"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



18/01/2018

Jurisprudência (772)



Reg. 2201/2003; regulação do exercício das responsabilidades parentais;
residência habitual do menor


1. O sumário de RC 11/10/2017 (6484/16.8T8VIS.C1) é o seguinte: 

I – Sobre a competência internacional reza o art.º 59º do C.P.C. - Competência internacional – ‘sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º’.

II - Da leitura do preceito resulta que a lei portuguesa dá prevalência às normas convencionais sobre tal matéria, pugnando o referido na Constituição da República Portuguesa, na media em que o seu art.º 8, em conjugação com outras normas, nomeadamente as constantes dos nºs 5 e 6 do art.º 7º, acolhe o princípio do primado do Direito Comunitário, e no seu nº 2 consagrou a doutrina da receção automática das normas do direito internacional particular, isto é, o direito convencional constante de tratados e acordos em que participe o Estado português, as quais são diretamente aplicáveis pelos tribunais, apenas condicionando a sua eficácia interna à publicação oficial no seguimento de ratificação ou aprovação.

III - O Regulamento (CE) Nº 2201/2003 do Conselho de 27/11/03, que revoga o Regulamento (CE) nº 1347/2000, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, nos seus artigos 8º, nº 1, 9º, nº 1 e 10.º estabelece como competentes os tribunais do Estado-Membro da residência habitual da criança para tomarem decisões em matéria de responsabilidade parental.

IV - Sendo a Alemanha e Portugal membros da Comunidade Europeia, haverá de atender-se ao disposto no Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, uma vez que o mesmo tem aplicação às matérias respeitantes à atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental - artº 1º, nº 1, alª b) - e se assume como instrumento jurídico comunitário vinculativo e diretamente aplicável para determinar as regras relativas à competência judiciária, de forma a ultrapassar as disparidades das regras nacionais em matéria de competência judicial - artº 17º.

V - Não define o Regulamento o que deva entender-se por residência habitual. Trata-se, em nosso entender, de um conceito autónomo da legislação comunitária, independente relativamente ao que possa constar das legislações nacionais, devendo ser interpretado em conformidade com os objetivos e as finalidades do Regulamento, e que deve ser procurado caso a caso pelo juiz, mas tendo em conta, desde logo, que o adjetivo “habitual” tende a indicar uma certa duração.

VI - Temos para nós que face à nota (12) daquele Regulamento (Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003) e na esteira do Ac. da Rel. de Lisboa de 12/7/2012, Proc.º n.º 1327/12.4TBCSC.L1.2, relatado por Sérgio Almeida, que o critério decisivo para a determinação da competência em sede de responsabilidade parental não é tanto a residência habitual mas sim a proximidade. Ou seja, a residência habitual é uma decorrência ou manifestação da proximidade, enquanto critério aferidor, e não o contrário.

VII - E, portanto, se a maior proximidade do menor for a outra ordem jurídica, será o Tribunal desta o competente (art.º 15), já que é o que melhor corresponde ao superior interesse na criança (nota 12), na medida em que é “o que se encontra mais bem colocado para conhecer do processo (art.º 15).

VIII - Sendo um dos fitos da atribuição da competência a um dado tribunal a melhor resolução da causa, por se entender que a proximidade dos contornos ou circunstancias do caso favorecem a consecução de uma decisão mais justa e conscienciosa, o caso vertente aconselha que seja o tribunal português, o de Viseu, a apreciar e decidir, desde logo pelo critério de aproximação e os superiores interesses do menor, que devem estar sempre na linha da frente, até porque o menor aqui nasceu e conviveu com os seus familiares, aqui mantendo as suas origens e raízes, por um lado, e por outro o pouco tempo que se encontra na Alemanha.
 

2. No relatório e na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte: 

"1. Relatório

1.1.- L... requereu contra D... a alteração do regime de regulação das responsabilidades parentais em relação ao filho menor das partes, L..., tendo indicado, para si, uma residência habitual em Viseu e temporária na Guarda, e para a requerida uma residência na Alemanha e, quando em Portugal, em Viseu. 

Para tanto alega, em síntese, que o filho menor, L..., reside com a mãe “alegadamente” na Alemanha, não conseguindo estabelecer contactos com o mesmo. [...]

2. Fundamentação

[...] No caso em apreço resulta que o menor viu regulado o exercício do poder paternal em Portugal, no tribunal que agora se declarou incompetente internacionalmente, é verdade que a alteração de regulação do exercício do poder paternal constitui uma acção independente e autónoma em relação à acção onde inicialmente foi regulada a relação parental e por isso não impeditiva de se fixar nova competência, mormente a nível internacional. Mas não é menos verdade que nesse processo foram tidos em conta factos que podem continuar a ter interesse para o superior interesse da criança, podendo se assim, se entender ouvir pessoas que colheram ou tiveram conhecimento desses factos.

Por outro lado resulta que o menor se encontra a viver com sua mãe na Alemanha apenas desde Abril de 2012, tendo vivido em Portugal desde a data do nascimento 10-11-2004 até Abril de 2012 data em que foi viver para a Alemanha.

Por outro lado, resulta que o menor, até ir com sua mãe para o Estrangeiro - Alemanha, sempre viveu em Viseu, com os progenitores, que nesta cidade continuam a viver as famílias de ambos os progenitores, designadamente avós e tios, que mantinham relacionamento pessoal com o menor e respectivos progenitores.

Assim, sendo um dos fitos da atribuição da competência a um dado tribunal a melhor resolução da causa, por se entender que a proximidade dos contornos ou circunstancias do caso favorecem a consecução de uma decisão mais justa e conscienciosa, o caso vertente aconselha que seja o tribunal português, o de Viseu, a apreciar e decidir, desde logo, pelo critério de aproximação e os superiores interesses do menor, que devem estar sempre na linha da frente, até porque o menor aqui nasceu, e conviveu com os seus familiares, aqui mantendo as suas origens e raízes, por um lado, e por outro o pouco tempo que se encontra na Alemanha.

Assim, face ao exposto a pretensão do recorrente tem de proceder, sendo competente para apreciar a questão em apreço o tribunal de menores “a quo”.

3. [Comentário] a) A RC deveria ter aplicado o decidido pelo TJ nomeadamente nos seguintes acórdãos:

-- TJ 2/9/2009 (C-523/07), no qual se definiu o seguinte:

O conceito de «residência habitual», na acepção do artigo 8.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2201/2003, deve ser interpretado no sentido de que essa residência corresponde ao local que revelar uma determinada integração do menor num ambiente social e familiar. Para esse fim, devem ser tidas em consideração, nomeadamente a duração, a regularidade, as condições e as razões da permanência no território de um Estado‑Membro e da mudança da família para esse Estado, a nacionalidade do menor, o local e as condições de escolaridade, os conhecimentos linguísticos, bem como os laços familiares e sociais que o menor tiver no referido Estado. Incumbe ao órgão jurisdicional nacional determinar a residência habitual do menor tendo em conta o conjunto das circunstâncias de facto relevantes em cada caso concreto.

-- TJ 22/12/2010 (C‑497/10 PPU, Mercredi/Chaffe), que decidiu o seguinte:

O conceito de «residência habitual», na acepção dos artigos 8.° e 10.° do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000, deve ser interpretado no sentido de que essa residência corresponde ao lugar que traduz uma certa integração da criança num ambiente social e familiar. Para tanto, e quando está em causa a situação de uma criança em idade lactente que se encontra com a mãe apenas há alguns dias num Estado‑Membro diferente do da sua residência habitual, para o qual foi deslocada, devem designadamente ser tidas em conta, por um lado, a duração, a regularidade, as condições e as razões da estada no território desse Estado‑Membro e da mudança da mãe para o referido Estado e, por outro, em razão, designadamente, da idade da criança, as origens geográficas e familiares da mãe, bem como as relações familiares e sociais mantidas por esta e pela criança no mesmo Estado‑Membro. Cabe ao órgão jurisdicional nacional fixar a residência habitual da criança tendo em conta todas as circunstâncias de facto específicas de cada caso.


Na hipótese de a aplicação dos critérios acima referidos levar, no processo principal, a concluir que a residência habitual da criança não pode ser fixada, a determinação do tribunal competente deveria ser efectuada com base no critério da «presença da criança» na acepção do artigo 13.° do regulamento. 

b) O TJ definiu nos acórdãos referidos a residência habitual da criança como um conceito autónomo, fazendo-o coincidir, no essencial, com o lugar no qual a criança tem o seu centro de interesses (Rauscher/Rauscher, EuZPR/EuIPR (2015), Art 8 Brüssel IIa-VO 11). 

De acordo com os critérios estabelecidos nos acórdãos do TJ, não parece que, atendendo às características do caso sub iudice, o tribunal português devesse ter sido considerado competente. Mas, ainda que assim não se viesse a entender, teria sido sempre indispensável considerar a doutrina definida pelo TJ sobre a matéria de molde a evitar uma possível violação do Direito Europeu.

MTS