"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



28/02/2018

Informação (216)


Alteração do CPC
 e de outras leis


-- Projeto de Lei 772/XIII: 2.ª alteração à Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, consagrando a atualização anual dos honorários dos serviços jurídicos prestados pelos advogados no âmbito do apoio judiciário, bem como a obrigação de revisão da lei no prazo de um ano

-- Projeto de Lei 783/XIII: 6.ª alteração ao Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho

-- Projeto de Lei 784/XIII: 2.ª alteração à Lei n.º 78/2001, de 13 de julho ("Julgados de Paz - Competência, Organização e Funcionamento")

-- Projeto de Lei 785/XIII: 3.ª alteração à Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto ("Lei da Organização do Sistema Judiciário") 

Bibliografia (637)



-- Lendermann, Procedure Shopping Through Hybrid Arbitration Agreements / Considerations on party autonomy in institutional international arbitration (Nomos: Baden-Baden 2018)

-- Masser / Engewald / Scharpf / Ziekow, Die Entwicklung der Mediation in Deutschland / Bestandsaufnahme nach fünf Jahren Mediationsgesetz (Nomos: Baden-Baden 2018)

-- Wiik, Amicus Curiae before International Courts and Tribunals (Nomos: Baden-Baden 2018)


Jurisprudência (801)


Oposição à execução; cheque;
relação subjacente; excepções


1. O sumário de RC 21/11/2017 (50/16.5T8GVA-A.C1) é o seguinte:

I – De acordo com a definição que nos é dada pelo art.º 1º da LUCh, o cheque é uma ordem escrita sobre um banco para que pague ao emitente ou à pessoa inscrita como último beneficiário uma certa importância em dinheiro, com base em fundos disponíveis para o efeito, que contém o mandato puro e simples de pagar uma quantia determinada, o nome da pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga, a assinatura de quem a passa e a indicação da data em que e o lugar onde é passada.

II - Assim, o direito de crédito cambiário está consubstanciado no docu­mento, o conteúdo da obrigação cambiária é o que ele revela e é independente da respectiva causa debendi.

III - Os princípios da literalidade e da abstracção são instrumentais em relação à independência do direito cambiário face à causa que esteve na origem da sua constituição.

IV - No entanto, a plena relevância das aludidas características da literalidade e abstracção depende do cheque entrar em circulação, ou seja, de passar à titularidade de terceiros.

V - Deste modo, é de todo o interesse, nas relações cambiárias distinguir-se entre as imediatas, que se estabelecem entre os sujeitos seus intervenientes directos, sem intermediação de outrem, como é o caso, por exemplo, do sacador e do acei­tante, e as mediatas, em que o portador é estranho às relações extracartulares, o que ocorre quando os cheques são endossadas a um terceiro, que, por via desse endosso, passa a integrar a cadeia de sujeitos cambiários.

VI - A inoponibilidade das excepções causais a terceiros não reside na abstracção dos títulos de crédito, fundamento que não explicaria a possibilidade dessa defesa já poder valer nas relações imediatas, antes tendo explicação no princípio
res inter alii neque nocere neque processe potest.

VII – Diz-se que o cheque está no domínio das relações mediatas quando o portador é uma pessoa estranha à convenção extracartular subjacente.

VIII - Ora, no presente caso, apesar de o cheque ter sido emitido pelo devedor a favor de terceira pessoa que o endossou à exequente, a relação subjacente à sua emissão tem como sujeitos precisamente o devedor e a sua atual portadora, pelo que esta não é uma pessoa estranha à relação extracartular, não tendo aqui aplicação o princípio
res inter alios acta, não havendo por isso qualquer razão que justifique a existência do impedimento previsto no art.º 22º da LUCh.

IX - Se o cheque dado à execução foi emitido para pagamento de parte do preço acordado num contrato de empreitada celebrado entre a exequente e o executado, não há qualquer justificação para que o executado - o sacador do cheque - não possa opor à exequente – a actual portadora do cheque - defesa com base nas relações estabelecidas pelo contrato de empreitada, uma vez que esta não é estranha a essas relações, pelo que não tem aqui aplicação o disposto no art.º 22º da LUCh.
 
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
 
"A Recorrente coloca em crise que a defesa usada pelo Executado como fundamento dos embargos deduzidos seja admissível atenta a posição que ambos detêm no cheque dado à execução.

A oposição à execução é uma fase eventual da acção executiva que assume a estrutura de acção declarativa do tipo de contra-acção tendente a obstar aos efeitos da execução por via da afectação dos efeitos normais do título executivo, em que o executado pode invocar factos de impugnação e/ou de excepção. 

Na acção executiva a que foi deduzida esta oposição o título é um cheque, em que o exequente figura como portador em consequência de endosso e o executado como sacador.

De acordo com a definição que nos é dada pelo art.º 1º da LUCh, o cheque é uma ordem escrita sobre um banco para que pague ao emitente ou à pessoa inscrita como último beneficiário uma certa importância em dinheiro, com base em fundos disponíveis para o efeito, que contém o mandato puro e simples de pagar uma quantia determinada, o nome da pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga, a assinatura de quem a passa e a indicação da data em que e o lugar onde é passada.

É um título de crédito à ordem, de natureza formal, pelo qual uma pessoa se compromete, para com outra, a pagar-lhe determinada importância, em certa data e é envolvido, sob a motivação de facilitar a sua circulação como tal e de salvaguar­dar os interesses de terceiros de boa-fé, das características da incorporação, da literalidade, da abstracção, da independência recíproca das obrigações nele assumi­das e da autonomia do direito do portador.

Assim, o direito de crédito cambiário está consubstanciado no docu­mento, o conteúdo da obrigação cambiária é o que ele revela e é independente da respectiva causa debendi

Os princípios da literalidade e da abstracção são instrumentais em relação à independência do direito cambiário face à causa que esteve na origem da sua constituição.

Por via da relação jurídica cambiária decorrente do cheque que à execução serve de título executivo, está o sacador/embargante, em princípio, juridicamente vinculado a pagar ao exequente a quantia exequenda.

No entanto, a plena relevância das aludidas características da literalidade e abstracção depende do cheque entrar em circulação, ou seja, de passar à titularidade de terceiros.

Deste modo, é de todo o interesse, nas relações cambiárias distinguir-se entre as imediatas, que se estabelecem entre os sujeitos seus intervenientes directos, sem intermediação de outrem, como é o caso, por exemplo, do sacador e do acei­tante, e as mediatas, em que o portador é estranho às relações extracartulares, o que ocorre quando os cheques são endossadas a um terceiro, que, por via desse endosso, passa a integrar a cadeia de sujeitos cambiários.

O cheque em causa está emitido a favor de pessoa diversa do exe­quente que é o seu portador e pelo executado na posição jurídica de sacador, pelo que não estamos no plano das relações imediatas, não podendo, em princípio discutir-se, nesta fase declarativa de oposição à execução, a origem da constituição da obrigação jurídica cambiária, por via da análise do conteúdo da respectiva relação jurídica subjacente, conforme resulta do art.º 22º da LUch, que não permite à pessoa accionada em virtude de um cheque que nas relações mediatas possa opor ao portador as excepções fundadas sobre as relações pessoais delas consigo ou com portadores anteriores a não ser quando o portador ao adquirir o cheque tiver procedido conscientemente em detrimento do devedor.

Dos factos que resultaram provados resulta inequívoco que a Recorrente e Recorrido não se encontram nas relações imediatas.

O art.º 22º da LUCh reproduz o disposto no artigo 17.º da L.U.L.L. para as letras e livranças.

A inoponibilidade das excepções causais a terceiros não reside na abstracção dos títulos de crédito, fundamento que não explicaria a possibilidade dessa defesa já poder valer nas relações imediatas, antes tendo explicação no princípio res inter alii neque nocere neque processe potest [Carolina Cunha, in Letras e Livranças. Paradigmas actuais e recompreensão de um regime, pág. 244 e seg., Almedina, 2012].

Na verdade, conforme dispõe o art.º 406º do C. Civil, quando a relação obrigacional tem na sua origem um contrato, em regra o negócio não têm eficácia externa, só produzindo efeitos relativamente a terceiros nos casos previstos na lei.

Ora, quer o referido art.º 17º da LULL, quer o art.º 22º da LUCh, reforçam aquela regra geral nos títulos de crédito, supondo, tipicamente, situações geradas pela circulação do título, em cujo contexto se reafirma a impossibilidade de o devedor-demandado se defender, invocando excepções emergentes da relação causal da emissão do título às quais o credor-demandante é alheio.

Daí que se diga que o cheque está no domínio das relações mediatas quando o portador é uma pessoa estranha à convenção extracartular subjacente [Cfr. Abel Pereira Delgado, in Lei Uniforme sobre o cheque anotada, pág. 107, da 3.ª ed., Livraria Petrony].

Ora, no presente caso, apesar de o cheque ter sido emitido pelo devedor a favor de terceira pessoa que o endossou à exequente, a relação subjacente à sua emissão tem como sujeitos precisamente o devedor e a sua atual portadora, pelo que esta não é uma pessoa estranha à relação extracartular, não tendo aqui aplicação o princípio res inter alios acta, não havendo por isso qualquer razão que justifique a existência do impedimento previsto no art.º 22º da LUCh.

Se o cheque dado à execução foi emitido para pagamento de parte do preço acordado num contrato de empreitada celebrado entre a exequente e o executado, não há qualquer justificação para que o executado - o sacador do cheque - não possa opor à exequente – a actual portadora do cheque - defesa com base nas relações estabelecidas pelo contrato de empreitada, uma vez que esta não é estranha a essas relações, pelo que não tem aqui aplicação o disposto no art.º 22º da LUCh, conforma decidiu a sentença recorrida, embora com diferentes fundamentos."
 
[MTS]


27/02/2018

Jurisprudência europeia (TJ) (155)


Reenvio prejudicial — Artigo 19.°, n.° 1, TUE — Vias de recurso — Tutela jurisdicional efetiva — Independência judicial — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 47.° — Reduções remuneratórias na função pública nacional — Medidas de austeridade orçamental


1. TJ 27/2/2018 (C‑64/16, Associação Sindical dos Juízes Portugueses/Tribunal de Contas) decidiu o seguinte:

O artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE deve ser interpretado no sentido de que o princípio da independência judicial não se opõe à aplicação aos membros do Tribunal de Contas (Portugal) de medidas gerais de redução salarial, como as que estão em causa no processo principal, associadas a imperativos de eliminação de um défice orçamental excessivo e a um programa de assistência financeira da União Europeia.



Paper (341)


-- Nash, Jonathan Remy, National Personal Jurisdiction (SSRN 02.2018)


Paper (340)


-- Dias, U., Audiência prévia e saneador (02.2018)



Jurisprudência (800)

 
Providência cautelar;
interesses difusos

 
1. O sumário de 26/10/2017 (3375-16.6T8FNC.L2-6) é o seguinte:
 
– O procedimento cautelar comum é o meio adequado a prevenir ou a fazer cessar as infracções contra a saúde pública e contra a prevenção do ambiente e qualidade de vida conferido a todos, pessoalmente ou através de associações, pelo n.º 3 do artigo 52 da Constituição da República Portuguesa.

– Pretendendo-se com a providência tutelar interesses difusos ligados à saúde e qualidade de vida, não podem os requerentes aspirar a uma tutela egoísta e exclusiva das suas situações jurídicas individuais ou de uma dada categoria de pessoas, uma vez que os interesses a tutelar se perfilam como pertença genérica de toda a comunidade em que se inserem.

– Só em casos limite de grave e intolerável degradação da qualidade de vida, devidamente comprovados, e sem prescindir do sentimento dominante na comunidade social, será de admitir a exercitação de providências de carácter preventivo e repressivo com custos sociais desproporcionados. 
 
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"3.1. – No presente procedimento, prévio a acção popular civil, estão em causa, indiscutivelmente, “interesses difusos”, que se reconduzem à defesa da qualidade de vida da população do Funchal e de um leque de pessoas mais amplo que eventualmente frequente a Praia Formosa.

Com se pondera na sentença recorrida, os direitos fundamentais de personalidade, consagrados, desde logo, no texto constitucional – direito à integridade física e moral e ao livre desenvolvimento da personalidade (artigos 25º e 26º, nº1) - são reiterados no Código Civil, ao contemplar, no artigo 70º, a tutela geral da personalidade dos indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral – sendo óbvio e inquestionável que o direito ao bem-estar e lazer se configuram manifestamente como requisitos indispensáveis à realização do direito à saúde e à qualidade de vida, constituindo emanação do referido direito fundamental de personalidade.

No caso vertente, apresentaram-se os Recorrentes a defender o seu direito de personalidade à qualidade de vida e bem-estar (artigos 34º a 36º e 39º a 40º da petição).

E agiram ainda como actores populares para prevenção da qualidade de vida e bem-estar, direitos violados com o bloqueio do acesso ao parque de estacionamento em causa.

Ora, cabe aqui referir que concordamos plenamente com a Sra. Juiz a quo quando refere ser inquestionável “que o direito ao lazer e bem-estar, como factores condicionantes ao equilíbrio psicossomático da pessoa humana, se configuram manifestamente como requisitos indispensáveis à realização do direito à saúde e à qualidade de vida, constituindo emanação do referido direito fundamental de personalidade, já o estacionamento de veículos de forma livre e gratuita junto às zonas de passeio e lazer não se nos apresenta, em abstracto, como condição imprescindível à realização do direito à saúde e à qualidade de vida, nomeadamente na vertente dos direitos ao lazer e bem-estar e, por conseguinte, como emanação de qualquer direito de personalidade.”

Isto porque, como se refere, em concreto, da factualidade indiciariamente provada, designadamente sob os pontos os pontos 6. a 26. e 55. a 64. também não resultam circunstâncias que transvertam a utilização de um parque de estacionamento de veículos junto da Praia Formosa e “promenade” ali existente numa exigência fundamental à efectivação do direito à saúde e qualidade de vida, na perspectiva do direito ao lazer e bem estar. 
 
É certo que a factualidade descrita sob os pontos 24. e 25. indicia que, de um modo genérico, poderá “a qualidade de vida” ser prejudicada pelo obstrução do tráfego e acrescida dificuldade de circulação automóvel, incluindo veículos de socorro, que, após o fecho do parque de estacionamento, o estacionamento de veículos nas margens das estradas e no passeio provoca para toda a zona e, nomeadamente, pelo facto de os serviços de segurança, emergência e saúde terem deixado de ali ter assegurados lugares de estacionamento.

No entanto, nessas circunstâncias, as perturbações em causa, são decorrência da actuação dos condutores e utentes das vias, que as obstruem ou estacionam as respectivas viaturas, dificultando a passagem de outras, o que não é garantido que deixasse de suceder com a reabertura do parque de estacionamento.

Tudo a concluir, como acertadamente se concluiu na decisão recorrida, que, ainda que se admita estarem os Recorrentes e os utentes e visitantes da Praia Formosa e sua “promenade” prejudicados com a perda de alguns minutos ou horas de sol, mar, passeio e actividades físicas, na procura de lugar de estacionamento das respectivas viaturas, na deslocação em transportes públicos ou a pé, bem como com a maior distância que eventualmente terão que percorrer desde o local de paragem da viatura ou do transporte público até à praia, entendemos que não ocorre afectação da qualidade de vida ou do bem-estar.

3.2. – Os Recorrentes estribaram, ainda, a respectiva pretensão de desobstrução da entrada e saída do parque de estacionamento em causa e de intimação da requerida a abster-se da prática de actos que impeçam ou dificultem o acesso e utilização de tal parque de estacionamento à população da Madeira e aos turistas, no “carácter dominial” do terreno onde foi construído o parque de estacionamento (artigos 44º a 50º do requerimento inicial).

Contudo, bem andou a Sra. Juiz em considerar improcedente tal argumentação, desde logo por ter ficado demonstrado que o terreno onde está implantado o parque de estacionamento em causa é propriedade da Recorrida (pontos n.ºs 2., 27. a 43. e 50. a 53. Dos factos provados), a qual beneficia, aliás, da presunção derivada do registo (art.º 7º do Cód. Registo Civil), presunção que não foi ilidida pelos Recorrentes.

3.3. – E também, decidiu acertadamente ao indeferir a pretensão dos Recorrentes de, em defesa do domínio público autárquico, perante a alegada inércia do município do Funchal, invocarem a aquisição, por usucapião, da parcela de terreno onde se encontra implantado o parque de estacionamento, assim como, e subsidiariamente, a aquisição da mesma parcela por acessão industrial imobiliária.

A pretensão de usucapião está naturalmente votada ao insucesso, por não terem logrado provar uma actuação do município do Funchal, através da população em geral, correspondente ao exercício do direito de propriedade (art.º 1251º do CC.

Para posse susceptível de conduzir à usucapião é necessário que, por um lado, se verifiquem actos materiais que permitam concluir por uma actuação de facto sobre o objecto em questão (corpus) e, por outro, que o agente actue com uma intenção idêntica à de um titular do direito real em causa (animus).

A comprovada utilização da parcela de terreno em causa pela população do Funchal, ao longo de cerca de 30 anos, não faz dos munícipes que utilizam esse prédio verdadeiros possuidores do mesmo, considerados quer isoladamente, quer colectivamente, já que não se provou que o tenham utilizado como titulares de qualquer direito real sobre ele.

Do elenco de factos provados apenas se retira que foram meros utilizadores (ou possuidores precários), qualidade em que fruíram das vantagens e utilidades colectivas (no sentido de satisfação de interesses colectivos ou comunitários) por ele proporcionadas.

Não se configura, assim, uma situação de posse que pudesse conduzir à usucapião da parcela de terreno aonde está implantado o parque de estacionamento em causa e, em consequência, não pode afirmar-se uma aquisição, pelo Município do Funchal, do direito de propriedade sobre tal terreno por usucapião e, por conseguinte, pela probabilidade séria da existência ou possibilidade de emergência de um direito sobre tal terreno, que legitime a respectiva utilização pública e que preencha o primeiro dos mencionados requisitos para a procedência do procedimento cautelar."
 
[MTS]
 
 

26/02/2018

Bibliografia (636)


-- Lord Dyson, Justice / Continuity and Change (Hart Publishing: Oxford 2018)

 

Alteração ao CPC (4)


Art. 738.º CPC


A DecRet 6/2018, de 26/2, rectificou a nova redacção do art. 738.º CPC dada pela L 114/2017, de 29/12, eliminando a referência ao inexistente n.º 9:

«[...]
8 - Aos rendimentos auferidos no âmbito das atividades especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, aplica-se o disposto nos n.os 1 a 4 deste artigo, com as seguintes adaptações:
a) A parte líquida dos rendimentos corresponde à aplicação do coeficiente 0,75 ao montante total pago ou colocado à disposição do executado, excluído o IVA liquidado;
b) O limite máximo e mínimo da impenhorabilidade é apurado globalmente, para cada mês, com base no total do rendimento mensal esperado do executado, sendo aqueles limites aplicados à globalidade dos rendimentos esperados proporcionalmente aos rendimentos esperados de cada entidade devedora;
c) A impenhorabilidade prevista neste número é aplicável apenas aos executados que não aufiram, no mês a que se refere a apreensão, vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia ou prestações de qualquer natureza que assegurem a sua subsistência;
d) A aplicação desta impenhorabilidade depende de opção do executado a apresentar por via eletrónica no Portal das Finanças, ficando aquele obrigado a comunicar à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT):
i) A identificação das entidades devedoras dos rendimentos em causa com menção de que os mesmos são auferidos no âmbito de uma das atividades especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS;
ii) O montante global de rendimentos que, previsivelmente, vai auferir, de cada uma das entidades devedoras em cada mês;
iii) A inexistência de vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a sua subsistência;
e) Com base nas informações prestadas nos termos da alínea anterior é emitida uma declaração relativa aos limites máximo e mínimo da impenhorabilidade de todas as entidades pagadoras, que pode ser consultada no Portal das Finanças pelo exequente e pelas entidades devedoras dos rendimentos, a quem o executado deve fornecer um código de acesso especificamente facultado pela AT para este efeito;
f) A aplicação desta impenhorabilidade cessa pelo período de dois anos a contar do conhecimento da inexatidão da comunicação a que se refere a alínea d), quando o executado preste com inexatidões essa comunicação de forma a impossibilitar a penhora do crédito;
g) Para o exercício da competência prevista neste artigo, a AT pode utilizar toda a informação relevante para o efeito disponível nas suas bases de dados.»


Jurisprudência (799)


Penhora de vencimentos;
salário mínimo; Região Autónoma dos Açores
 

1. O sumário de RL 2/11/2017 (191/08.2TBPDL-A-2) é o seguinte:

Na Região Autónoma dos Açores, o limite mínimo da impenhorabilidade dos vencimentos é o valor que resulta do acréscimo regional ao salário mínimo nacional. Ou seja, a norma do art. 738/3 do CPC, e outras de teor idêntico, devem ler-se como referindo-se também ao “salário mínimo regional” se o executado viver nessa RA.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Ao contrário do decidido, a pretensão do executado não é manifestamente improcedente.

Antes pelo contrário: o art. 738/3 do CPC estabelece o limite mínimo da impenhorabilidade no salário mínimo nacional (que é de 557€ em 2017, por força do DL 86-B/2016, de 29/12), quando o executado não tenha outros rendimentos, sendo que esse salário mínimo nacional, na RAA, é acrescido de 5%, segundo decisão dos órgãos legislativos constitucionalmente competentes (nos termos dos arts. 227/1-a da CRP e do art. 31/1-c do Estatuto Político-Administrativo da Região), por se considerar que aí é superior o custo de vida.

Com efeito, do preâmbulo daquele DLR [alterado pelo DLR 22/2007/A, de 23/10, mas sem influência na questão] citado pelo executado, diz-se: “Em 2000 foram criados, na RAA, os regimes jurídicos da atribuição do acréscimo regional ao salário mínimo no valor de 5% […] A criação destes regimes […] visa, por um lado, atenuar a diferença do nível do custo de vida nos Açores em relação ao continente, designadamente os derivados dos custos da insularidade, e, por outro, diminuir as desigualdades resultantes do baixo valor das remunerações ou pensões auferidas por uma faixa da população residente nos Açores, traduzindo-se numa medida de justiça social.”

Conforme tem vindo a ser dito pelo Tribunal Constitucional (por exemplo, acórdão 96/2004, de 11/02/2004, publicado no DR, II série, de 04/04/2004): (…) “o salário mínimo nacional contém em si a ideia de que é a remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador e que por ter sido concebido como ‘o mínimo dos mínimos’ não pode ser, de todo em todo, reduzido, qualquer que seja o motivo” (…)” (no mesmo sentido, o acórdão 318/1999, publicados no sítio do TC na internet; e, por último, o ac. do STJ de 02/02/2016 [...]: V - Em regra, o salário mínimo nacional é o limite mínimo de exclusão dos rendimentos, no contexto da cessão de rendimentos pelo insolvente a quem foi concedida a exoneração do passivo restante, ou seja, nenhum devedor pode ser privado de valor igual ao salário mínimo nacional, sob pena de não dispor de condições mínimas para desfrutar uma vida digna).
Ora, o acréscimo regional representa, também, a concretização, na Região Autónoma dos Açores, do valor que se considera corresponder a esse mínimo dos mínimos, tendo em conta “a diferença do nível do custo de vida nos Açores em relação ao continente, designadamente os derivados dos custos da insularidade […].

Pelo que o limite mínimo de impenhorabilidade de vencimentos, na RAA, é o “SMR” de 584,85€, excepto se estiver provado que o executado tem outros rendimentos, o que não é o caso (como se diz no acórdão do TRP de 23/02/2012, proc. 1218/08.3TJVNF.P1: Na falta de prova de que existem outros rendimentos ou bens, parte-se do princípio de que o executado só tem esse salário ou essa pensão.”) Neste sentido, por exemplo, no caso de que trata o ac. do TRL de 23/04/2015, proc. 3376/14.9T8FNC-A.L1-6, decidiu-se: “b) Apreender os saldos bancários de contas tituladas pelos requeridos, em valor superior ao salário mínimo regional.”

Neste sentido, veja-se a fundamentação do acórdão n.º 268/88 do TC, de 29/11/1988, (com votos de vencido mas que não têm a ver com este ponto), sobre as normas das Resoluções n.ºs 42/87, de 15/01, e 5/88, de 28 de Janeiro, do Governo Regional dos Açores, que estabeleciam “salários mínimos regionais”:
 
"[…] com a fixação do salário mínimo nacional - o que aconteceu pela primeira vez, na ordem jurídica portuguesa, com o Decreto-Lei n.º 217/74, de 27 de Maio -, pretendeu-se assegurar aos trabalhadores das categorias inferiores dos diversos sectores da economia uma remuneração laboral que lhes consentisse, ao cabo e ao resto, um nível de vida acima do nível de sobrevivência. Vê-se assim que existe uma íntima conexão entre o montante do salário mínimo e o custo de vida, pois que quanto maiores forem os preços das mercadorias e dos serviços necessários à existência maior haverá de ser o salário mínimo.

Mais tarde, ao constitucionalizar-se tal instituto, determinou-se no artigo 60/2-a da CRP que os órgãos legislativos da República, ao fixarem o salário mínimo nacional, haveriam fatalmente de ter em conta os seguintes factores: 1) necessidades dos trabalhadores; 2) aumento do custo de vida; 3) nível de desenvolvimento das forças produtivas; 4) exigências da estabilidade económica e financeira; 5) acumulação para o desenvolvimento.

Entre esses factores não será de somenos importância o que tem a ver com o custo dos produtos e serviços indispensáveis à vida, factor este que logo de início se destacou.

Ora, esse factor, agora especificamente assinalado, difere claramente do continente para os Açores.

De facto, o trabalhador continental, porque os preços dos bens e serviços essenciais, no seu conjunto, são, no continente, inferiores aos dos Açores, tem de despender com eles menos dinheiro que o trabalhador açoriano.
E é precisamente a premência deste factor, factor da maior importância na delineação do salário mínimo, que paralelamente veio criar uma nova questão no espaço insular açoriano: a da complementação do salário mínimo nacional para que ao trabalhador ilhéu das categorias mais baixas dos sectores primário, secundário e terciário da economia seja garantido um nível de vida um patamar acima do nível de sobrevivência, ou seja, ao nível do seu homólogo do continente, esse recebedor apenas do salário mínimo nacional.

Assim, nos Açores, o limite mínimo de impenhorabilidade tem de ser o valor resultante da soma do acréscimo salarial ao SMN, sob pena de se violar o princípio da igualdade (art. 13/1 da CRP), pois que a penhora que abrangesse o acréscimo regional representaria tirar a um residente na RAA aquilo que, aí, representa o mínimo dos mínimos, que, no continente, já seria deixado intocado.
 
[MTS]
 
 

Papers (339)


-- Delgado de Carvalho, J. H., As alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2016, de 23/5, no Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e na Lei Geral Tributária e as suas repercussões no concurso de credores no caso de venda de imóvel destinado a habitação própria e permanente na execução fiscal (02.2018) 

-- Teixeira de Sousa, M., A execução das dívidas dos cônjuges: perspectivas de evolução (02.2018)


24/02/2018

Informação (215)


Reg. 1393/2007 e Reg. 1201/2006


-- Celis, M., EU Public Consultation on the Service and Evidence Regulations, Conflict of Laws .net, de 24/2/2018


23/02/2018

Paper (338)


-- Themeli, Erlis, Three Phases to Choose a Court: Evidence from a Survey on Lawyers in the EU (SSRN 02.2018)

Bibliografia (635)


-- Luiso, F. P., Istituzioni di diritto processuale civile, 5.ª ed. (G. Giappichelli Editore: Torino 2018)
 
 

Jurisprudência (798)


Penhora de rendas, abonos, vencimentos ou salários;
quantias vincendas; adjudicação



1. O sumário de RP 13/11/2017 (6959/15.6T8PRT-A.P1) é o seguinte:

I - Só é possível deduzir embargos de executado num processo de execução que ainda se encontre pendente.

II - A extinção da execução nos termos do art. 779.º, n.º 4, alín. b), do CPC, é uma verdadeira extinção da instância executiva, sem prejuízo de a mesma poder ser renovada nos casos previstos na lei.

III - A adjudicação das quantias vincendas do crédito penhorado é um adjudicação pro solvendo que determina a extinção do crédito exequendo pelo pagamento, pelo que os descontos subsequentemente realizados são consequência já não da penhora mas da substituição na titularidade do crédito.

IV - Se esses descontos excederem o devido, o devedor inicial pode instaurar uma acção declarativa de repetição do indevido e, se for o caso, uma providência cautelar para suspender os descontos até à decisão definitiva da acção.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"[...] o n.º 4 do artigo 779.º do Código de Processo Civil é claro ao prescrever que o agente de execução adjudica ao credor as quantias vincendas. Ora a adjudicação do direito de crédito é uma das formas de efectuar o pagamento ao exequente prevista no artigo 795.º do mesmo diploma segundo o qual o pagamento pode ser feito pela entrega de dinheiro, pela adjudicação dos bens penhorados, pela consignação dos seus rendimentos ou pelo produto da respectiva venda.

Portanto, quando o agente de execução adjudicou ao exequente as quantias vincendas provenientes dos descontos determinados na pensão de reforma da executada, operou-se essa forma de pagamento da quantia exequenda e, consequentemente, cessou a penhora que é apenas uma diligência própria do processo executivo destinada a conservar os bens e afectá-los aos fins da execução, cessando por conseguinte quando esse fim é alcançado (designadamente quando os bens penhorados são vendidos ou adjudicados).

Essa adjudicação parece ter a natureza jurídica de uma adjudicação pro solvendo (artigo 840.º do Código Civil) e não in solutum (artigo 837.º do Código Civil), uma vez que nos termos do n.º 5 do artigo 779.º do Código de Processo Civil a instância se renova caso o crédito do exequente não venha a ser integralmente satisfeito através do direito do executado adjudicado ao exequente, num sinal de que a extinção do direito de crédito do exequente não se dá com a mera adjudicação mas apenas se e quando se concretizar o recebimento do bem adjudicado.

Como ensinam Menezes Cordeiro, in Direito das Obrigações, Vol. II, pág. 211, e Vaz Serra, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 103º, pág. 120, na dação pro solvendo há um cumprimento condicional, há efectiva substituição da prestação no cumprimento, mas a extinção da obrigação só opera caso o credor realize o valor correspondente ao montante da prestação a que tinha direito, devendo para o efeito o credor, de acordo com a vontade normal das partes, procurar primeiro a satisfação do seu crédito através da coisa ou do direito prestado em função do cumprimento.

De todo o modo, no processo executivo a adjudicação é sempre uma forma de pagamento e conduz à extinção da execução, ainda que a respectiva instância possa ser renovada a requerimento do exequente para obtenção do que faltar pagar.

Finalmente, é verdade que o executado deverá poder reagir contra a eventualidade de os descontos que estão a ser feitos na sua pensão não serem mais necessários para pagar ao exequente, designadamente por este já ter inclusivamente recebido quantias em excesso. Mas daí não resulta que só o possa fazer através do processo executivo e que por isso os embargos de executado tenham de ser admitidos.

Ainda que o direito constante do título exequendo tenha sido executado coercivamente, o devedor pode instaurar uma acção declarativa autónoma destinada a obter o reconhecimento de que o direito não existia ou estava extinto e a condenação do credor a restituir o indevido.

Não existindo norma que o proíba, o devedor pode instaurar uma acção para restituição do indevido com fundamento em que o direito documentado no título que consentiu a instauração da acção executiva afinal não existe, extinguiu-se ou é inexigível, ainda que possa colocar-se a questão do caso julgado formado pela eventual decisão dos embargos de executado oportunamente apresentados. No caso de títulos executivos que não sejam sentenças judiciais, essa possibilidade não pode mesmo ser recusada com fundamento algum porque o título executivo não constitui prova plena da existência do direito (e mesmo que constituísse, sempre poderia ter afastada mediante a prova da falsidade do título), não houve previamente qualquer intervenção jurisdicional a reconhecer o direito, o processo executivo não compreende na sua tramitação qualquer fase em que se exija do credor munido de título extrajudicial a prova do direito que pretende executar e, finalmente, não existe norma que estabeleça para a falta ou improcedência da oposição um efeito preclusivo extraprocessual (ou seja, para além da própria execução) da posterior invocação de qualquer fundamento substantivo de inexistência ou extinção do direito.

Havendo essa possibilidade, está igualmente em aberto a hipótese de o executado instaurar um procedimento cautelar destinado a suspender os descontos até à decisão definitiva da acção pois se tiver razão na sua argumentação (que o executado já está integralmente pago e enriqueceu injustificadamente com os valores descontados) a continuação dos descontos é uma agressão ilícita ao seu direito sobre a entidade que vem fazendo os descontos na pensão.

Por todas estas razões, deve reconhecer-se que a solução legal da extinção da execução após a adjudicação das quantias vincendas prevista no n.º 4 do artigo 779.º do Código de Processo Civil não só é incontornável como que determinou a cessação da instância executiva, obstando à instauração por apenso à mesma de qualquer enxerto declarativo, designadamente o dos embargos de executado."
[MTS]

22/02/2018

Legislação (115)



Mediador 
de recuperação de empresas

-- L 6/2018, de 22/2: Estatuto do mediador de recuperação de empresas


Jurisprudência (797)


Injunção para pagamento europeia;
oposição


1. O sumário de RP 9/11/2017 (226/17.8T8PRT.P1) é o seguinte:

I - Nos termos do Regulamento (CE) n.º 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de Dezembro de 2006 (Regulamento PEIP – Procedimento Europeu de Injunção Europeia) a oposição do requerido basta-se com a declaração de que contesta o crédito do requerente, não sendo necessário expor as razões que fundamentam a oposição. 
 
II - Essa declaração de oposição pode ser apresentada usando o formulário F do Regulamento mas os tribunais deverão ter em conta qualquer outra forma escrita de oposição, desde que esteja formulada claramente, onde se inclui, designadamente um articulado de contestação comum no ordenamento processual português.
 
III - O artigo 26.º do Regulamento remete para a lei nacional as questões processuais não reguladas expressamente pelo regulamento, pelo que por aplicação do disposto no artigo 193.º, n.º 3, do Código de Processo Civil sempre seria possível aproveitar a contestação como declaração de oposição.
 

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"A questão que está suscitada nos autos encontra resposta expressa e simples nas normas europeias que regem o caso, pelo que urge remediar a patente falta de atenção ou deficiência de compreensão das referidas normas que gerou o resultado que se observa nos autos.

A União Europeia entende que a cobrança rápida e eficaz de dívidas pendentes juridicamente não controvertidas é de importância capital para os operadores económicos na União Europeia, dado que os atrasos de pagamento representam uma das principais causas de falência que ameaçam a sobrevivência das empresas, em especial das pequenas e médias empresas, e provocam a perda de inúmeros postos de trabalho.

O Regulamento (CE) n.º 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de Dezembro de 2006 (conhecido como Regulamento PEIP) foi aprovado com o objectivo, em especial, de simplificar, acelerar e reduzir os custos dos processos judiciais em casos transfronteiriços de créditos pecuniários não contestados [artigo 1.º, n.º 1, alínea a)], através da criação de um procedimento europeu de injunção de pagamento. Com as suas disposições o Regulamento procura conciliar a rapidez e a eficácia de um processo judiciário com o respeito dos direitos da defesa nos litígios transfronteiriços relativos a créditos pecuniários incontestados (cf. Acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Março de 2016, no processo n.º C‑94/14). [...]

Nos respectivos considerandos, que como é sabido contêm a fundamentação do dispositivo (articulado) do acto e por isso constituem fontes particularmente autorizadas de interpretação do sentido e objecto da disposição, o Regulamento n.º 1896/2006 refere entre outras coisas o seguinte:

«(11) O procedimento deverá ter por base, tanto quanto possível, a utilização de formulários normalizados para todas as comunicações entre o tribunal e as partes, a fim de facilitar a sua administração e permitir o recurso ao tratamento automático de dados.

(23) O requerido poderá apresentar a sua declaração de oposição utilizando o formulário normalizado que consta do presente regulamento. No entanto, os tribunais deverão ter em conta qualquer outra forma escrita de oposição, caso esteja formulada claramente.

(24) Uma declaração de oposição apresentada no prazo fixado deverá pôr termo ao procedimento europeu de injunção de pagamento e implicar a passagem automática da acção para uma forma de processo civil comum, a não ser que o requerente tenha solicitado expressamente o termo do processo nessa eventualidade. Para efeitos do presente regulamento, o conceito de processo civil comum não deverá necessariamente ser interpretado na acepção do direito interno.

(25) Após o termo do prazo para apresentar a declaração de oposição, o requerido deverá ter, em certos casos excepcionais, o direito de pedir a reapreciação da injunção de pagamento europeia. A reapreciação em casos excepcionais não deverá significar a concessão ao requerido de uma segunda oportunidade para deduzir oposição. Durante o procedimento de reapreciação, o mérito do pedido não deverá ser apreciado para além dos fundamentos decorrentes das circunstâncias excepcionais invocadas pelo requerido. As outras circunstâncias excepcionais poderão incluir os casos em que a injunção de pagamento europeia tenha por base informações falsas fornecidas no formulário de requerimento.»

De acordo com os artigos 2.º, n.º 1, e 3.º, n.º 1, lidos conjuntamente, o Regulamento aplica-se a matéria civil e comercial, em casos nos quais pelo menos uma das partes tenha domicílio ou residência habitual num Estado-Membro distinto do Estado-Membro do tribunal demandado.

O artigo 4.º cria o procedimento europeu de injunção de pagamento «para a cobrança de créditos pecuniários líquidos exigíveis na data em que é apresentado o requerimento de injunção de pagamento europeia». Contudo, um requerente não está impedido de reclamar tal crédito através da instauração de outro procedimento previsto no direito nacional ou no direito da UE (artigo 1.º, n.º 2).

De acordo com o artigo 5.º, n.º 1, o Estado-Membro no qual é emitida uma injunção de pagamento europeia é o «Estado-Membro de origem», e o artigo 5.º, n.º 3, define «tribunal» como «qualquer autoridade de um Estado-Membro competente em matéria de injunções de pagamento europeias ou em quaisquer outras matérias conexas».

Nos termos do artigo 7.º, n.º 1, o requerimento de injunção de pagamento europeia deve ser apresentado utilizando o formulário normalizado constante do Anexo I. Para além dos aspectos relativos ao crédito em causa, o requerimento deve conter os fundamentos da competência judiciária. A secção 3 do formulário normalizado elenca 13 possíveis fundamentos que não exigem mais especificações, enquanto o fundamento 14 consiste em «Outros (queira especificar)». As «Instruções de preenchimento do formulário de requerimento», que constam igualmente do Anexo I, referem, inter alia: «Caso diga respeito a um crédito sobre um consumidor relativo a um contrato de consumo, o requerimento deve ser apresentado ao tribunal competente do Estado‑Membro no qual o consumidor tenha domicílio. Nos restantes casos, o requerimento deve ser apresentado ao tribunal competente nos termos do [Regulamento Bruxelas I] ([…])».

Nos termos do artigo 8.º, o tribunal ao qual seja apresentado um requerimento de injunção de pagamento europeia deve analisar, com base no formulário de requerimento, se estão preenchidos os requisitos estabelecidos, inter alia, no artigo 6.º (relativo à competência judiciária); esta análise pode assumir a forma de um «procedimento automatizado» (embora não seja dada qualquer indicação sobre o que pode constar de tal procedimento). Nos termos do artigo 11.º, se não estiverem preenchidos os requisitos, o requerimento deve ser recusado, mas tal recusa não é passível de recurso nem obsta a que sejam intentadas quaisquer outras acções judiciais com o mesmo objectivo. Contudo, de acordo com o artigo 12.º, se estiverem preenchidos todos os requisitos, deve ser emitida uma injunção de pagamento europeia e o requerido deve ser notificado dessa injunção de pagamento.

O artigo 16.º tem como epígrafe «Dedução de oposição à injunção de pagamento europeia». De acordo com o artigo 16.º, n.ºs 1 a 3, o requerido pode apresentar uma declaração de oposição junto do tribunal de origem, no prazo de 30 dias a contar da sua citação ou notificação, utilizando um formulário normalizado no qual deve indicar apenas que contesta o crédito em causa, não sendo obrigado a especificar os fundamentos da contestação.

O primeiro parágrafo do artigo 17.º, n.º 1, dispõe: «Se for apresentada declaração de oposição no prazo previsto no n.º 2 do artigo 16.º, a acção prossegue nos tribunais competentes do Estado‑Membro de origem, de acordo com as normas do processo civil comum, a menos que o requerente tenha expressamente solicitado que, nesse caso, se ponha termo ao processo» (o que pode fazer preenchendo o apêndice 2 ao formulário de requerimento). Nos termos do artigo 17.º, n.º 2, a passagem da acção para a forma de processo civil comum rege-se pela lei do Estado-Membro de origem.

Se não for apresentada uma declaração de oposição no prazo previsto, o artigo 18.º, n.º 1, determina que o tribunal de origem declare imediatamente executória a injunção de pagamento europeia.

O artigo 20.º tem como epígrafe «Reapreciação em casos excepcionais». Em especial, o artigo 20.º, n.º 2, dispõe: «Após o termo do prazo fixado no n.º 2 do artigo 16.º, o requerido tem […] o direito de pedir a reapreciação da injunção de pagamento europeia ao tribunal competentedo Estado-Membro de origem nos casos em que esta tenha sido emitida de forma claramente indevida, tendo em conta os requisitos estabelecidos no presente regulamento ou outras circunstâncias excepcionais». Nos termos do artigo 20.º, n.º 3, se o tribunal decidir que se justifica a reapreciação, a injunção de pagamento europeia é declarada nula; se decidir indeferir o pedido, a injunção de pagamento mantém-se válida.

Por fim, o artigo 26.º dispõe: «As questões processuais não reguladas expressamente pelo presente regulamento regem-se pela lei nacional.»

Decorre dos citados considerandos e disposições do Regulamentos que o requerido pode apresentar a sua declaração de oposição utilizando o formulário F do presente regulamento, mas não é obrigado a fazê-lo porquanto os tribunais nacionais deverão ter em conta qualquer outra forma escrita de oposição, caso esteja formulada claramente.

Ainda que por razões de agilização e tratamento informático o procedimento de injunção tenha por base formulários destinados a uniformizar o respectivo conteúdo e facilitar a sua elaboração nas diversas línguas da união europeia e reconhecimento pelos diversos Estados-Membros, o que é obrigatório é apenas que a oposição seja apresentada por escrito e que a vontade de se opor à injunção esteja claramente expostanesse escrito.

Note-se que a oposição não necessita de ser fundamentada, isto é, não necessita de ser acompanhada pela indicação das razões de facto ou de direito pelas quais o requerido considera que não deve ser emitida a injunção, é suficiente que o requerido manifeste que se opõe à injunção.

Com efeito, nos termos do n.º 3 do artigo 16.º do Regulamento na declaração de oposição o requerido só tem de afirmar que contesta o crédito em causa, não sendo obrigado a especificar os fundamentos da contestação. Isso é assim porque nos termos do artigo 1.º o procedimento de injunção visa facilitar a cobrança de «créditos pecuniários não contestados».

Conforme se assinala no ponto 40 do Acórdão do Tribunal de Justiça de 13.06.2013 no processo C‑144/12, EU:C:2013:393, «uma interpretação segundo a qual uma oposição acompanhada de alegações sobre o mérito da causa deve ser considerada como a primeira defesa iria, além disso, contra o objectivo pretendido pela oposição à injunção de pagamento europeia» pois que «nenhuma disposição do Regulamento n.º 1896/2006, e nomeadamente o artigo 16.º, n.º 3, deste regulamento, exige que o requerido precise os fundamentos da sua oposição, de forma que esta não se destina a servir de enquadramento com vista a uma defesa de mérito, mas … a permitir ao requerido contestar o crédito».

Por esse motivo, havendo oposição, nos termos do artigo 17.º e do Considerando 24 do Regulamento o procedimento especial de injunção enquanto tal termina, passando automaticamente o expediente a acção judicial de acordo com as normas do processo civil comum, a menos que o requerente tenha expressamente solicitado que, nesse caso, se ponha termo ao processo caso em que não se dá essa conversão do procedimento em processo judicial comum (no sentido de que o procedimento especial regido pelo Regulamento n.º 1896/2006 e os objectivos que este prossegue não são aplicáveis quando os créditos que deram origem à injunção de pagamento são contestados através da oposição prevista no artigo 16.° deste regulamento cf. Acórdãos do Tribunal de Justiça de 04.09.2014 nos processos C‑119/13 e 120/13, EU:014:2144).

Ora se basta que o requerido declare que contesta o crédito em causa e por isso se opõe à injunção, e se para assinalar essa declaração o formulário F previsto no Regulamento apenas contém a expressão «declaro opor-se à injunção de pagamento europeia emitida em”, não havendo no formulário qualquer espaço para justificar ou fundamentar essa posição, não faria qualquer sentido impedir o requerido de, por excesso desnecessário, apresentar uma exposição escrita deixando claramente expostas as razões pelas quais entende que o crédito reclamado pelo requerente não existe ou não é devido. Quod abundat non nocet!

Se dúvidas houvesse quanto a esse aproveitamento (e a consequência da rejeição da oposição apenas por não ser apresentada através de um formulário obrigava a ter dúvidas e a procurar resposta para as mesmas), as mesmas tinham de se considerar ultrapassadas na nossa ordem jurídica através da remissão do artigo 26.º do Regulamento para a lei nacional no que concerne «às questões processuais não reguladas expressamente» pelo regulamento.

Com efeito, caso se entendesse que o uso do formulário era obrigatório e que o requerido não se opôs usando o meio processual adequado havia que lançar mão do disposto no artigo 193.º, n.º 3, do Código de Processo Civil e aproveitar a contestação apresentada como verdadeira oposição, ainda que, se necessário, declarando não escrito tudo quanto nela exceda a mera manifestação da declaração de oposição.

Nesta medida e sem necessidade de mais argumentos, impõe-se concluir que o despacho recorrido que considerou não ter sido apresentada pelo requerido oposição no prazo legal fez uma desatenta e errada aplicação das normas legais aplicáveis, devendo por isso ser revogado.

Acrescente-se que a decisão de mandar desentranhar a contestação apresentada é ineficaz porquanto a apresentação da mesma (para além do suporte em papel, esse sim passível de desentranhamento) consta do sistema informático CITIUS e o seu registo informático e respectivo conteúdo não foi eliminado, razão pela qual, ainda que se entendesse que o requerido devia ter interposto recurso desse despacho (o que não fez), sempre teria de se considerar que na versão electrónica do processo que é presentemente a forma natural de existência e tramitação do processo a contestação subsiste como apresentada, levando a que tenha de se considerar errada a afirmação constante do despacho recorrido de que não foi tempestivamente apresentada oposição."


[MTS]