"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



09/03/2018

Jurisprudência (808)



Apoio judiciário; falta de comprovativo;
sanação do vício



1. O sumário de RP 23/11/2017 (5087/15.9T8LOU-A.P1) é o seguinte: 

I - Nos termos do artº 552º/3 do NCPC, “o autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo”.
 
II - A falta de apresentação do documento comprovativo da concessão do apoio judiciário e do que comprova o pagamento da taxa de justiça tem por consequência, fora dos casos previstos no nº 5 do artº 552º do NCPC, a possibilidade de a secretaria recusar a petição inicial (558º/f do NCPC).
 
III - Não recusando a secretaria a petição e não sendo posteriormente rejeitada a sua distribuição, não deve o juiz decidir logo pela extinção da acção, qualquer que seja a forma pela qual a mesma seja determinada – v. g., desentranhamento da petição, absolvição da instância ou outra decisão equivalente.
 
IV - Por aplicação devidamente adaptada do regime do art. 560º do NCPC, o tratamento igualitário de situações semelhantes impõe, que se dê oportunidade para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento em falta.
 

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"A omissão do pagamento das taxas de justiça devidas dá lugar, nos termos do estipulado no artº 14ºdo RCP, à aplicação das cominações previstas na lei do processo.

E, a esse propósito, convém aqui transcrever o artº 145º do CPC que estipula:

“Nº 1 - Quando a prática de um acto processual exija o pagamento de taxa de justiça inicial, nos termos do Regulamento das Custas Judiciais, deve ser junto o documento comprovativo do seu prévio pagamento ou da concessão do benefício de apoio judiciário, salvo se neste último caso aquele documento já se encontrar junto aos autos”. [...]

Nº 3 – Sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta de junção do documento referido no número anterior não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias subsequentes à prática do acto processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 570º e 642º.”

Nº 4- Quando o ato processual seja praticado por transmissão electrónica de dados, o prévio pagamento da taxa de justiça ou a concessão do benefício do apoio judiciário são comprovados nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º.

Aqui chegados, e com vista a aproximar-nos mais da resolução da questão aqui em apreço, afigura-se-nos útil ter ainda presente o teor dos preceitos legais que passaremos a citar.

Preceitua o artº 552º, nº 3, do CPC que “O autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo".

O nº 4 desse normativo estabelece: “Quando a petição inicial seja apresentada por transmissão eletrónica de dados, o prévio pagamento da taxa de justiça ou a concessão do benefício do apoio judiciário são comprovados nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º.“

O nº 5 estabelece: ”Sendo requerida a citação nos termos do artigo 561.º, faltando, à data da apresentação da petição em juízo, menos de cinco dias para o termo do prazo de caducidade ou ocorrendo outra razão de urgência, deve o autor apresentar documento comprovativo do pedido de apoio judiciário requerido, mas ainda não concedido.“

E o nº 6 estabelece: "No caso previsto no número anterior, o autor deve efetuar o pagamento da taxa de justiça no prazo de 10 dias a contar da data da notificação da decisão definitiva que indefira o pedido de apoio judiciário, sob pena de desentranhamento da petição inicial apresentada, salvo se o indeferimento do pedido de apoio judiciário só for notificado depois de efetuada a citação do réu".

A falta de apresentação do documento comprovativo da concessão do apoio judiciário e do que comprova o pagamento da taxa de justiça tem por consequência, fora dos casos previstos no nº 5 do art. 552º do NCPC, a possibilidade da secretaria recusar a petição inicial (art. 558º/f do NCPC).

Do acto de recusa cabe reclamação para o juiz e da decisão deste que confirme a recusa cabe recurso para a Relação, nos termos previstos no art. 559º do NCPC.

Não sendo a petição recusada pela secretaria e fora dos casos previstos no nº 5 do art. 552º do NCPC, a falta de apresentação do documento comprovativo da concessão do apoio judiciário e do que comprova o pagamento da taxa de justiça tem por consequência que deve ser recusada a distribuição da petição – art. 207º/1 do NCPC.

Por outro lado, “O autor pode apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na alínea f) do artigo 558.º, dentro dos 10 dias subsequentes à recusa de recebimento ou de distribuição da petição, ou à notificação da decisão judicial que a haja confirmado, considerando-se a acção proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo.” – art. 560º NCPC.

Assim, naquelas situações em que realmente é obrigatória a apresentação do documento comprovativo da concessão do apoio judiciário, a falta de apresentação desse documento tem como resultado final, nos casos de recusa da petição pela secretaria ou de subsequente recusa da distribuição, a possibilidade de o autor juntar aos autos o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, considerando-se a acção proposta na data da apresentação da petição inicial recusada.

Por outro lado, à luz da Lei nº 34/2004 de 29/4, que alterou o regime de acesso ao direito e aos tribunais, dispõe o artº 18, nº 2, que “o apoio judiciário deve ser requerido antes da primeira intervenção processual, salvo se a situação de insuficiência económica for superveniente, caso em que deve ser requerido antes da primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento da situação de insuficiência económica. E o nº3 desse artigo 18º dispõe que: “se verificar insuficiência económica superveniente, suspende-se o prazo para pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo até à decisão definitiva do pedido de apoio judiciário, aplicando-se o disposto nos nºs 4 e 5 do artº 24”. (sublinhado nosso). Por sua vez, estabelece o nº 2 do artº 24 desse último diploma legal que “nos casos previstos no nº 4 do artº 467 e, bem assim, no casos em que, independentemente das circunstâncias referidas naquele normativo, está pendente impugnação da decisão relativa à concessão de apoio judiciário e o autor pretende beneficiar deste para dispensa de taxa de justiça, deve juntar à petição inicial documento comprovativo da apresentação do respectivo pedido”, enquanto no nº 3 desse mesmo preceito legal se dispõe que “nos casos previstos no número anterior, o autor deve efectuar o pagamento da taxa de justiça inicial no prazo de 10 dias a contar da data de notificação da decisão que indefira, em definitivo, o pedido de apoio judiciário, sob a cominação prevista no nº 5 do artº 467 do Código de Processo Civil”.

Resulta, pois de tais normativos, que existe, em tal domínio, um especial regime (nomeadamente em termos de sancionamento) para o caso da apresentação da petição inicial e que o faz divergir algo do regime previsto para os demais articulados ou peças processuais cuja apresentação está também condicionada ao pagamento de taxa de justiça (ou até em relação aos actos sujeitos ao pagamento de taxa subsequente).

É compreensível que se ordene o desentranhamento da petição inicial quando a parte não junte o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial ou do pedido de apoio judiciário, isto porque o autor sempre terá possibilidade de apresentar nova petição, podendo, inclusive, valer-se do benefício que lhe é facultado pelo art.560º do CPC, de modo a que a acção se possa considerar proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo.

E é compreensível que o regime previsto para a petição inicial, não tenha sido transposto para os restantes articulados, designadamente, contestação, pois tal solução colidiria, de forma manifesta, com o prazo peremptório de 30 dias previsto no art. 569º do CPC para a sua dedução (sem prejuízo do disposto no art. 145º nº 5 do Cód. do Proc. Civil), decorrido o qual, estava precludido o direito de contestar, criando-se uma situação irreversível.

Mas, por outro lado, resulta também que existe uma sintonia entre os diversos normativos dos diferentes diplomas atrás citados.

Ora, reportando-nos ao caso em apreço, da conjugação de tais normativos dos diversos diplomas legais citados, admitindo, por comodidade de raciocínio em relação ao caso dos autos, que estava em causa uma situação em que a autora estava efectivamente obrigada à apresentação do documento comprovativo da concessão do benefício do apoio judiciário, não bastando, por não estar registada qualquer situação subsumível ao estatuído no art. 552º/5 do NCPC, a apresentação feita pelo autora de que havia efectivamente requerido a concessão daquele benefício destinada para esta ação, caso tivesse havido recusa de recebimento pela secretaria ou subsequente rejeição da distribuição, a autora sempre tinha tido a faculdade de, nos dez dias subsequentes à recusa de recebimento ou de distribuição da petição, ou à notificação da decisão judicial que a confirmasse, juntar o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida; ou seja, a lei concede, sempre, à parte uma oportunidade de sanar a situação.

Sucede que na situação em apreço a petição não foi recusada pela secretaria, nem foi rejeitada a sua distribuição.

Perante tal circunstancialismo e continuando a admitir-se que estava em causa uma situação de obrigatória apresentação do documento comprovativo do apoio judiciário concedido, a falta de apresentação desse documento e daquele que comprovasse o pagamento da taxa de justiça, conjugada com o recebimento indevido da petição e com a sua indevida distribuição deveria ter como efeito a prolação de uma decisão judicial do tipo da decisão recorrida, no sentido da imediata extinção da acção?

A resposta a esta questão tem de ser negativa.

Com efeito, em primeiro lugar, não vislumbramos que tal consequência se encontre legalmente determinada em qualquer dispositivo legal que conheçamos.

Na verdade, entendemos, tal como no citado acórdão de 16-10-2014, não recusando a secretaria a petição e não sendo posteriormente rejeitada a sua distribuição, não deve o juiz decidir logo pela extinção da acção, qualquer que seja a forma pela qual a mesma seja determinada – v. g., desentranhamento da petição, absolvição da instância ou outra decisão equivalente.

Ao invés, por aplicação devidamente adaptada do regime do art. 560º do NCPC que o tratamento igualitário de situações semelhantes impõe, entendemos que deve dar-se a oportunidade ao autor para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento em falta.

Na verdade, não recusando a secretaria o recebimento da petição e não sendo rejeitada a sua distribuição, como a lei impõe, inviabiliza-se a possibilidade de o autor lançar mão do benefício estabelecido no art. 560º.

Ora, o autor não pode ser prejudicado por tais omissões da secretaria (art. 157º, nº6 do NCPC) – neste sentido, acórdão da Relação de Coimbra de 31/5/2005, proferido no âmbito do processo 1601/05, acórdãos da Relação do Porto, de 23/5/2006, proferido no processo 0622181, e de 9/10/2006, proferido no âmbito do processo 0654628, acórdão da Relação de Lisboa de 13/4/2010, proferido no âmbito do processo 2288/09.2TBTVD.L1-1, todos referidos no citado Ac. da Relação de Coimbra de 16-10-2014, proc. nº 73/14.1TTCBR-A.C1, Relator: Jorge Loureiro.

A não se entender assim, estaria criado um sistema em que, em idênticas circunstâncias, conforme a actuação/omissão da secretaria, uns teriam a oportunidade de praticar o acto, outros veriam precludida essa faculdade e, como no caso dos autos, de forma irremediável – a proibição de prejuízos para as partes dos erros e omissões da secretaria (art. 157º/6 do NCPC) e as exigências decorrentes do princípio da igualdade (art. 13º da CRP) impedem a adopção de um sistema dualista do tipo acabado de referir

Assim, na hipótese da situação dos autos não ser subsumível ao nº 5 do art. 552º do CPC e na hipótese de ser obrigatório juntar com a petição inicial documento comprovativo da concessão do benefício do apoio judiciário destinado a esta concreta acção, tanto bastaria para se acolher a pretensão da recorrente."

[MTS]