"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



16/03/2018

Jurisprudência (813)


Declarações de parte:
momento

I. O sumário de RL 30/11/2017 (12010/14.6T2SNT-K.L1-2) é o seguinte:

1.– Os processos judiciais de promoção dos direitos e protecção das crianças e jovens em perigo são legalmente qualificados como processos de jurisdição voluntária e, por isso, o tribunal está legitimado a investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes e, no seu julgamento, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue conveniente e mais oportuna (artigo 100º LPCJP e artigos 986º, 2,e 987º do Código de Processo Civil).

2.– De acordo com o estatuído no artigo 126º da Lei 147/99, de 1 de Setembro, ao processo de promoção e protecção são aplicáveis subsidiariamente, com as devidas adaptações, na fase de debate judicial e de recurso, as normas relativas ao processo civil de declarativo comum.

3.– Considerando que a Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo nada estabelece, nos seus artigos 116º e 117º, quanto à ordem da produção de prova a realizar no Debate Judicial, sempre se poderá recorrer, subsidiariamente, às normas do CPC.

4.– Da conjugação do disposto nos artigos 604º, nº 3 e 466º, nºs 1 e 2, ambos do CPC, há que concluir, atenta a natureza subsidiária das declarações de parte, e uma vez que as partes recorrem a tal meio de prova quando se lhes afigura que os outros meios probatórios usados não terão sido bastantes para assegurar o convencimento do julgador, mais sentido fará a audição das partes no final da produção de prova.
 
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
 
"O nº 3 do artigo 604º do CPC estabelece a ordem dos actos de prova a realizar no decurso da audiência final. Esta inicia-se com a prestação dos depoimentos de parte, seguem-se a exibição de reproduções cinematográficas ou registos fonográficos, os esclarecimentos verbais dos peritos e a inquirição das testemunhas.

Nada se refere quanto às declarações de parte. E compreende-se que assim seja, já que como preceitua o nº 1 do artigo 466º do CPC, as partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo.

É verdade que, nos termos do nº 2 do artigo 466º do CPC se prevê que às declarações de parte se aplica, com as necessárias adaptações o estabelecido na secção anterior, que é, justamente a prova por confissão. Daí que se poderia entender que a prova por declarações de parte seria realizada logo no início da produção de prova, em audiência, designadamente, se houver lugar, simultaneamente, a depoimento de parte e a declarações de parte – v. JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ISABEL ALEXANDRE, CPC Anot., Vol. 2º, 3ª ed., 309.

Sucede que se tem entendido, na doutrina e na jurisprudência, que a ponderação e apreciação que o juiz terá de efectuar acerca das declarações produzidas pela parte será distinta, consoante a parte declarante tenha assistido, ou não tenha assistido, à audiência final e que o juiz deverá advertir as partes de que a valoração das suas declarações só será a mais favorável se elas não tiverem estado presentes na audiência final.

Contrapõe MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, no Blog do IPPC, a propósito de um paper divulgado no Blog (As declarações de parte. Uma síntese de L.F. Pires de Sousa), acessível em https://blogippc.blogspot.pt/2017/04/um-apontamento-sobre-as-declaracoes-de.html , referindo que “A assistência à audiência final é um direito da parte. Estranho seria que, sendo a regra a publicidade da audiência final (cf. art. 606.º, n.º 1, CPC), a parte fosse precisamente o único sujeito a quem fosse recusado esse direito. Sendo assim dificilmente se compreende que a parte possa sofrer qualquer consequência como resultado do exercício legítimo daquele direito. Aliás, a fiabilidade das declarações da parte aumenta se a parte tiver pleno conhecimento do que se passou na audiência final e se quiser reagir, por sua iniciativa, contra alguma prova nela produzida. Em contrapartida, a ausência da parte da audiência final diminui o conhecimento por esta do que nela se passou e restringe a possibilidade de uma reacção espontânea da parte, o que contribui para aumentar o risco de o requerimento para a prestação de declarações ser apenas um expediente processual. Em conclusão: a circunstância de a parte ter assistido à audiência final pode constituir um factor relevante para a valoração das declarações realizadas pela parte; isso justifica que o juiz pondere essa circunstância no momento da apreciação da prova, mas não que o juiz assuma, a priori, que a presença da parte declarante na audiência final diminui o valor probatório das suas declarações. Por isso, não se justifica nenhuma advertência das partes quanto a uma desvalorização probatória das suas declarações se as mesmas forem realizadas quando a parte declarante tenha assistido à audiência final".

Daqui se infere que na apreciação do que decorre da lei processual civil e que tem sido questionado na doutrina e na jurisprudência, não é tanto a ordem de produção do meio de prova, consistente nas declarações de parte, mas sim do seu valor probatório.

Porém, a prova por declarações de parte não pode ser entendida como qualquer outra prova, posto que nem sequer têm de ser indicada, desde logo, nos articulados, nem sequer na audiência prévia, como decorre do citado artigo 466º, nº 1 do CPC.

A natureza subsidiária ou supletiva da prova por declarações de parte tem sido, por isso, preconizada na doutrina e na jurisprudência, à qual se recorre face à natureza pessoal dos factos a averiguar, e quando se pressinta que os outros meios probatórios usados não terão sido bastantes para assegurar o convencimento do juiz, i.e., perante a necessidade sentida pela parte de oferecer o depoimento próprio, como meio de prova, mormente perante o fracasso da produção de outros meios – v. neste sentido JOÃO CORREIA/PAULO PIMENTA/SÉRGIO CASTANHEIRA, Introdução ao Estudo e à Aplicação do Código de Processo Civil de 2013, Almedina, 2013, 57, PAULO RAMOS DE FARIA e ANA LUÍSA LOUREIRO, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2013, Vol. 1, 364, PAULO PIMENTA, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, 278 e, a título exemplificativo Acs. TRP de 23.03.2015 (Pº 1002/10.4TVPRT.P1) e de 10.09.2015 (Pº 6615/11.4TBVNG.P1), de que foi relator o ora 1º adjunto, e demais jurisprudência neles mencionada [...].

Assim, perante o carácter supletivo deste meio de prova e o seu respectivo campo de aplicação, não se pode deixar de concluir que fará mais sentido que a prova por declarações de parte seja relegada para o final da produção de prova.

É certo que também se poderia defender a prévia audição dos progenitores, por recurso à regra geral contida no artigo 85º, nº 1 da LPCJP (Capítulo VI – Disposições Processuais Gerais aplicadas aos processos de promoção e protecção instaurados nas comissões de protecção ou nos tribunais), como também pelo que decorre do Regime Geral do Processo Tutelar Civil, aprovado pela Lei nº 141/2015, de 8 de Setembro, dada a proximidade das características especificas existentes entre ambos os diplomas, mormente em relação ao debate judicial (artigo 116º e 117º LPCJP) e à audiência de discussão e julgamento (artigo 29º, nº 1 , alínea a) do RGPTC).
 
[MTS]