"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



05/05/2017

Jurisprudência (613)


Recurso de apelação; gravação da prova;
prazo de interposição


1. O sumário de STJ 11/1/2017 (
68/13.0TBCUB-D.E1.S1) é o seguinte:
 
I - Quando o acórdão da Relação se integra nas situações excepcionais do n.º 2, do art. 629.º, não faz sentido apelar aos requisitos da revista excepcional, sendo admissível a revista independentemente da ocorrência de uma situação de dupla conformidade.
 
II – Verificam-se os pressupostos da contradição de julgados quando no acórdão recorrido se considerou aplicável o disposto no art.158.º, n.º 1, al.c), da OTM, pelo que se entendeu não ser permitida a gravação da prova, e no acórdão fundamento, pelo contrário, se considerou tal norma revogada, pelo que se entendeu ser obrigatória tal gravação.

III - Dada a razão de ser do disposto no citado art.158.º, n.º1, al. c), não se pode dizer que o mesmo, ao proibir a redução a escrito da prova, tenha pretendido também proibir a respectiva gravação sonora. 

IV - Ou seja, aquele artigo apenas proíbe a redução a escrito, nada prevendo a respeito da gravação, pelo que estamos perante um caso omisso, a resolver, nos termos do disposto no art.161º, da OTM, segundo as regras do processo civil que não contrariem os fins da jurisdição de menores. 

V - As regras do processo civil são no sentido de permitir a gravação (entre 1995 e 1/9/13), e, posteriormente, a partir de 1/9/13, no sentido de obrigar a gravação.

VI - Sendo que, não se vê que aquela permissão e esta obrigatoriedade contrariem os fins da jurisdição de menores, antes pelo contrário, tendo em conta, designadamente, o triplo objectivo que se visa alcançar com o registo das audiências finais e da prova nelas produzida, a que alude o preâmbulo do DL nº 39/95, de 15/2. 

VII - Consequentemente, no caso dos autos, nada impedia que a audiência fosse gravada, como, aliás, foi, ao abrigo das regras do processo civil supra referidas, pelo que dispunha a recorrente do acréscimo de 10 dias do prazo de recurso.

2. Na fundamentação do acórdão pode ler-se o seguinte:

"Toda a questão reside em saber se, no caso, a recorrente beneficia ou não do acréscimo de 10 dias ao prazo de interposição do recurso, nos termos do disposto no art.638º, nº 7.

Assim, de harmonia com o disposto neste artigo, «Se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, ao prazo de interposição e de resposta acrescem 10 dias».

Por conseguinte, tal acréscimo só se verificará se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada.

Para que tenha lugar esta reapreciação, é necessário, pois, que a prova tenha sido gravada.

No caso dos autos, o que consta é que a prova foi gravada por determinação da própria Juíza, sendo que no acórdão recorrido se entendeu que, por força do disposto no art.158º, nº 1, al.c), da OTM, não é permitida a gravação da prova e que, por isso, não existe fundamento para o acréscimo de 10 dias ao prazo de 30 dias do recurso.

No acórdão fundamento, não ocorreu tal gravação, mas entendeu-se que a mesma era obrigatória, considerando derrogada a norma do citado art.158º, nº 1, al.c), por força da norma posterior do art.155º, nº 1, do CPC.

No entanto, neste acórdão não havia sido colocada a questão do aludido acréscimo de 10 dias, mas apenas a questão de saber se era obrigatória ou não a gravação dos depoimentos prestados em audiência no âmbito dos processos tutelares cíveis.

Só que, a nosso ver, esta questão de direito reveste-se de natureza essencial e decisiva para o resultado que foi alcançado em ambas as decisões.

Assim, o acórdão recorrido, entendendo que não era permitida a gravação da prova, face ao disposto no art.158º, nº1, al.c), da OTM, concluiu que não existia fundamento para o acréscimo do prazo, por não haver lugar a reapreciação da prova gravada.

Por seu turno, o acórdão fundamento, entendendo que era obrigatória tal gravação, por considerar derrogada aquela norma, não tendo a mesma sido efectuada, concluiu que ocorre clara nulidade processual, embora tenha considerado intempestiva a respectiva arguição, ficando, pois, sanada.

Ou seja, enquanto no acórdão recorrido se considerou aplicável o disposto no art.158º, nº 1, al.c), da OTM, pelo que se entendeu não ser permitida a gravação da prova, no acórdão fundamento, pelo contrário, considerou-se tal norma revogada, pelo que se entendeu ser obrigatória tal gravação.

Dúvidas não restam que, no caso, se verificam os 1º e 4º requisitos atrás referidos.

Quanto aos 2º e 3º, isto é, quanto à identidade da situação que subjaz a cada uma das decisões e à contradição do acórdão recorrido com o acórdão fundamento, também nos parece que os mesmos ocorrem no caso dos autos, pelos motivos mencionados supra.

Face ao exposto, considera-se que o acórdão recorrido está em contradição com outro no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, dele não cabendo recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, sendo que não foi proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

Consequentemente, nos termos do disposto no art.629º, nº2, al.d), haverá que concluir que é admissível recurso do acórdão em questão.

Nada obsta, pois, à admissibilidade da revista, por força do citado artigo, revogando-se, assim, a decisão do relator que a não admitiu."

[MTS]