida preclusão justifica o funcionamento da excepção de caso julgado nos embargos de executado, dado que, nos termos definidos no art. 580.º, n.º 2, CPC, esta excepção visa evitar, além do mais, a contradição de uma decisão anterior e a posterior declaração de nulidade do contrato seria contraditória com a anterior condenação do agora executado baseada nesse mesmo contrato. 
 
b) Sobre as razões que justificam estas soluções, cf. o paper divulgado em Paper (199)

MTS