"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



25/05/2017

Jurisprudência (627)


Prova documental; exame do documento; 
mandato judicial; renúncia; suspensão da instância


1. O sumário de RC 24/1/2017 (412/09.4TBMMV-A.C1) é o seguinte:
 
I – Preceitua a al. b) do n.º 1 do art.º 651º do C.P.C. revogado, mas o aplicável ao caso, que se for oferecido documento que não tenha sido oferecido anteriormente e que a parte contrária não possa examinar no próprio acto, mesmo com suspensão dos trabalhos por algum tempo, e o tribunal entenda que há grave inconveniente em que a audiência prossiga sem resposta sobre o documento oferecido, a audiência será adiada.

II - Da leitura do preceito resulta que a parte contrária deve examinar o documento, para exercer o contraditório, principio consagrado no art.º 3º do C.P.C. e no art.º 205º da C.R.P.

III - Dispõe o nº 2 do art. 39º do CPC que “os efeitos da revogação e da renúncia produzem-se a partir da notificação, sem prejuízo do disposto nos números seguintes…”, dispondo o nº 3 que “nos casos em que é obrigatória a constituição de advogado, se a parte, depois de notificada da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de 20 dias, suspende-se a instância, se a falta for do autor; se for do réu, o processo segue os seus termos, aproveitando-se os actos anteriormente praticados pelo advogado”.

IV - O art. 39º, nº 2, do CPC ao determinar que os efeitos da renúncia se produzem a partir da notificação, mas ressalvando expressamente o disposto nos números seguintes, introduz claramente a ideia de que, embora seja essa a regra, os efeitos da renúncia nem sempre se produzem imediatamente com a respectiva notificação. E, se é certo que essa ideia é introduzida pelo nº 2, parece-nos igualmente inquestionável que ela é confirmada pelo nº 3, quando diz que, decorrido aquele prazo de vinte dias sem ter sido constituído novo mandatário, se suspende a instância.

V - Com efeito, e – como decorre do citado nº 3 – é apenas após o decurso daquele prazo de vinte dias que ocorre a suspensão da instância, parece evidente que tal suspensão não ocorre em momento anterior (com a notificação da renúncia).

VI - Não configurando a falta de testemunhas, ainda que não notificadas, motivo de adiamento, tem-se como correcto o início da audiência, impondo-se no entanto a sua interrupção findas as provas que de imediato se puderem produzir, notificando o mandatário faltoso da não notificação das testemunhas, o que poderá fazer no prazo geral de 10 dias, exercendo algum dos direitos conferidos pelo n.º 3 do art.º 629º do C. P. Civil.
 
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"A fls. 252 v.º a Dr.º ... veio renunciar ao mandato em 20/2/2015.

A audiência de discussão e julgamento estava agendada para o dia 23/2/2015.

Na audiência de discussão e julgamento de 23/2/2015 foi proferido o seguinte despacho para a ata «A mandatária do exequente J... veio, por requerimento enviado electronicamente a 20/2/2015, pelas 20:02 horas (sexta feira passada), apresentar a sua renúncia ao mandato.

Tal renúncia ao mandato não opera enquanto o mandante não for pessoalmente notificado da mesma (conforme art.º 39, n.º 2, in fine, do antigo C.P.C., por força do disposto no n.º 4, do art.º 6, da Lei 41/2013, de 26 de Junho).

Tendo em conta o que se acaba de expor, verificamos que a Sr.ª Dr.ª ..., mantendo-se ainda no exercício do mandato, não comunicou ao tribunal a sua ausência e justificação para a sua não comparência no dia de hoje – julgamento de 23 de Fevereiro.

Donde, inexiste aqui qualquer causa de adiamento do presente julgamento, tendo em conta que a marcação desta audiência foi feita em cumprimento do disposto no art.º 155 do antigo Código de Processo Civil (despacho de 5/1/2015).

Assim sendo, dada a ausência injustificada da Sr.ª Advogada, isto é, fora das circunstâncias previstas nas alíneas c) e d), do art.º 651, do C.P.C., n.º 1, do antigo CPC, determina-se a gravação dos depoimentos das testemunhas que se encontram presentes nesta audiência (art.º 651, n.º 5, do antigo C.P.C.). (…)»

Dispõe o nº 2 do citado art. 39º que “os efeitos da revogação e da renúncia produzem-se a partir da notificação, sem prejuízo do disposto nos números seguintes…”, dispondo o nº 3 que “nos casos em que é obrigatória a constituição de advogado, se a parte, depois de notificada da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de 20 dias, suspende-se a instância, se a falta for do autor; se for do réu, o processo segue os seus termos, aproveitando-se os actos anteriormente praticados pelo advogado”.

O art. 39º, nº 2, ao determinar que os efeitos da renúncia se produzem a partir da notificação, mas ressalvando expressamente o disposto nos números seguintes, introduz claramente a ideia de que, embora seja essa a regra, os efeitos da renúncia nem sempre se produzem imediatamente com a respectiva notificação. E, se é certo que essa ideia é introduzida pelo nº 2, parece-nos igualmente inquestionável que ela é confirmada pelo nº 3, quando diz – no que se reporta ao autor – que, decorrido aquele prazo de vinte dias sem ter sido constituído novo mandatário, se suspende a instância.

Com efeito, e – como decorre do citado nº 3 – é apenas após o decurso daquele prazo de vinte dias que ocorre a suspensão da instância, parece evidente que tal suspensão não ocorre em momento anterior (com a notificação da renúncia).

Na redacção anterior ao Dec. Lei 329-A/95, o art. 39º determinava expressamente que, sendo obrigatória a constituição de advogado, a renúncia ao mandato apenas produzia efeito depois de constituído novo mandatário, e, não existindo prazo estabelecido para esse efeito, apenas se determinava que o mandatário requeresse a fixação desse prazo, findo o qual o mandato se consideraria extinto, suspendendo-se a instância, se a falta fosse do autor.
 
Apesar de ter sido eliminada a referência expressa ao facto de a renúncia apenas produzir efeitos – com a inerente extinção do mandato – com a constituição de novo mandatário ou com o decurso do prazo fixado para esse efeito, parece-nos claro que essa alteração não visou a concreta questão que aqui analisamos, já que aquilo que continua a decorrer do regime legal a que está submetida a renúncia do mandato é que, sendo obrigatória a constituição de advogado, os efeitos dessa renúncia e, consequentemente, a extinção do mandato apenas se produzem com a constituição de novo mandatário ou com o decurso do prazo de vinte dias que ali se estabelece para esse efeito – (Cfr. neste sentido, José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2.ª edição, pág. 81; Abílio Neto, Código de Processo Civil Anotado, 20.ª edição refundida e actualizada, pág. 117; Acórdão da Relação de Coimbra de 29/11/2011, processo n.º 2191/03.0TBACB-A.C1 e Acórdão da Relação do Porto de 17/06/2004, com o n.º convencional JTRP00037051, ambos disponíveis em http://www.dgsi.pt.

Não havendo lugar a qualquer suspensão da instância (porque não está prevista na lei), manter-se-á o mandato e, portanto, o mandatário, não obstante a renúncia, continua vinculado aos deveres dele decorrentes, continuando a assumir a representação da parte e continuando a agir – como lhe impõe o Estatuto da Ordem dos Advogados – de forma a defender os interesses legítimos do cliente, com cumprimento das normas legais e deontológicas.

Face ao exposto a Dr.ª ... continuava mandatária do recorrente, estando sujeita às regras processuais dos mandatários das partes.

Tendo a audiência de discussão e julgamento designada para o dia 23 de Fevereiro de 2015, sido marcada em cumprimento do disposto no art.º 155 do antigo Código de Processo Civil e não tendo a Dr.ª ... cumprido o n.º 5 do art.º 155 do C.P.C. revogado, mas o aplicável ao caso, nenhuma nulidade foi cometida.

Assim, face ao exposto não foi cometida qualquer violação, no que concerne ao despacho proferido na ata de audiência de discussão e julgamento do dia 23/2/2015."
 
[MTS]