"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



22/05/2017

Jurisprudência (624)


Responsabilidade civil do Estado; 
decisão ilegal; revogação prévia


1. O sumário de RP 24/1/2017 (20692/15.5T8PRT.P1) é o seguinte

A responsabilização civil extracontratual do Estado, por erro judiciário, nos termos do art 13º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas exige a prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente.
 
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Assinalando a natureza de condição de acção, mais do que a de um pressuposto processual, ao requisito prescrito no nº 2 do referido art. 13º do RRCEEEP e citando a esse propósito e com pertinência Carlos Cadilha, (“Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas Anotado”, pag.156 e ss.), tem-se por inequívoca a correspondente ratio legis: “No que se refere ao regime do erro judiciário, para além da delimitação genérica do instituto, assente num critério de evidência do erro de direito ou na apreciação dos pressupostos de facto, entendeu-se dever limitar a possibilidade de os tribunais administrativos, numa acção de responsabilidade, se pronunciarem sobre a bondade intrínseca das decisões jurisdicionais, exigindo que o pedido de indemnização seja fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente. (Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 56/X/2006, antecedente da Lei nº 67/2007, de 31-12). A referência à competência da jurisdição administrativa perdeu a sua pertinência, com a fixação da competência para a apreciação deste tipo de situações nos tribunais da ordem comum.

Como se refere ainda na decisão recorrida, quanto ao preenchimento de uma tal condição de procedência da acção, a “prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente, no nº 2 do art. 13º do RRCEEEP, significa que o erro judiciário deve ser demonstrado no próprio processo judicial em que foi cometido e através dos meios de impugnação que forem aí admissíveis, estando excluída a possibilidade de tal erro ser demonstrado (é dizer, a decisão danosa ser revogada) na acção de responsabilidade em que se pretenda efectivar o direito de indemnização (cfr. Ac. STJ, de 24/02/2015; relator: Pinto de Almeida; in www.dgsi.pt).”

Como sobressai das conclusões 10ª e 11ª do recurso, o apelante admite que não ocorreu, no processo onde foram proferidas, a revogação de qualquer das decisões em resultado das quais se viu privado do benefício da liberdade condicional. Alega, porém, é que nem chegou a poder impugnar em recurso qualquer dessas decisões, pois que o juiz titular do processo até isso prejudicou, ao reduzir-se à prolação de decisões de mero expediente, insusceptíveis de recurso e, por isso, de revogação. Daí que defenda – parece-nos - no seu caso concreto não pode ser exigida a verificação de uma tal condição de procedência da sua pretensão.

Entendemos, porém, que os factos descritos supra, que são elementos do próprio processo do TEP respeitante ao apelante e à respectiva instância sobre liberdade condicional, desmentem aquela interpretação por este proposta: é que houve duas efectivas decisões que rejeitaram a concessão da liberdade condicional pretendida e com elas se conformou o ora apelante. É certo que, tardiamente, à luz de um expediente que infra se analisará, se viu impedido de obter a apreciação da situação pelo tribunal de recurso; mas isso foi mera consequência da não impugnação tempestiva da efectiva decisão que indeferira a sua pretensão.

Com efeito, analisado o rol de factos provados, o que se constata é que, perante a aproximação do meio da pena e da correspondente hipótese legal de concessão de liberdade condicional, cumprido o procedimento pertinente, acabou por ser proferida decisão que rejeitou a colocação do apelante em liberdade condicional. Isso aconteceu em 28/3/2012 e o ora apelante não impugnou tal decisão por requerimento, limitando-se a reformular a sua pretensão perante o mesmo órgão, o que deu azo à simples rejeição da sua pretensão. A decisão em causa consolidou-se, pois, por não ter sido impugnada por recurso - cfr. itens 6 a 8 dos factos provados.

Nestas circunstâncias, jamais poderia ser em relação a essa decisão que se poderia considerar verificada ou dispensada a verificação do pressuposto constante do nº 2 do art. 13º do RRCEEEP: o ora apelante, confrontado com uma decisão desfavorável à sua pretensão de concessão de liberdade condicional não providenciou pela sua revogação através do meio adequado para o efeito, designadamente o recurso."

3. [Comentário] Já houve a oportunidade de tratar várias vezes neste Blog com algum sentido crítico da problemática da revogação da decisão alegadamente ilegal como pressuposto da responsabilidade civil do Estado por erro judiciário. Sobre a matéria, cf
. Jurisprudência europeia (TJ) (57) e Responsabilidade civil do Estado por erro judiciário; consequências de TJ 9/9/2015 (C‑160/14). 

MTS