"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



23/03/2018

Jurisprudência (818)


Testemunha; contradita;
prova documental; junção de documentos


1. O sumário de RL 6/12/2017 (3410-12.7TCLRS-A.L1-6) é o seguinte:

– O incidente da contradita visa questionar a credibilidade da própria testemunha, pondo em causa a sua isenção e a fé que possa merecer, ou seja a fonte do seu conhecimento e não directamente a veracidade do seu depoimento.
 
– A pretensão do A. de junção de documentos, finda uma sessão de audiência de julgamento, alegando, como fundamento dessa junção, a “contra prova do invocado” na sequência do depoimento de testemunha que depusera nessa sessão, não se integra no incidente de contradita, ainda que este fosse temporalmente admissível. 
 
– A junção de documentos é admissível nos prazos previstos no artº 423 do C.P.C., que permite a junção em três momentos distintos: a) com o articulado respectivo, sem cominação de qualquer sanção; b) até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas com cominação de multa, excepto se a parte alegar e provar que os não pode oferecer antes; c) até ao encerramento da discussão em 1ª instância, mas apenas daqueles documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento ou se tornem necessários por virtude de ocorrência posterior.
 
– Cabe à parte que pretende a junção de documento alegar e demonstrar que a sua apresentação não foi possível até àquele momento, ou que a sua apresentação só se tornou possível em virtude de ocorrência posterior.
 
– Os meios de prova, qualquer que seja a sua natureza, destinam-se à instrução da causa, a qual “tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova.” 
 
– O depoimento de testemunhas arroladas nos autos não constitui ocorrência posterior para efeitos de apresentação de documentos não juntos aos autos, com fundamento na parte final do nº3 do artº 423 do C.P.C.
 
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
 
"Invoca o recorrente como primeiro fundamento do recurso que, visando a junção destes documentos a contradita do depoimento de uma testemunha, no âmbito da audiência de discussão e julgamento [...] a tempestividade da sua junção, uma vez que os documentos no incidente de contradita podem ser juntos até à decisão sobre os factos da causa.

Sobre o incidente da contradita dispõe o artº 521 do C.P.C., o qual dispõe que “A parte contra a qual for produzida a testemunha pode contraditá-la, alegando qualquer circunstância capaz de abalar a credibilidade do depoimento, quer por afetar a razão da ciência invocada pela testemunha, quer por diminuir a fé que ela possa merecer”

A propósito deste incidente, em comentário ao então artº 640 do C.P.C., referia Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, Pág. 459) que no incidente de contradita, “faz-se um ataque, não ao depoimento propriamente dito, mas à pessoa do depoente; não se alega que o depoimento é falso, que a testemunha mentiu; alega-se que, por tais e tais circunstâncias, exteriores ao depoimento, a testemunha não merece crédito. Só quando a contradita se dirige contra a razão de ciência invocada pela testemunha, é que as declarações desta são postas em causa; mas ainda aqui não se atacam directamente os factos narrados pelo depoente, só se ataca a fonte de conhecimento que ele aponta.”

Ou seja, visa este incidente questionar a credibilidade da própria testemunha, pondo em causa a sua isenção e não directamente a veracidade do seu depoimento (embora indirectamente, pois que procedendo este incidente, esta possa ficar inquinada pela falta de credibilidade ou isenção da testemunha em causa).

Como refere Luis Filipe Pires de Sousa in a “Prova Testemunhal”, a págs. 269, “pode invocar-se como fundamento da contradita qualquer circunstancionalismo que afecte a razão de ciência invocada pela testemunha (…) ou afecte a credibilidade que a testemunha mereça. Entre os factores capazes de afectarem a fé ou a credibilidade da testemunha encontram-se: o estado; a vida e costumes da pessoa; o interesse no pleito; o parentesco ou relacionamento com as partes.”

Sobre o momento temporal para a sua dedução, estipula o artº 522 nº 1, do C.P.C. que este incidente deve ser deduzido quando o depoimento termina.

Ora, tendo deposto a testemunha P... em audiência de julgamento [...], do teor da respectiva acta, resulta que pelo A. não foi deduzida a contradita desta testemunha. Não tendo deduzido a contradita da referida testemunha no momento próprio, não se percebe a pretensão de junção de documentação ao abrigo de um inexistente incidente.

Por outro lado, o A., no seu requerimento de 06/04/2017, requereu a junção destes documentos alegando fazê-lo “na sequência do depoimento de uma testemunha”, mormente a testemunha P..., uma vez que esta teria afirmado que “quem liquidou a totalidade dos valores devidos pela compra e venda, a que se reporta o documento n.º4 em anexo à Réplica, foram os ora RR´s (e nunca o aqui A.). Nesse seguimento, afirmou também que o documento n.º 3 em anexo à Réplica não corresponde a nenhum pagamento efetuado pelo A., e muito menos no âmbito da referida compra e venda.”, mais requerendo a junção destes documentos para “contra prova do invocado e, simultaneamente, para prova dos temas 2º e 8º”

É esta pretensão bem diversa da contradita.

Não pretende o A. com a junção destes documentos, alegar que por razões não mencionadas pela testemunha (parentesco, amizade, inimizade, interesse na causa ou outro), esta não é uma testemunha isenta, nem credível, não devendo o seu depoimento merecer qualquer fé ao tribunal.

Pretendeu antes o A. juntar aos autos documentos que, na sua óptica contrariassem o teor do depoimento desta testemunha, o que não é o mesmo que a contradita da testemunha, não sendo pois de manter o despacho proferido pela Mmª Juiza “a quo” quando refere que “a contraprova de um depoimento testemunhal alcança-se processualmente por um único meio, que é a contradita.” [...]

Assim a pretensão do A. de junção de documentos, alegando, como fundamento dessa junção, “contra prova [sic] do invocado” na sequência do depoimento de testemunha que depusera em anterior sessão de julgamento, não se integra no incidente de contradita, ainda que este fosse temporalmente admissível.

Assim sendo, tais documentos nunca poderiam ser admitidos no âmbito do incidente de contradita, independentemente da sua tempestividade, só podendo ser admitidos, nos termos previstos no artº 423 do C.P.C.

Nestes termos e após considerar intempestivos porque não deduzidos nos termos e prazos da contradita, considerou ainda a Sr. Juiza que “No tocante ao outro segmento vertido no ponto C) daquele requerimento, qual seja o da junção de um conjunto de documentos para prova dos temas 2.º e 8.º da base instrutória, igualmente terão os mesmos que ser indeferidos face ao que prescreve o artigo 423.º CPC, maxime nos seus números 2 e 3.”

Estabelece este preceito legal um regime mais restritivo, no que se reporta ao momento da apresentação da prova por documentos, do que o definido no anterior Código de Processo Civil de 1961, mormente no seu artº 523, no qual se permitia a junção de documentos até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento, sujeito a multa, se a parte não demonstrasse que os não tinha podido oferecer em momento anterior.

Como decorre dos Considerandos da Proposta de Lei 113/XII, “Em consonância com o princípio da inadiabilidade da audiência final, visando disciplinar a produção de prova documental, é estabelecido que os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, assim se assegurando o oportuno contraditório e obviando a intuitos exclusivamente dilatórios.”, sabido que a junção de documentos em audiência de julgamento e a necessidade de assegurar o exercício do contraditório, conduz muitas vezes ao seu adiamento e introduz um factor de morosidade e complexidade nos autos, sendo por vezes estes documentos juntos já após a produção de prova testemunhal, com a necessidade da sua eventual reinquirição.

Pretendeu-se assim introduzir, “uma regra de estabilização dos meios de instrução a partir do vigésimo dia que antecede a data em que se realize a audiência final” - vide Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Código de Processo Civil, Os artigos da reforma, Vol. I, Almedina, 2013, pág. 340. (Vide ainda J. Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, Coimbra Editora, pág. 250 e Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, Ediforum, Lisboa, 2013, pág. 158, este, salientando que os actuais n.ºs 2 e 3 correspondem, com um grau de exigência bastante superior, ao n.º 2 do art.º 523º, do CPC de 1961.)

Assim, no âmbito do artº 423 do N.C.P.C. introduzido pela lei 41/2013, consignam-se três momentos possíveis para a junção de documentos pela parte, sendo o primeiro a regra e os seguintes excepções:
 
a)- com o articulado respectivo, sem cominação de qualquer sanção;
 
b)- até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas com cominação de multa, excepto se a parte alegar e provar que os não pode oferecer antes;
 
c)- até ao encerramento da discussão em 1ª instância, mas apenas daqueles documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento ou se tornem necessários por virtude de ocorrência posterior.

Ou seja, quando a parte não apresenta o documento com o respectivo articulado, se a apresentação for feita dentro do limite temporal traçado no artigo 423.º, n.º 2, primeira parte do Código de Processo Civil e a parte nada disser quanto à razão por que não juntou os documentos com o articulado em que alegou os factos respectivos, nem provar que não os pôde oferecer com tal articulado, sujeita-se ao pagamento da multa ali prevista, mas os documentos são admitidos (salvo caso de impertinência para a instrução da causa).

No nº 3 deste preceito, estes documentos só são admitidos alegadas e demonstradas as circunstâncias excepcionais aí referidas.

Assim sendo, a junção de documentos após a fase prevista no nº1 e 2 do C.P.C., é admissível apenas quando a sua apresentação não tenha sido possível nos dois momentos anteriores, ou se tornem necessários apenas por virtude de ocorrência posterior.

Neste caso, a parte que pretende a junção de documentos fora dos casos previstos nos nºs 1 e 2 do C.P.C. deve alegar e demonstrar a impossibilidade da sua junção ou que a mesma só naquele momento se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior. (neste sentido vide Acs. do T.R.C. de 24/03/2015, proc. nº 4398/11.7T2OVR-A.P1.C1; Ac. R. Porto de 15/02/2016, Proc. nº 96/14.8TTVFR-A.P1 e Ac. do STJ de 23/06/2016, proferido no Proc. nº 359/07.9TBOPR.P1.S1).

Ora, no seu requerimento o A. não cumpriu este ónus que lhe era imposto, uma vez ultrapassados os prazos previstos nos nºs 1 e 2 do referido preceito legal. Alegou apenas que pretendia a junção destes documentos na sequência do depoimento da testemunha Paulo ... ... ..., para “contra prova [sic] do invocado e, simultaneamente, para prova dos temas 2º e 8º”. Não invocou, nem a contradita que agora apenas em sede de recurso invoca e que é inadmissível, nem que a oportunidade de junção destes documentos surgira apenas por via de ocorrência posterior, ou sequer que considerava como ocorrência posterior o depoimento da referida testemunha."
 
[MTS]