"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



22/02/2017

Jurisprudência (561)


PER; âmbito subjectivo; 
trabalhadores por conta de outrem


1. O sumário de STJ 18/10/2016 (65/16.3T8STR.E1.S1) é o seguinte: 
 
I - Constitui jurisprudência reiterada do STJ o entendimento de que o processo especial de revitalização não é aplicável a trabalhadores subordinados.

II - O velho brocardo “onde a lei não distingue, não podemos distinguir” não deve, modernamente, ser tomado à letra e não é impedimento para uma interpretação teleológica da lei, impondo apenas um ónus de fundamentação quando o intérprete pretende introduzir diferenciações que não resultam directamente da letra da lei.

III - Tal fundamentação resulta do escopo que o legislador atribuiu ao processo especial de revitalização e que transparece nos próprios trabalhos preparatórios, qual seja, o de reorientar o CIRE para a promoção da recuperação, privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial.

IV - Este escopo não é coerente com a aplicação do processo especial de revitalização a trabalhadores por conta de outrem. Uma vez que a declaração de insolvência dos trabalhadores subordinados não faz cessar os seus contratos de trabalho, “não se entende em que poderia consistir a sua revitalização económica, a não ser num perdão parcial das respectivas dívidas” (Ac. do STJ de 12-04-2016), numa recuperação, em suma, não da sua actividade, mas da sua capacidade de endividamento.

V - Seria pouco coerente uma lei que, sendo tão exigente em matéria de exoneração do passivo restante do devedor insolvente, permitisse com a amplitude que o processo especial de revitalização proporciona, o referido perdão parcial de dívidas, sempre sem estar em causa evitar o desaparecimento de um agente económico e o concomitante empobrecimento do tecido empresarial.
 
2. Na fundamentação do acórdão encontra-se o seguinte: 
 
"A única questão jurídica que se suscita no presente processo é a de saber se o PER se aplica a pessoas singulares que são trabalhadores por conta de outrem.

O Acórdão recorrido respondeu afirmativamente, invocando como fundamento que “onde a lei não distingue não deve ser o seu aplicador a fazer tal distinção, assumindo tarefa que cabia ao legislador”. Cita abundante doutrina nesse sentido, a posição do Governo Português no portal do IAPMEI e a letra, tanto da proposta de lei 39/XII, como dos preceitos legais em matéria de PER, designadamente o n.º 11 do artigo 17.º-D que seria “elucidativo quanto à possibilidade de pessoas singulares recorrerem ao procedimento” (f.120, n. 3).

Há já jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que o PER não é aplicável a trabalhadores subordinados. Assim, e além do já citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/12/2015 (PINTO DE ALMEIDA), Processo n.º 1430/15.9T8STR, pronunciaram-se, no mesmo sentido, designadamente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/04/2016 (JOSÉ RAINHO), Processo n.º 979/15.8T8STR.E1.S1, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/04/2016 (SALRETA PEREIRA), Processo n.º 531/15.8T8STR.E1.S1 e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/06/2016 (ANA PAULA BOULAROT), Processo n.º 3377/15.0T8STR.E1.S1 [...].

Em todos eles procedeu-se a uma interpretação teleológica e restritiva dos preceitos legais. Com efeito, o velho brocardo “onde a lei não distingue, não podemos distinguir” não deve, modernamente, ser tomado à letra e não é impedimento para uma interpretação teleológica da lei, impondo apenas um ónus de fundamentação quando o intérprete pretende introduzir diferenciações que não resultam directamente da letra da lei.

Tal fundamentação, como todos os Acórdão já citados sublinham, resulta do escopo que o legislador atribuiu ao PER e que transparece nos próprios trabalhos preparatórios. Como se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/04/2016 (SALRETA PEREIRA), a Exposição de Motivos da Proposta de Lei 39/XII de 30.12.2011 que esteve na origem da Lei 16/2012 que alterou o CIRE e criou o PER afirma que o principal objectivo prosseguido pela revisão da lei é o de reorientar o CIRE para a promoção da recuperação, privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial. Trata-se de evitar o desaparecimento de agentes económicos, “visto que cada agente que desaparece representa um custo apreciável para a economia, contribuindo para o empobrecimento do tecido económico português, gerando desemprego e extinguindo oportunidades comerciais”.

Ora este escopo não parece coerente com a aplicação do PER a trabalhadores por conta de outrem. Não se nega que o consumo seja uma atividade economicamente relevante, mas como a declaração de insolvência dos trabalhadores subordinados não faz cessar os seus contratos de trabalho “não se entende em que poderia consistir a sua revitalização económica, a não ser num perdão parcial das respectivas dívidas” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/04/2016), numa recuperação, em suma, não da sua atividade, mas da sua capacidade de endividamento. Acresce que seria bem pouco coerente uma lei que sendo tão exigente em matéria de exoneração do passivo restante do devedor insolvente, permitisse com a amplitude que o PER proporciona o referido perdão parcial das dívidas, isto, repete-se, sem estar em causa evitar o desaparecimento de um agente económico e o concomitante empobrecimento do tecido empresarial.

Além do mais, a lei prevê para as pessoas singulares o plano de pagamentos aos credores (artigos 251.º e seguintes do CIRE) em que as sentenças e a decisão de encerramento do processo “não são objecto de qualquer publicidade ou registo” (n.º 5 do artigo 259.º do CIRE), evitando-se, assim, o que alguns autores consideram ser o efeito “infamante” da insolvência ou o “estigma social”."
 
[MTS]